A necessidade de justiça e a solidão de Michael Kohlhaas

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A recente edição da Civilização Brasileira
A recente edição da Civilização Brasileira

Publicado em 20 de abril de 2014 no Sul21

Michael Kohlhaas, de Heinrich von Kleist, foi escrito em 1810, porém, apesar dos mais de 200 anos, é o mais atual dos livros. As discussões que suscita vão desde os meios que são permitidos na busca da justiça até questões mais amplas como o ideal subjetivo versus a realidade mundana, a liberdade individual versus a opressão governamental, o povo versus o poder. Trata-se de uma história de impotência. Tanto o tema da busca fanática pela justiça quanto o estilo, espécie de crônica longa, são surpreendentemente modernos.

Como Marcelo Backes escreve no excelente texto a seguir, Kafka “nasceu em Heinrich von Kleist, Joseph K. é bisneto de Michael Kohlhaas. Mais que isso, o autor tcheco se proclamou parente do personagem alemão, aproximando e confundindo de uma só tacada os dois escritores e suas figuras”. Comerciante de cavalos, Michael Kohlhaas é um homem simples,  justo e exemplar. Mas, face à arbitrariedade, vemos sua bonomia dar lugar à cólera. Desprezando a felicidade do lar, a fortuna e o futuro, encara sua vida como se esta estivesse destruída e contra-ataca. Ele pretende mostrar ao mundo que não se conformará com um caso onde acabou injustiçado e que para ele é fundamental viver numa terra onde seus direitos estejam assegurados.

O presente texto corresponde ao Posfácio de Michael Kohlhaas, de Heinrich von Kleist, publicado recentemente na coleção Fanfarrões, Libertinas & Outros Heróis, da Editora Civilização Brasileira, organizada por Marcelo Backes. A novela de Kleist também mereceu recentemente um filme do diretor Arnaud de Pallières, com Mads Mikkelsen no papel de herói. Mesmo que tenha sido selecionado para o Festival de Cannes, Michael Kohlhaas, o filme, fica a léguas de distância da grandiosidade do livro. (Milton Ribeiro)

A primeira página da novela em sua edição original
A primeira página da novela em sua edição original

Por Marcelo Backes

Heinrich von Kleist (1777-1811) é considerado o poeta do sentimento absoluto, o precursor do eu nômade e abandonado a si mesmo, o arauto do sujeito sem unidade, que já se encontra além dos limites da mera identidade. Foi trágico tanto na vida quanto na arte, tanto como homem quanto como autor. Seu gênio atormentado e cético sofreu com a orfandade transcendental, cortejou constantemente o fracasso e ultrapassou os limites da estética romântica e da arte clássica. Sua obra, tanto a narrativa quanto a teatral, é inclassificável sobretudo pela profundidade que manifesta, e antecipa movimentos literários bem posteriores como o expressionismo e o existencialismo.

Se Goethe via em Kleist a confusão de sentimentos que o impedia de chegar à harmonia, Deleuze registra nele, 150 anos depois, um autor bem contemporâneo na abordagem da desestruturação do sujeito, embora Kleist sofra e acabe sucumbindo diante daquilo que o filósofo francês de certo modo saúda auspiciosamente. Kleist estudou Voltaire e Rousseau, viu o mundo entrar em convulsão ao ler Kant – ou então encontrou no filósofo o fundamento para o distúrbio que já o revolvia internamente – e circulou com escritores como Ludwig Tieck, Adelbert von Chamisso, Wilhelm Grimm, Joseph von Eichendorff e Clemens von Brentano, além de pintores como Caspar David Friedrich.

Foi espião, preso como tal, exigido demais na vida e censurado sem cessar na literatura. Jamais encontrou seu verdadeiro lugar. Tentou na vida militar, depois na ciência, na vida comum e por fim na arte, e terminou se suicidando junto com uma amiga. Michael Kohlhaas, sua novela mais conhecida,é uma das maiores obras breves da história da literatura ocidental, junto com outras do calibre de A morte de Ivan Ílitch, de Tolstói, de A metamorfose, de Kafka, e de Coração das trevas, de Joseph Conrad.Criticada de forma avassaladora pelos leitores contemporâneos devido à falta de nexo, à estrutura confusa e por causa da aparente “pressa” do talhe formal, Michael Kohlhaas é uma narrativa de estilo lacônico que atinge a concretude de passar ao bom leitor a sensação quase física do perigo que ameaça o personagem. Tanto que Kafka, não por acaso, diria um século depois que se sentia “parente consanguíneo” de Kohlhaas, o personagem, percebendo como Kleist, o autor, já abria veredas num mundo que ele mesmo trilharia tantas décadas mais tarde. Diante de uma obra como Michael Kohlhaas, não são poucos os que pensam, impotentes diante da própria arte, que talvez tudo já tenha sido dito.

