Em um famoso conto de Machado de Assis, Um Homem Célebre, havia um grande compositor de polcas, o Pestana, que queria fazer algo maior, grandioso, mas — que diabo! — só lhe saíam mais polcas. O que fazer? O personagem fazia o maior esforço, passava meses trancado em casa a fim de parir a grande obra, porém não produzia nada além de belas polcas, que logo se tornavam popularíssimas e eram assobiadas pelo povo nas ruas, para desespero do Pestana. Estas eram compostas copiosa e rapidamente. Acabou rico, infeliz e doente. Coitado.
Com Shostakovitch o caso é diferente. Compôs copiosamente obras-primas, tem obra profunda e numerosa, mas, um belo dia, resolveu escrever suítes para grupos de jazz. Vocês podem adivinhar o que aconteceu? Saíram apenas… polcas. Polcas e valsas. Ah, vocês não acreditam? A esplêndida Valsa 2 da Suíte Nro. 2 foi utilizada por Stanley Kubrick na abertura de De Olhos bem Fechados, com um ritmo e um solo de sax que nos obriga a levantar e ensaiar uns passinhos pela sala. É o “Grande Projeto Falhado” do imortal Shosta e, mesmo assim, é muito bom e divertido.
Passo aqui só para deixar meu depoimento espiritual para a possível conversão dos amargurados: graças ao PQP Bach_ mais uma vez_ tive intensos momentos de recolhimento artístico esta semana. Estando só em casa, segunda e terça, me dei ao luxo de não fazer nada, suspender meus projetos e trabalhos, para ouvir o Kronos Quartet. Vi esse quarteto no PQPBach, e logo fui atrás do restante da obra do grupo. Que deslumbre colocar os cds da caixa de comemoração de seus 25 anos, regalado no sofá, à meia luz aprazível e confortável, ao mesmo tempo que lia os dois primeiros capítulos da autobiografia do Nabokov, “Fala, memória”. Foram duas tardes de terapia que me desintoxicaram e me prepararam de peito aberto para mais uma boa dose de futuro.
Palavras da salvação.
🙂