Nos últimos meses, estrearam em Porto Alegre dois filmes europeus que tratam os políticos como idiotas. Não que muitíssimos deles não mereçam, mas aqueles retratados no francês O Palácio Francês e no italiano Viva a Liberdade demonstram a decepção do continente com a classe e com a política em geral. Penso ser este um fenômeno mundial e, no âmbito cinematográfico, muito diferente do que víamos no cinema político italiano dos anos 60 e 70. Este repercutia a sociedade da época sob uma grande variedade de enfoques, sempre com políticos e personagens claramente posicionados. Com os pés no neorrealismo de Rossellini e De Sica e forte influência do jornalismo e do documentário, apareceram uma série de extraordinários trabalhos de Bertolucci, Pasolini, Bellocchio, Scola, Monicelli, Risi, Rosi, etc. Eram trabalhos e personagens que defendiam ideias, enquanto que os filmes citados e outras obras atuais revelam um niilismo que vai contra os políticos e a política.
O Palácio Francês nos mostra um político assustador. Com enorme capacidade de trabalho e nenhuma ideologia, ele está em todos os lugares despejando bobagens, além disso, conhece todo mundo, infelizmente. Sem o menor pensamento político, suas decisões e afirmativas dependem do contexto ou das páginas aleatórias de um livro de citações que ele abre em momentos de decisão. O que nos apavora é que qualquer pensamento ou ser pensante corre o risco de ser atropelado pelo político ou por suas conveniências. Conheço um exemplar desses. Onde ele está neste momento? Tentando entrar na política. É candidato a deputado estadual no RS. É assustador, repito, pois não tem a menor formação política, apenas é insuportavelmente ativo.
Já Viva a Liberdade nos mostra um político de esquerda que não tem para onde ir. Com ideias antiquadas e repetitivas, precisando de antidepressivos para seguir a vida, ele opta por sumir quando vê seus índices minguarem nas eleições próximas. Sorrateiramente, o partido o substitui por um irmão idêntico recém saído do manicômio. O que poderia gerar boas risadas, só nos causa tristeza. Os índices eleitorais sobem através de um discurso que não tem nada demais, é apenas sincero. OK, o irmão é bem-humorado e irônico. Também sorri para o público, enfrenta os jornalistas e a oposição. Nada demais, repito. Mas as pessoas se entusiasmam com a novidade que, bem, apenas é mais assemelhada com um ser humano.
Fico contrariado com este voluntarismo ou burrice sem ideologia. A vitória da vontade sobre a inteligência, do oportunismo sobre a ideologia, da disposição sobre o conhecimento, da ação e do senso comum sobre o pensamento é lamentável. Você perguntará: mas Milton, onde está a novidade? A novidade está em que há um crescente espectro de diretores de cinema, roteiristas e produtores — gente que deveria ter um perfil mais ou menos intelectual — que se afastam das ideologias e mesmo da mais simples consideração: a de verificar como alguém se coloca frente ao capital e ao trabalho. Pois, apesar da descrença generalizada, as ideologias permanecem, não obstante as características pessoais.
Não vi o francês, mas o segundo só leva ao cinema a demonstração óbvia de que a política perdeu o rumo e qualquer ideário, pois está submetida ao poder financeiro, e qualquer discurso político que não reconheça isso para o eleitor está apenas fazendo teatro, mentindo descaradamente com uma única finalidade: ter o naco de poder possível de um Estado sob diretiva econômica corporativa, o que quer dizer… política também.
Assim, não é que o filme italiano nega a existência de uma esquerda, só reconhece que aqueles que ora assim se apresentam, como de esquerda, tem muito a ver com o texto publicado hoje pelo Safatle na Folha de São Paulo. Sobrou somente a tintura vermelha sobre a cara de pau que não carece de Óleo de Peroba.
Passa, portanto, pela retomada da proeminência da política face as corporações financeiras, sem o que a política é apenas um jogo de cena afim ao teatro do absurdo, com personagens repetindo nauseadamente falas sem sentido em um contexto totalmente diverso daqueles em que eles se inserem.
O momento político na Itália, aliás, é dado a isso. Tem lá o tal do Beppo Grillo com equivalente discurso de cidadão descrente da política, curiosamente à frente de um movimento… político, embora com objetivos de desconstrução, bem aquela conversa anarquista de autogestão que, no mundo atual, promete ir do nada ao lugar nenhum, e deixar o mundo corporativo feliz da vida.
É um momento ruim e ao mesmo tempo bom de se viver, pois não temos mais hoje que sustentar práticas stalinistas e nem conviver com eles enquanto herdeiros, só que a pressão do capital e sua face de império midiático é tão poderosa que, apesar do Brasil, em meio a uma crise que já demonstra seu caráter perpétuo, ainda demonstrar alguma força e ter lenha para queimar, um reprocesso não é impossível, ainda mais quando a oposição mais viável turva as águas se dizendo continuidade de tudo que é bom e capaz de superar tudo que é ruim, quando, na verdade, tem em seu programa a capacidade de mudar tudo que é bom para pior, sem nenhum indicativo de sequer tentar se livrar de fato do que é ruim – como o PMDB, empreiteiras, bancos, evangélicos e bancada da bola, por exemplo.
Ao menos, a coisa toda ferve por aqui bem mais do que na Itália, onde a temperatura morna é responsável direta pelo filme que você detestou, ao meu ver só com uma ou duas razões.
NA ESQUINA
by ramiro conceição
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No princípio, era “eleger”, sinônimo
de “escolher”, com particípio “eleito”
que substantivado, no feminino,
deu “eleita” que logo virou “elite”… Sim,
desde o início – a elite roubou o verbo!
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É por isso que a elite
cultua ser elite, adora ser elite,
porém detesta ser denominada
tal qual… Afinal, a elite tem arbítrio
e o resto dos mortais é desperdício.
A elite tem classe. O resto? Que se
lasque! A elite tem opinião. O resto?
É podridão! A elite adquire. O resto?
Que se vire! A elite não rouba. O resto? Que se exploda!
A elite ama. O resto? Se engana. A elite não assassina:
é o resto que estrebucha, morre e desatina. A elite se
multiplica. O resto? Divide as metralhadoras à espera,
na esquina.
Milton, gostaria de dar uns pitacos nesse assunto aí.
A questão é que me afastei da política e do pensamento político em 2007, e hoje só faço o pensamento Metafísico, que, penso, seja mais importante.
Não me cabe questionar se o paradigma que denuncia o capitalismo como um ‘mal’ a ser combatido é velho. Eu mesmo uso do pensamento de Hannah Arendt para questões políticas, e que a questão mais relevante é a questão do Totalitarismo, que ela bem colocou.
Mas o que eu queria dizer é que justamente o filósofo que inaugurou o ‘senso comum’ dos intelectuais em relação à política, que foi o Platão, construiu a obra em que isso acontece justamente por uma desilusão com a política. O que eu quero dizer com isso é que, junto com Platão, a atividade metafísica é uma atividade distinta da atividade política, e que os intelectuais costumam vê-la com olhos ‘metafísicos’. Um dos exemplos é o marxismo.
Não sei se deu para entender minha posição em relação aos seus comentários. Eu acho que não há uma desilusão com a política. Sempre haverá caminhos políticos, principalmente os que não passam pela Metafísica, por denúncias da ideologia, enfim. O que eu acho é que os europeus, principalmente, por conta de não se renovarem, e por conta de má formação em Filosofia (acredito que tenham apenas formação intelectual), acabam por fazer más leituras da situação atual.