Heinrich von Kleist
Heinrich von Kleist (1777-1811)

A vida

Bernd Heinrich Wilhelm von Kleist (1777-1811) nasceu em Frankfurt an der Oder, na Prússia, descendente de uma família de nobres e soldados.

Com 15 anos, e já órfão, decide seguir o mandado familiar e busca a carreira militar, mas acaba desistindo das armas mais tarde para estudar direito, matemática e outras ciências. Interessado pela filosofia, foi marcado decisivamente pela leitura da Crítica da faculdade do juízo de Kant, que o abalou a ponto de fazer com que não mais acreditasse – definitivamente – na objetividade do conhecimento humano. A obra kantiana ainda o ajudou a sistematizar o descalabro interno, formalizando a percepção de uma ruptura já existente e concedendo a seus escritos um tema básico: o conflito permanente entre razão e emoção, o choque entre a subjetividade do ideal interno e a dureza da realidade externa. Em carta de 5 de fevereiro de 1801 a sua irmã Ulrike, Kleist se queixa dizendo que a vida é um jogo difícil porque constantemente se é obrigado a ir ao baralho e buscar uma nova carta, e mesmo assim não se sabe qual dessas cartas significa um verdadeiro trunfo. Em missiva a sua noiva Wilhelmine, alguns dias mais tarde, o autor aguçaria a percepção de sua crise escrevendo: “Não podemos decidir se aquilo que chamamos de verdade é verdadeiramente verdade ou se apenas assim nos parece (…) Meu único, meu maior objetivo sucumbiu, agora não tenho mais nenhum.”

Depois de se desiludir com a carreira militar – assim como Kafka não acreditava na vida de funcionário e mesmo assim era bem-sucedido, ele não acreditava na vida de soldado e continuava a ser promovido –, Kleist se volta para a ciência, buscando a formação do espírito e abrindo mão de um caminho voltado para a riqueza, para a dignidade e para a honra militar privilegiadas desde sempre por sua estirpe nobre. Em pouco, no entanto, vê que também a ciência perde o sentido diante do relativismo da verdade e abandona os estudos. Fica noivo de Wilhelmine von Zenge, filha de um general, moça que conhecera um ano antes, ao perceber que a sabedoria dos livros também não é capaz de satisfazê-lo. A família da noiva exige que Kleist tenha um cargo oficial, e o escritor, mais uma vez seguindo o mandado dos outros, teria até exercido as funções de agente secreto do ministério, e participado de espionagens econômicas a favor do governo prussiano. Mas, ao final das contas, Wilhelmine não se curva ao novo ideal de cultivar candidamente o próprio jardim de uma vida simples, que o próprio Kleist aliás acaba por reconhecer pouco verde depois de várias viagens pela Europa na companhia de Ulrike, sua irmã.

"O céu não lhe concede a fama, o maior bem da terra"
O céu não lhe concede “a fama, o maior entre os bens da terra”

Em carta de 26 de outubro de 1803, Kleist volta a se queixar à irmã de que o céu não lhe concede “a fama, o maior entre os bens da terra”. Decide lutar contra a Inglaterra, ingressando no exército francês, a fim de “buscar a morte na batalha”. Mas conhecidos convencem-no a retornar a Potsdam. Depois de mais um breve intervalo como funcionário, Kleist começa a esboçar o plano de deixar o serviço público para ganhar a vida como escritor e dramaturgo, mas em 1807 é preso como espião pelas autoridades francesas e levado ao Fort de Joux, em Pontarlier, e em seguida como prisioneiro de guerra a Châlons-sur-Marne. Kleist ainda tenta o trabalho jornalístico, e em 1808 volta a Berlim, onde conhece vários escritores de sua época e onde permanece até a morte.

Passando por necessidades, acossado pela censura e internamente “tão ferido que eu quase poderia dizer que, quando ponho o nariz para fora da janela, a luz do dia que brilha sobre ele me dói”, conforme carta de 10 de novembro de 1811 a Marie von Kleist, começa a ser dominado por pensamentos suicidas. Logo encontra uma companheira para o caminho previsto, a amiga Henriette Vogel, doente de câncer. A pedido de Henriette, Kleist a mata com um tiro e depois se suicida em 21 de novembro de 1811, aos 34 anos, junto ao Wannsee, um lago de Berlim. Henriette pede em carta de despedida que ambos sejam enterrados juntos “na fortaleza segura da terra”. Os dois jazem exatamente no local do suicídio, hoje um local de peregrinação, já que os que tiravam a própria vida não podiam ser enterrados em um cemitério.

