Além de eu gostar muito da obra, tenho uma ligação pessoal com a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, K. 364, de Wolfgang Amadeus Mozart.
A primeira e mais simplória das ligações é a ex-tra-or-di-ná-ria obra-prima de Peter Greenaway Afogando em Números (Drowning by Numbers, 1988). A cada um dos afogamentos é tocado o segundo movimento (Andante). O filme é esplêndido. Sério: vi-o mais de cinco vezes. Até hoje tenho vontade de decorar as falas dos personagens.
A segunda é o fato de eu ter escrito uma novela tendo por tema a Sinfonia Concertante. O Violista — lá de 2006, 2007 — conta os dramas de um instrumentista antes de um importante concerto. Sei lá, é divertido.
Mas a mais profunda ligação deu-se depois, em 2012. No dia 19 de agosto, sempre um dia glorioso, ganhei de presente de aniversário uma interpretação do Andante em minha casa, executada por Elena Romanov (violino), Vladimir Romanov (viola) e Alexandre Constantino (piano). Fiquei comovidíssimo com o presente — ideia de Elena após ler a citada novelinha –, mas, no dia seguinte, tomei um susto ao lembrar que a peça refletia o impacto que teve, em Mozart, a morte de sua mãe. Explico duas coisas: (1) na época, minha mãe estava muito mal — faleceu em 31 de outubro daquele ano — e (2) absolutamente nada fazia prever que Elena se tornaria minha namorada. Eu era amigo de uma mulher linda e inteligente e gentil e de humor peculiar. Com intenções nulas, nada indicava um futuro com ela.
Então, voltando, digo-lhes, meus sete fiéis leitores, que a Sinfonia Concertante é uma peça que conheço profundamente. Para muitos, esta peça é o maior dos concertos para violino de Mozart, superando os cinco oficiais. E digo-lhes que não ouvi ainda gravação melhor do que a da dupla sueca Bernt Lysell e Nils-Erik Sparf, feita para a Bis. Se Mozart é o compositor da leveza e da ousadia, Lysell e Sparf acertaram em cheio no tom utilizado. Não é uma gravação pretensiosa e sem erros, é apenas muito musical.
O programa de ontem da Ospa tinha a Sinfonia concertante para violino e viola, de Mozart e a Sinfonia Nº 3, de Robert Schumann. Os dois solistas — Emerson Kretschmer (violino) e novamente Vladimir Romanov (viola) –, da Concertante não costumam postar-se diante do público, normalmente há um maestro entre eles e o povão. Um é spalla dos violinos e outro das violas na Ospa.
E, bem, sabem? Como direi?
É o seguinte: sinto-me impedido de elogiar ou detonar o Mozart de ontem. O violista é o ex-marido de minha namorada e qualquer posicionamento poderia ser interpretado MUITO criativamente. Tenho opinião, sim, mas preferiria enviar um sincero Cartão de Agradecimentos e a caixa de chocolate que ornamenta este post a ele. Afinal, ele foi um dos que provocou a virada mais feliz de minha vida. Como iria reclamar dele ou fazer-lhe um elogio que poderia soar protocolar como uma conversa entre dois embaixadores de nações inimigas? Não quero confusão. E mais não digo.
O primeiro movimento (Allegro maestoso) é lindíssimo e não chega a ser surpresa que George Balanchine tenha coreografado um famoso balé para esta música em que o papel dos solistas é mais de uma conversa entre si e não com a orquestra em geral. É interessante notar que a voz de Mozart seria a da viola. O compositor adorava tocar viola em quartetos de cordas, gostando de estar “no meio”, se me entendem.
A grande “ária” do Andante realça a diferença da sonoridade entre o som de violino e o da viola. É da beleza deslumbrante da peça: é como se o violino fizesse um lamento, sendo consolado pela viola. A alegria do 3º movimento faz-lhe intenso contraste. É um belo concerto e foi bem melhor do que a soporífera execução da Sinfonia Nº 3 de Robert Schumann.
