Este post é baseado na polêmica opinião do maestro Baldur Brönnimann. Minha tradução é mais ou menos traidora. Traduttore, traditore. Os itálicos são observações minhas.
Johnny Greenwood é guitarrista do Radiohead. Ele publicou recentemente um artigo no qual opinava que a música clássica ao vivo era excludente. Era uma constatação de alguém que vinha de fora do mundo da música clássica. Ele disse que, ao longo dos anos, tem assistido — e realizado — uma série de espetáculos e que, se a música clássica quer atrair um novo público, deve pensar sobre alguns fatos de fora de sua vivência habitual.
Pensando no assunto, o maestro Brönnimann elaborou um decálogo de sugestões. Na sua opinião, sentar em uma sala de concertos e não fazer qualquer outra coisa que ouvir música por duas horas é uma grande e radical experiência. E que há muitas regras e convenções em concertos de música clássica que muitas vezes aceitamos sem discutir e que tornam a experiência de concerto clássico pior do que deveria ser.
Abaixo, Brönnimann sugere alterações no ritual da música erudita (meus comentários, como já disse estão em itálico):
- O público deveria poder aplaudir entre andamentos: Gustav Mahler introduziu o hábito de sentar em silêncio até o final de uma peça e eu acho que, depois de cerca de 100 anos, é hora de mudar isso. Eu adoro quando as pessoas batem palmas entre os movimentos. É uma expressão espontânea de prazer e as pessoas devem se sentir livres para mostrar seus sentimentos em um concerto. Acharia estranho aplaudir nas passagens dos movimentos lentos para os rápidos. É um momento em que, quase sempre, está presente uma tensão a ser quebrada. Acho que os aplausos atrapalhariam. Mas também acho ridículo “não poder” aplaudir. Fico em cima do muro.
- As orquestras deveriam afinar nos bastidores: Há algo autenticamente emocionante sobre a audição de uma grande orquestra em uma grande sala. Não devemos estragar o impacto dos primeiros sons de uma peça adiantando muitos desses sons mágicos, de forma aleatória, no início de um concerto. Eles devem emergir de completo silêncio. Teríamos então que equalizar a temperatura do palco e dos camarins. A luz do palco é muito mais quente e desafina os instrumentos. Por isso é que os músicos afinam no palco. Discordo.
- Deveria ser permitida a utilização de celulares e dispositivos eletrônicos móveis em modo silencioso: Eu não quero dizer que se permitam fazer chamadas telefônicas, é claro, mas se, ao invés de desligar os aparelhos, as pessoas pudessem tuitar, facebookear, tirar fotos ou gravar em silêncio. Se o espectador compra ingresso, deve ter o direito de registrar o que vê e partilhar com os amigos. Concordo.
- Os programas deveriam ser menos previsíveis: As orquestras devem assumir o risco e nem sempre imprimir todo o programa, mas apenas algumas obras-chave. Deve haver um elemento de imprevisibilidade sobre um concerto. Algo inesperado. A surpresa deve vir é da interpretação individual ou coletiva da peça. Discordo.
- Deveria ser permitido levar as bebidas para a sala de concerto: Eu gosto de me sentir relaxado em um concerto, ter tempo e não ter que esvaziar o copo rapidamente no intervalo. É uma boa, desde que fossem servidos cálices de vinho ou bebidas em copos. Nada de abrir garrafas ou latinhas. A coisa seria comprara num bar lá fora. Por que não?
- Os músicos deveriam falar com o publico no bar ou nos bastidores: Ser capaz de fazer uma introdução oral a uma peça, cumprimentar a platéia ou assinar um programa — isso deveria ser obrigatório para todos os artistas. Pior, muitas vezes o público é impedido de ir aos bastidores depois de um concerto. Todo mundo deve poder falar com os músicos para compartilhar com eles pensamentos e opiniões. Nós não vivemos em uma torre de marfim e devemos falar com as pessoas que amam a música tanto quanto nós fazemos. Seria uma forma interessante de precisamente aproximar a música do espectadores sem perturbar o essencial. Concordo.
- As orquestras não deveriam atuar com fraques: Essa é velha. Claro que camisas coloridas seria um exagero, mas os fraques com cauda também são. Há opções muito elegantes de ternos. Uma forma de vestir menos formal ajudaria a reduzir a distância. Concordo.
- Os concertos deveriam ser mais fáceis para as famílias: As pessoas com crianças pequenas também querem ir a concertos, mas eles têm que ser capazes de deixar a sala de forma rápida e silenciosa quando os pequenos cansam. As salas de concerto deveriam pensar nas famílias com crianças e dar-lhes assentos prioritários perto das saídas. Os bebês choram e ninguém se importa muito, mas os pais devem ter a possibilidade de irem e virem, porque alguns concertos são longos até para os adultos. Complicado de realizar, não? Discordo. Que chorem à vontade.
- As salas de concerto deveriam utilizar tecnologia de ponta: Todos gostariam de ver o artista de perto. Então por que as salas de concertos não usam telas para mostrar detalhes de uma performance? Por que não usamos amplificação para as salas de concerto de acústica deficiente? Há um purismo desnecessário quanto a tecnologia em salas de concerto. Como artistas criativos, devemos estar na vanguarda do uso da tecnologia de forma criativa. Concordo com reservas. Nada de amplificação, por favor. Amplificação = bagaceirice.