Não haviam sido poucas as vezes em que Kleist falara sobre o suicídio em suas cartas. Na derradeira, dirigida à sua meia-irmã Ulrike na manhã do sucedido, há uma sentença definitiva: “A verdade é que nada na Terra poderia me ajudar.” Tranquilo, Kleist ainda agradece por todas as tentativas feitas no sentido de auxiliá-lo, e em seguida se despede, pedindo que seja dada à irmã pelo menos metade da alegria e da serenidade indizível que sente no momento em que decide levar o princípio sublime do fracasso às últimas consequências.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

A obra

Heinrich von Kleist é, simplesmente, o autor de uma das novelas mais grandiosas da Alemanha (Michael Kohlhaas), da maior tragédia alemã (Pentesileia)e da principal comédia em sua língua (A moringa quebrada). Se a vida de Kleist se caracterizou pela busca incansável da felicidade e pelo encontro constante da desilusão, isso também se reflete em sua obra de maneira indelével. Bailando entre o romantismo e o classicismo, seu caminho é, antes de tudo, pessoal e subjetivo. Os temas são clássicos, os gestos são românticos e o resultado é subjetivamente aterrador.

Na obra de Kleist o sujeito ideal, autônomo e com uma identidade claramente definida é questionado talvez pela primeira vez de maneira radical na história da literatura ocidental. A desmedida da explosão sentimental é levada às últimas consequências, a violência das imagens atinge os píncaros. Experimental e subjetivo, Kleist permaneceu esquecido por algum tempo, e só começou a ser revalorizado pela geração de Gerhart Hauptmann, Frank Wedekind e Carl Sternheim.

Foi na Suíça que Kleist escreveu seu primeiro drama, A família Schroffenstein, entre os anos de 1801 e 1802. Orientada no estilo dramático de Shakespeare, A família Schroffenstein tematiza, assim como as obras do bardo inglês, a disputa entre destino e acaso e a oposição entre juízo subjetivo e realidade objetiva. Da mesma época é a tragédia inacabada Robert Guiscard, na qual Kleist pretendeu unir os valores da tragédia grega às conquistas – outra vez – de Shakespeare, ao abordar a fatalidade do herói em meio às desgraças da peste. Kleist queimaria os trechos concluídos da tragédia por achar que não conseguira realizar literariamente o que esboçara mentalmente.

Quando Kleist se muda para Dresden, já bastante desiludido e alimentando pensamentos sombrios, escreve a comédia A moringa quebrada (1802-1806), talvez a mais conhecida de suas obras. No grande cenário do teatro universal, essa comédiaé uma espécie de irmã espúria de Édipo Rei e o juiz Adão, seu personagem principal, não deixa de ser um ridículo labdácida de peruca que vai se desnudando em toda sua culpa aos poucos. Aliás, tanto o herói da tragédia grega quanto o juiz da comédia alemã investigam, e o fato de Édipo, apesar de todos os alertas, querer descobrir e por fim descobrir aquilo que não sabe – ou seja, que é o culpado – dá o caráter trágico à peça de Sófocles, ao passo que o fato de o juiz Adão, apesar de todos os esforços e esquivas, ter deinvestigar aquilo que sabe e acabar sendo descoberto por todo mundo – ou seja, que é o culpado – dá o caráter cômico à peça de Kleist.

Mesmo nas comédias de Kleist – tome-se o Anfitrião, de 1807, fundamentado em Molière, como exemplo, embora A moringa quebrada também seja perfeita nesse sentido–, o que resta no final é o amargor da visão de mundo kleistiana. Se o crítico italiano Benedetto Croce, sempre preocupado em ver humor apenas mais ao sul do planeta e incapaz de compreender de verdade a contenção sorridente – amargamente sorridente – do norte, criticou uma obra como A moringa quebrada, Bjönstjerne Björnson, o dramaturgo norueguês, disse que poucas vezes lera algo tão divertido. Theodor Storm, um dos grandes representantes do realismo europeu, chegou a dizer que a peça era a única comédia alemã que lhe agradava do princípio ao fim. A moringa quebrada também foi traduzida por Boris Pasternak em 1914, e elogiada como uma das grandes obras do cânone literário alemão por Georg Lukács.

Goethe: hostil a Kleist
Goethe: hostil a Kleist

Em 1808, Goethe, que já esfacelara A moringa quebrada, partindo-a em três atos, recusa-se a permitir a encenação da tragédia Pentesileia no teatro de Weimar. Inspirada pelas tragédias de Eurípedes, a peça veria a luz do público pela primeira vez apenas em 1876. A dimensão moderna e profundamente psicológica alcançada pela linguagem de Kleist nessa tragédia em versos e a sequência de diálogos que se encadeiam um ao outro de maneira vertiginosa adquirem caráter musical, dionisíaco – sinfônico. Pentesileia, a obra mais avançada de Kleist,seu Michael Kohlhaas vestindo saia sobre o palco, inspiraria duas grandes peças da música: a composição de Hugo Wolf e a ópera de Othmar Schoeck.

Em 1810 Kleist publica dois volumes de novelas, interessantes e adiantadas em relação a seu tempo. Duas dessas novelas são verdadeiras obras-primas: Michael Kohlhaas e A marquesa de O. Ainda assim ambas são criticadas de forma avassaladora pelos críticos contemporâneos. Também narrativas mais breves como O terremoto do Chile mostram que Kleist vai às últimas consequências na abordagem da alma humana.