Um músico da orquestra me disse que faltou a linha curva, a surpresa, a abertura de uma garrafa de champanhe. Também disse que a obra do marido de Clara Wieck parecia um carro 1.0 subindo lotado a Lucas de Oliveira. Concordo! Foi opaco, para dormir.
O programa:
Wolfgang Amadeus Mozart: Sinfonia concertante para violino e viola K. 364
Robert Schumann: Sinfonia n° 3Regente: Tiago Flores
Solistas: Emerson Kretschmer (violino) e Vladimir Romanov (viola)
Você não pode ser mais apaixonado do que eu pela Sinfonia Concertante de Mozart. Eu assobio ela quase todos os dias, durante os últimos trinta anos da minha vida_ ou desde a época em que a conheci através da trilha sonora do grande filme do Forman, e nunca mais fui o mesmo. Uma vez você escreveu que tem a capacidade de reproduzir literalmente, nota por nota, as músicas que ouve. Não sei se eu chego a ter esse mesmo dom, mas a SC de Mozart eu sei de frente para trás e de trás para frente (tanto que posso comprovar que se trata de uma peça sem mensagens satânicas ou hinos de sacrifício humano codificados se tocados de trás para frente). E, bem, das tantas versões que ouvi, a melhor é a da Mutter com o Yuri Bashmet, naquele álbum duplo de 2005 que é o que tenho de mais amado em minha coleção de cds (junto com as sonatas de Bach pelo Auréle Nicolet, gravação de 1975). É uma música sublime, que me enche de alegria, plenitude, leveza, enlevo, paz. Adoro o primeiro movimento acima dos outros, se isso for possível, talvez porque durante muitos anos só tive contato com ele, através do vinil do filme. Mas tudo nela é maravilhoso.
O curioso é que sou apaixonado de uma forma incomum por outro concerto do Mozart quase que desconhecido e que nunca faz parte da apreciação declarada dos ouvintes de música clássica. Trata-se do concerto para violino k271a, que, pelas minhas pesquisas, não tem nos arquivos do PQPBach, e quem resolveu meu problema de achá-lo para download (só tenho um vinil antigo) foi o Carlinus, que após um agressivo assédio que eu fiz a ele por e-mail, ele encontrou duas gravações em seus arquivos e me mandou.
Não sei como eu me comportaria diante uma apresentação ao vivo de algo dessa magnitude. A tendência seria o desapontamento, assim como quando vi a Nona sendo executada em Goiânia.
É,
Milton e Charlles,
somos diferentes,
mas semelhantes…
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GIRASSÓIS PRA SEMPRE
by Ramiro Conceição
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Não contarei os mortos de Paris,
Nova Iorque, Rio, Oslo, Kiev ou Madri.
Não cantarei aos mortos de Bagdá,
Luanda, Argel, Cairo ou Tel Aviv.
Não contarei os mortos do Haiti,
de Caracas, Teerã, ou Marrakesh.
Não cantarei… porque…. morri.
*
Ai de nós, porque a vida… estava aqui,
está aqui e estará aqui, apesar de nós;
todavia eu acuso
Washington e seus sátrapas
de assassinos de Lennon
em todas as Brasílias do mundo.
*
A grandeza de uma civilização
não é a globalização do capital
a matar impunemente.
*
A grandeza de uma civilização
são seios a amamentar gerações
de construtores d’estradas entre
estrelas, mares e palavras.
*
Todavia somos ávidos por ideologias,
aptos à imundice de tudo… Contudo,
há uma ética, uma navalha, a separar
canalhas de canários.
*
Eu preciso dessa ética pra viver.
Uma vez, Drummond e Vinícius de Moraes entraram em luta verbal para saber quem tinha gostado mais de Morangos Silvestres de Ingmar Bergman. E disseram exageros cada vez maiores e maiores. Seria perda de tempo discutir quem gosta mais da SC, pois tenho certeza de que eu gosto mais.
Não pensei que viveria para ver isso – você se abster numa crítica musical.