- Cada programa deveria conter pelo menos uma obra contemporânea: Temos que voltar a ligar o repertório clássico com nossas vidas contemporâneas, precisamos tocar a música do nosso tempo. Isso não quer dizer que não devemos tocar as obras-primas históricas, mas a música clássica tornou-se uma espécie de “fetichização do passado”, como Alex Ross escreveu em um ótimo artigo sobre a influência de Beethoven na música clássica. Programação das grandes obras do passado ao lado da música do nosso tempo vai lançar uma luz diferente sobre o passado, bem como sobre o presente musical. Nossa salas são museus sonoros. Concordo, a menos que o concerto seja de uma orquestra de época, com violas da gamba, bandurras, vielas de roda, etc. Instrumentos medievais não devem tocar música moderna, é óbvio.
Interessante. Se me permite, os meus concordos e discordos, sem muitos comentários, estou sem tempo de discorrer muito.
1) Discordo, acho que tira um pouco do clima e da concentração, tanto de quem ouve quanto de quem executa, no meu caso, procuro sempre que dá me concentrar bastante quando escuto música clássica. Mas também não acho que se deva proibir, apenas orientar-se a não fazer.
2) Discordo, não vejo motivo pra isso.
3) Concordo, desde que fique no silencioso MESMO. E sem flashes.
4) Discordo, o público deve ter o direito de saber o que vai ouvir.
5) Concordo, mas bebidas quentes apenas. Cerveja, por exemplo, vai ocasionar muitos arrotos, haha.
6) Concordo, é um sinal de carisma e humildade.
7) Concordo, na verdade, acho que se deveria ter uma liberdade maior de escolha que fosse de acordo com o clima da obra. Vivaldi, por exemplo, poderia ser algo mais informal. Agora, para o Réquiem de Mozart, na minha opinião, tinha que ser luto obrigatório.
8) Discordo, e isso chega a ser ridículo.
9) Discordo, iria vulgarizar as salas, as audições.
10) Discordo, não vejo motivo para TER que ter ao menos uma obra contemporânea. Até concordo que se busque executar algo contemporâneo, mas se tornar isso obrigatório não tem sentido, e é até arbitrário.
Eu sempre achei a apresentação de orquestras um porre. Não vou nem se me pagarem. A última que fui foi à apresentação da Nona em Goiânia, no ano 2000, para nunca mais. É uma fauna de exibicionismos de falsa erudição por parte da plateia e um ambiente contrário ao propósito de imersão da música. Tem sempre aquele senhorzinho com cara de funcionário público que fala em controlada voz alta com um amigo, para que todos escutem e fiquem sabendo o quanto ele domina o assunto da música clássica. Gente que fala como se estivesse fazendo um imenso favor ao populacho atento sobre detalhes fundamentalmente importantes sobra a acústica da sala, a iluminação, a o pose certa como o primeiro violinista está sentado. Deprimente. E o Beethoven, afundado sem apreciação naquele vociferar sofisticado de predadores que fazem de conta que são seres sublimes porque detêm algo como a maçonaria daquelas altitudes só alcançadas por eles.
Eu escreveria um item só: acabar de vez com essa coisa anacrônica e estupidamente esnobe que é apresentação de orquestra sinfônica. Limitar tudo apenas aos civilizados e menos hipócritas quartetos de cordas.
Nota: eu já pensava assim antes de sequer saber quem eram Glenn Gould e Thomas Bernhard, e antes de saber o quanto eles deram a devida medida da cafonice que são salas de concertos.
Se as pessoas ficarem bebendo e tuitando ao meu lado, nunca mais apareço em uma sala de concerto.
Humm, Milton. Post difícil, esse. Não vou me ater a todos os itens, somente a um que é dos que, confesso, mais me irritam: celulares e eletrônicos em geral. Acho que o uso desses aparelhos em salas de concerto faz parte da “micagem” de exibicionismo que ora campeia nossa sociedade. As pessoas não estão ali para usufruir de um momento de beleza e desligamento da realidade diária; não, elas querem mostrar para seus amigos das redes sociais que fazem algo “diferenciado” ao ir a uma sala de concertos. Se não por isso, por certo também há aqueles que se tornaram escravos de suas pequenas telas, que passaram a ser extensões de seus corpos e seu (pouco) cérebro.
Puxa vida, o momento de um concerto é uma daqueles raros momentos em que, por uma hora, uma hora e pouco, podemos nos desconectar das agruras do dia-a-dia, esquecer um pouco as questões comezinhas que nos corroem, voltar o olhar e o coração para um momento de beleza, de contemplação e, mesmo se for de inquietação, será do tipo que nos faz refletir, não nos angustiar.
Vejo na plateia da Sala São Paulo com mais frequência do que eu gostaria as várias luzinhas acesas, pessoas “tela-guiadas”, despejando suas ansiedades e necessidades de visibilidade, de protagonismo, enquanto lá, no palco, a arte (que se espera que ocorra sempre, embora isso possa ser só “wishful thinking” às vezes), se faz presente, nos dois sentidos, para nossos sentidos. Se os embotamos com a neurose eletrônica dos gadgets, o que sobra desse prazer?
Ou talvez eu seja só um cara antiquado, mesmo… sei lá!
Abraços
Totalmente de acordo com o Flávio, bem como o Matheus acima. Já é um porre ruim caminhar pelas ruas e se deparar com tantas moças bonitas vidradas teclando no celular, instagram e o raio que o parta, sem olhar para os lados, indiferentes. Levar a neurose coletiva para dentro da sala de conserto? Não, muito obrigado. É tão difícil assim se concentrar um pouquinho, refletir, ter vida interior? A música não precisa ser popular, mas de excelência. No mais, concordo moderadamente apenas com as propostas 1, 6 e 7.
Obs.: “concerto”, não “conserto”… foi mal aí.