Assim como em Shakespeare, muitas das obras de Kleist são fundamentadas em figuras históricas, caso inclusive de Michael Kohlhaas. A diferença é que Kleist leva temas apenas esboçados por outros autores à perfeição de um grande debate e a um acabamento narrativo extraordinário, como no caso do príncipe de Homburgo, de Robert Guiscard, do já citado Kohlhaas e até do terremoto do Chile. O príncipe de Homburgo, sua última peça, elabora a condenação à morte de um general prussiano do século XVII. Já o drama A batalha de Armínio, de 1808, abordara a derrota de Varo ante o exército germano no século. Mas o nacionalismo de Kleist e seu amor à pátria alemã se revelam sobretudo em poemas como “Germânia a seus filhos” (“Germania an ihre Kinder”) e “Canção guerreira dos alemães” (“Kriegslied der Deutschen”).

O tom sombrio característico da obra de Kleist aparece logo em suas primeiras peças, notadamente na já mencionada A família Schroffenstein. A tragédia – que aborda com maestria o tema de Romeu e Julieta – evidencia o colapso do arcabouço otimista que orientava Kleist. O autor também percebe a incongruência existente entre a alma aqui dentro e o mundo lá fora, entre as exigências do eu e as obrigações familiares e civilizatórias, e antecipa de modo absolutamente simétrico – consideradas as diferenças de época e de contexto – sua própria obra Michael Kohlhaas e a obra inteira de um dos maiores autores do século XX: Franz Kafka.

Kohlhaas, o vingador | Ilustração de uma edição alemã
Kohlhaas, o vingador | Ilustração de uma edição alemã

Michael Kohlhaas

Franz Kafka nasceu em Heinrich von Kleist, Joseph K. é bisneto de Michael Kohlhaas. Mais que isso, o autor tcheco se proclamou parente do personagem alemão, aproximando e confundindo de uma só tacada os dois escritores e suas figuras.Kleist teria começado a escrever Michael Kohlhaas em 1805, quando tinha apenas 29 anos de idade. A novela seria publicada em sua versão definitiva em 1810, no primeiro volume de suas narrativas. Dois anos antes, em 1808, um trecho da obra já surgira na revista Phöbus, dirigida pelo próprio Kleist, que se orientou em uma coletânea de relatos históricos de Christian Schöttgen e Georg Kreysig [1] para criar seu personagem. No fundo, o Michael Kohlhaas de Kleist tem pouco a ver com o Hans Kohlhasen da vida real, comerciante em Cölln junto ao rio Spree, executado em 22 de março de 1540. Os autos do caso, de 1539, não chegaram às mãos de Kleist, mas sabe-se que o Kohlhasen histórico teve dois de seus cavalos roubados por um fidalgo Zachnitz, e que por isso tenta fazer justiça com as próprias mãos, incendiando várias casas em Wittenberg, mas não chega a perder a mulher, nem sofre às últimas consequências como o Kohlhaas literariamente bem construído de Kleist.

A narrativa de Heinrich von Kleist é marcada por duas épocas conturbadas. A da escritura, entre 1805 e 1810, é a época das derrotas alemãs contra Napoleão. A Alemanha passa por uma situação política interna assaz complicada, com os príncipes divididos em relação ao conquistador francês. Kleist, nacionalista, era terminantemente contra a França e também tropeça no redemoinho dos acontecimentos. Já a época dos acontecimentos é a primeira metade do século XVI. O estado absolutista começa a se estabelecer, mas o pensamento estatal da Idade Média continua influenciando a ordem social. O mundo oficial está apenas sendo construído, e novas zonas aduaneiras são inventadas, além das incontáveis já existentes, que impedem o princípio do progresso. Michael Kohlhaas representa um espasmo da Revolta dos Camponeses, terminada anos antes. O direito de tomar satisfações individualmente contra as injustiças cometidas, o assim chamado Fehderecht, que oficialmente fora abandonado, ainda era praticado à larga pela nobreza na época da novela. E Kohlhaas faz uso dele, contra os nobres, proclamando mandados, inclusive. Se ataca o principado inteiro, deixando um rastro de destruição por onde passa, é porque este se torna o refúgio do fidalgo que o espezinhou.

A novela é fundamentada em alguns binômios centrais, que sedimentam grandes embates filosóficos. De um lado o ideal subjetivo, do outro a realidade mundana; de um lado a liberdade individual, do outro a opressão governamental; de um lado o povo, do outro a nobreza; de um lado a missão social de um Estado nascituro, do outro o abuso de poder perpetrado por seus representantes. Direito e justiça se digladiam na arena da impotência. Afinal de contas, que meios são permitidos para buscar a justiça e punir a iniquidade cometida contra o sujeito? Ao avançar subjetivamente em busca de sua justiça, Michael Kohlhaas, a cada passo que dá, se aproxima bem mais do cadafalso do que da satisfação de sua demanda.

Kohlhaas examina seus cavalos | Foto: Divulgação
Kohlhaas examina seus cavalos | Foto: Divulgação

Kohlhaas é um anjo vingador, tem a alma voltada para questões grandiosas, para a realização da obra de Deus e para o combate às iniquidades. Mas é também um Narciso intocável, vaidoso até o fim quando elogiam a beleza de seus cavalos, que busca a satisfação pessoal e irredutível, a vingança pelas próprias mãos contra a injustiça que o vitima. É um homem que no varejo projeta a pequenez dos lucros que auferirá com a venda de seus cavalos em Leipzig, mas no atacado também percebe a precariedade da organização civilizatória. Michael é o arcanjo Miguel, anjo, mas guerreiro, dragão que devasta a terra e em última instância carrasco de si mesmo. Tem 30 anos, a mesma idade de Jesus no princípio de sua pregação, e também é executado, como o salvador, pouco depois do Domingo de Ramos. Messias do apocalipse, Kohlhaas recorre ao terror para fazer justiça e se mostra justo ao praticar atos terríveis, bailando entre a busca de uma modernidade equitativa que aponta para o futuro e a barbárie do embate homem a homem, anterior às primeiras leis, que favorece apenas os mais fortes. Sua luta pelo direito, no entanto, se transforma em vingança. Seu mandado é o da fiat justitia et pereat mundus – faça-se justiça, ainda que o mundo sucumba a isso! – e mostra que Goya estava certo ao dizer que o sonho, ou seria o sono, da razão gera monstros. Michael Kohlhaas é um homem bom e honrado que fracassa, mas sucumbe também como assassino e carrasco em luta por sua própria causa. Ele tenta de tudo para conseguir justiça, do pistolão do corregedor seu amigo à intervenção pessoal de sua mulher Lisbeth, e fracassa em todas as empreitadas. Tenta o ferro e o fogo, o fio da espada, os recursos da lei, a ajuda divina de Lutero e o auxílio diabólico da cigana, mas nada o desvia de seu inescapável fim. Seu caso desde o princípio não tem saída, e em determinado momento as coisas inclusive começam a andar por si, à revelia até dos que antes o condenavam, já que o príncipe eleitor da Saxônia tenta salvá-lo, mas a rede da realidade é tão complexa que nem ele o consegue mais.

Kohlhaas trava diálogo com Martinho Lutero em busca de justiça
Kohlhaas trava diálogo com Martinho Lutero em busca de justiça

O esboço formal da novela é igualmente complexo e Kleist faz a luva da forma encontrar a mão do conteúdo. Os parágrafos são longuíssimos, e apenas alguns diálogos marcados com aspas, mas na maior parte eles aparecem sem qualquer marcação. E mesmo os marcados com aspas às vezes aparecem em discurso indireto livre, aumentando a confusão. Alguns são marcados por travessão, ou Gedankenstrich – o traço do pensamento, em alemão –, que pode indicar também quebra de parágrafo ou apenas pausa para reflexão, com valor equivalente ao das reticências aqui no Brasil. Já no primeiro parágrafo do original, há um travessão solto após a primeira frase, que significaria um tropeço na leitura da tradução, e por isso foi substituído por sua função precípua, a da quebra de parágrafo, recurso que aliás é usado até o final da tradução. Tudo que vem depois dessa primeira frase já não é mais certeza, e sim possibilidade, marcada pela mudança sutil no tempo verbal. A dúvida principia, a certeza acaba, desde o princípio…

A novela em sua configuração original é um enigmático tapete sem fim, em que tudo se encadeia em tudo até mesmo sem a respiração das quebras de parágrafos (o maior deles chega a ter 18 páginas no original), como já queria Marcel Proust, sem conseguir, em sua obra máxima. A dicção é acelerada, e se percebe que o tempo passa apenas porque o narrador registra temporalmente de modo minucioso o que acontece. São florestas de apostos que deixam o leitor ofegante, orações subordinadas e intercaladas em sequência alucinada, interpolações, vários planos narrativos, às vezes vários personagens encaixados na mesma ação de modo dinâmico. Há alguns “ele” (er) que precisamos decifrar para ver a quem se referem, já que por vezes são quatro, por vezes cinco os participantes da cena. Fosse outro o autor, isso seria impossível, em Kleist não deixa de ser fácil, apesar da frase intrincada.

O espectro dos personagens da novela também é amplo. Vai dos esfoladores, que são párias à época dos eventos, a Martinho Lutero, passando pelo imperador do Sacro Império Romano Germânico, que também dá as caras. O servo Herse é uma espécie de Sancho Pança que sucumbe, e há personagens reais e ficcionais interagindo, como aliás também aconteceria em outras obras do quilate de A senhorita de Scuderi, de E. T. A. Hoffmann,[2] escrita dez anos depois, apesar de ser uma marca típica apenas do romance do século XX, inclusive de Em busca do tempo perdido, do já citado Marcel Proust.

Túmulo de von Kleist em Berlim
Túmulo de von Kleist em Berlim

O narrador de Michael Kohlhaas também é sutil e complicado. Paradoxal, desde o princípio afirma que Kohlhaas era um dos homens “mais justos” e “mais terríveis” de sua época, acabando com a identidade unívoca de seu objeto, sujeito da história. É o narrador que determina que Kohlhaas seja ao mesmo tempo anjo da justiça e dragão que devasta o território. Quando Kohlhaas despreza o príncipe eleitor da Saxônia, o narrador se mostra condescendente em relação a este e em determinado momento não hesita em falar em “negócios deploráveis” para se referir às atitudes de Kohlhaas, não o poupando também quando este lança seus manifestos grandiloquentes e autoincensantes, que chegam a falar em “governo universal provisório”. Até pelo tratamento direto que confere ao herói, o narrador mostra que ora o admira, ora o despreza, conforme a situação. Quando o chama de Rosskamm, ou tratante de cavalos, usa um substantivo pejorativo, que literalmente significa “pente de cavalos”, referindo o comerciante que alisa os pelos de seus cavalos para lhes esconder os defeitos e vendê-los melhor, ou seja, um tratante de cavalos, um negociante inescrupuloso, dado ao comércio ardiloso e velhaco de suas mercadorias. Quando está mais afeito a Kohlhaas, o narrador o chama de Rosshändler, um neutro “comerciante de cavalos”, que aliás passa a ser o único termo empregado na parte final do romance.

Os sentimentos de Kohlhaas e os dos outros personagens se revelam por ações, o herói se desnuda pelo que faz, pelo que diz, como seria bem mais tarde em Henrik Ibsen, como seria em Arthur Schnitzler mais tarde ainda. Há uma grande poética dos gestos na novela, que vai do sorriso ao desmaio, do aceno de mão ao impropério. Há cérebros que explodem no chão sem que o narrador se erice. Nem quando um açougueiro vai tirar água do joelho em frente a um punhado de nobres, o narrador manifesta qualquer espanto. Às vezes, ele deixa ao leitor imaginar o que aconteceu, ou diz que as crônicas nas quais se baseia não são conclusivas a respeito de determinado fato e deixa tudo em suspenso. Mas ao mesmo tempo, o narrador descreve Kohlhaas com a mais absoluta precisão, quanto este por exemplo tenta atender à cobrança do guarda aduaneiro logo no princípio da novela, e tira com dificuldades as moedas de seu capote balançando ao vento. O detalhe micrológico é cirúrgico.

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Imagem do filme: sucessão vertiginosa de acontecimentos | Foto: Divulgação

A linguagem da novela também vai do mais baixo calão, passando pelo jargão judiciário empolado e chegando ao mais lustroso tom do trato social. A obra é dominada pela factualidade mais pura, por uma sucessão vertiginosa de acontecimentos, pela precisão da ação, abrangente ou restrita, por uma objetividade absoluta que mais tarde caracterizaria Flaubert, que foi gênio também por ser genuíno, original, mais de 50 anos depois. Tanto que Erich Auerbach diria na Mímesis ver já em Kleist a possibilidade de um grande autor realista, que não se concretizaria definitivamente apenas porque ele morre cedo demais para tanto, em 1811.

Por tudo isso, o personagem Michael Kohlhaas é uma porta aberta à interpretação, ampla e evasiva. As contradições são extremas e todo mundo lê no herói o que quer, insere no texto a ideia que melhor que aprouver. Mais do que qualquer outra, Michael Kohlhaas é uma “obra aberta”, um palco em que qualquer um se julga no direito de fazer dançar suas próprias ideias, por mais absurdas que sejam. Se o filósofo Ernst Bloch viu nele um Dom Quixote com uma moralidade burguesa das mais rigorosas,[3] Kohlhaas já foi comparado a um terrorista, a um justiceiro, a um grande homem cheio de princípios e inclusive a um nazista e até diretamente a Hitler, por Jean Cassou, que lembra a monstruosidade cada vez mais intensa de complexos de inferioridade que afloram, a ausência de uma pretensão realmente fundada, a glorificação de um estranho dilúvio, terminando por dizer que “Hitler está por inteiro nisso”.[4]

No fundo, o “herói” Kohlhaas é, antes de mais nada, um John Locke obrigado a pegar em armas, um filósofo liberal de espada na mão. Abandona o pacto social, que não lhe concede a satisfação legal que lhe é devida, e busca o direito natural do ser humano. Sua marca é a desproporção, o orgulho magoado e o desejo de vingança, afinal de contas até sua mulher foi morta. Ele provavelmente nem mesmo saiba que não chegou a esgotar todas as instâncias, já que o príncipe eleitor nem sequer sabia de sua queixa. Ou será que Kohlhaas sabe que o príncipe eleitor, sendo a ordem tão intrincada, provavelmente jamais soubesse dela algum dia? Afinal de contas, Kohlhaas desde o princípio já carrega sobre os ombros aquilo que Kleist chama de “penúria geral do mundo” e conhece “muito bem a frágil constituição do mundo”.

Quando exigem de Michael Kohlhaas um documento que sequer existe, é como se ele acordasse pela manhã, muito tempo depois e já em Praga, e descobrisse sem mais que estava detido. Por quê? Mas se lhe pedem o documento, é porque ele deve existir, e aí principia o processo… Os cavalos que Kohlhaas deixa em penhor pelo documento que não possui e não existe são consumidos em trabalhos indevidos e a queixa ante o príncipe eleitor da Saxônia é rechaçada por parentes do fidalgo usurpador antes mesmo de chegar a ele. Tudo acontece indiretamente, ninguém faz nada diretamente. Também não é o fidalgo que ordena a penhora e o uso abusivo dos cavalos, mas sim o alcaide e o administrador do castelo. Assim como não é o príncipe eleitor que rechaça a queixa, mas sim seus assessores, ademais aparentados do fidalgo. O fidalgo Wenzel von Tronka na verdade não tinha a menor ideia sobre a administração de seu castelo e a amplitude do Estado não pode ser abarcada pelo príncipe eleitor. Não se consegue estabelecer com certeza onde está a origem do descalabro num mundo que desde sua origem parece muito bem “administrado”. Kafka nasceu, embora Kohlhaas ainda reaja contra “a desordem assim tão monstruosa” do mundo e postule instaurar uma “nova e melhor ordem”, e as coisas já são como diria Musil sobre o seu próprio mundo, mais de um século depois: “Por toda parte onde existem essas duas forças, um mandante de um lado, e uma administração de outro, surge por si o seguinte fenômeno: (…) O mandante não entra diretamente em contato com a execução, e os órgãos de administração ficam protegidos porque não agem por motivos pessoais mas como funcionários.”[5] Não são poucos os parágrafos ou frases que começam com expressões como “então aconteceu que”, mostrando de uma maneira direta como o acaso – ou o que quer que seja – também interfere na ordem das coisas, impossibilitando ainda mais que elas sigam a ordem impotente determinada por homens premidos pelo fado e acorrentados a seu destino. Em dado momento, até a chuva volta a cair, impedindo que o fidalgo von Tronka e Kohlhaas cheguem a um acordo; e é quando as coisas começam a desandar de jeito. E esta não é nem de longe a única vez em que chove na novela, também a abadia de Erlabrunn não é reduzida a cinzas em razão de uma tempestade repentina.

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Mesmo com a desgraça ao redor, o centro do poder é fugidio, liso, inatingível | Foto: Divulgação

Na tentativa de buscar justiça, Kohlhaas vai deixando seus pedaços pelo caminho. A primeira grande perda é sua mulher, que acaba morrendo depois de ser espancada, ao tentar ela mesma ajudar o marido. Sabendo definitivamente que não encontrará justiça por meios legais, Kohlhaas começa sua guerra pessoal contra o fidalgo Wenzel von Tronka, arrasando seu castelo e matando todos os que vivem dentro dele, menos o fidalgo, que consegue fugir. O centro do poder jamais é tocado, ele é fugidio, liso, inatingível. Depois disso são queimadas várias cidades que teriam concedido abrigo ao fidalgo, enquanto o bando de Kohlhaas vai aumentando cada vez mais, alimentado por aqueles que também veem a injustiça onipresente grassando a sua volta. Em seguida há o grande acordo com Lutero, que o condenara anteriormente, e o salvo-conduto que permite a Kohlhaas ir até Dresden para apresentar sua queixa mais uma vez e pessoalmente diante do tribunal. As mentiras, no entanto, apenas aumentam, e inclusive são buscadas provas falsas de que o rebelde não se redimiu. Um antigo companheiro, Nagelschmidt, que continua saqueando com os restos do bando de Kohlhaas, chega a ser declarado representante do chefe de outrora, quando na verdade é seu inimigo mortal. A guerra de informações é bem moderna, conduzida por cartazes afixados por ambas as partes em locais públicos. E a nobreza governante também toma suas decisões observando a popularidade de Kohlhaas, recuando e avançando ao sabor da conveniência. O poder constrói mentiras que sustentam a aniquilação de um suposto perigo, depois de pichá-lo e inventar justificativas que o denigram.

Até que Kohlhaas é levado enfim, e submetido à prisão domiciliar sem mesmo sabê-lo, e a espionagem, a guerra de ideias continuam. Até a política mundial é envolvida, e as discórdias entre a Polônia e a Saxônia passam a interferir na causa subjetiva de Kohlhaas nessa grande paródia ainda extremamente atual, de dimensões universais. Se o bando de Kohlhaas aumenta tanto, aliás, é também porque a Saxônia está abatida e pobre após a guerra com a Polônia, e porque a nobreza continua usando o tacão para se dirigir ao povo, mandando e desmandando a seu bel-prazer.

Kohlhaas também age sem parar em oposição à passividade de seu oponente maior, o príncipe eleitor da Saxônia. Enquanto o comerciante de cavalos golpeia o mundo à sua volta, o príncipe eleitor estaca, fica paralisado, quando não desmaia. A omissão do nobre torna necessária a ação do comerciante, que se mostra tão ativo que não pensa, não reflete. Em determinado momento, Kohlhaas chega a pensar em deixar tudo pra trás e fugir para um lugar em que o sol não ilumine mais nenhuma cara conhecida, e começar tudo do zero em outra e nova ordem. Mas as circunstâncias acabam mantendo seu devir nos trilhos anteriores e o gesto, quando ele o esboça, está fadado ao fracasso antes mesmo de ser levado a cabo, já que o poder havia cooptado o instrumento que pensava usar em seu favor, o servo mandado por seu inimigo e outrora comandado Nagelschmidt. O que Kohlhaas imagina ser um plano de fuga, já é de antemão uma armadilha. Até os deslizes e eventuais incoerências pouco importam e se perdem no roldão da narrativa, apontando também eles para o destino inexorável do personagem. O homem que representa a ordem divina, Martinho Lutero, não consegue ajudá-lo, ainda que lhe conceda a vitória final na causa jurídica que buscou desde o princípio. A mulher que representa a ordem diabólica, a cigana, até conseguiria ajudá-lo, se ele não usasse voluntariamente o instrumento que ela lhe consegue para buscar sua vingança redentora, virando o carrasco de si mesmo.

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Toda a virtude é vício quando levada ao paroxismo | Foto: Divulgação

No fim, Kohlhaas consegue o que queria e os cavalos lhe são restituídos em pleno vigor, mas apenas depois de ter perdido tudo, de ter botado o mundo de cabeça para baixo, e de perder inclusive sua vida, condenado à decapitação. Sua vingança final reside no fato de engolir o bilhete que apresenta o destino da Saxônia, o principado que o abateu. A Polônia ainda intervém no desfecho da narrativa, fazendo com que o príncipe eleitor da Saxônia tente conseguir justiça a Kohlhaas, impedindo que este seja executado. Se Kohlhaas se arma contra um Estado que permite a injustiça, acaba executado como ladrão e assassino justamente devido ao amor exacerbado por um ideal fantasmagórico de justiça. Kohlhaas é a virtude que vira vício porque é desmedida, e não aprendeu com Riobaldo que querer o bem com demais força já é, de incerto jeito, querer o mal por principiar.

Kohlhaas é, assim, uma criança virando Átila, um homem íntegro que termina criminoso por querer fazer justiça e sucumbe à espada do carrasco depois de arrancar da justiça o gládio que passa a brandir a torto e direito, fazendo o trono de um soberano tremer e colocando em perigo a ordem de um principado inteiro e por extensão do mundo administrado. Kohlhaas luta contra a justiça para fazer prevalecer a própria justiça, age contra a lei para aplicar a própria lei. Busca o absoluto de modo implacável e irrefreável, embora não queira mais do que atingir o culpado inatingível. Não tem nem a sabedoria de recuar e se resignar, como fez Shylock ao perceber que não teria seus direitos atendidos. Ao final, mesmo atendida sua demanda inicial depois dos escombros que deixou à sua volta, resta a Kohlhaas apenas usar o papelzinho da cigana, cigana que quase assume o papel de sua mulher rediviva – inclusive no nome parecido – como instrumento de vingança, estabelecendo nele a possibilidade de morrer tranquilo, mas morrer, ainda que pudesse negociar a própria vida se revelasse o conteúdo do bilhete ao príncipe eleitor. Michael Kohlhaas devora o bilhete como se fosse uma comunhão, como a última, reconciliadora e redentora ceia de um condenado que vira seu próprio carrasco, mas salva sua “honra” de homem contra a injustiça do mundo lá fora e ainda pavimenta o caminho seguro de sua descendência.


[1] Diplomatische Nachlese der Historie von Ober-Sachsen und angrentzenden Ländern, de 1731. Na obra é contada a “Notícia de Hans Kohlhasen” (Nachricht von Hans Kohlhasen) do Microchronologicum de Peter Hafftiz, de 1595.

[2] A novela foi publicada nesta mesma coleção.

[3] Unverworrene Idee, Übereinstimmung des Willens mit dem Endzweck no ensaio Über den Begriff Weisheit, 1953, Gesamtausgabe em 16 volumes (Suhrkamp), volume 10, p. 355-395, p. 376.

[4] Citado por: Friedmar Apel, Kleists Kohlhaas: ein deutscher Traum vom Recht auf Mordbrennerei. Berlim. Verlag Klaus Wagenknecht,p. 144.

[5] O homem sem qualidades, 3a. impressão, Editora Nova Fronteira, p. 454.

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