Os Ovos Fatais, de Mikhail Bulgákov

um-coracao-de-cachorro-e-outras-novelas-mikhail-a-bulgakovAnteontem, finalizei a leitura de uma novela de Mikhail Bulgákov (aqui, a resenha do romance O Mestre e Margarida, do mesmo autor) que está no livro Um Coração de Cachorro (Edusp). Seu título é Os Ovos Fatais. A indicação era da Elena que a tinha lido há anos, ainda na União Soviética, através do samizdat (*). Ela não lembrava bem da história, só que era muito apavorante e boa.

E é mesmo. Não que seja extremamente original, é que Bulgákov consegue colocar numa história simples de ficção científica todo um arsenal de elementos que contam também outras histórias, tornando a coisa realmente grandiosa. Vamos sem spoilers. Piérsikov é um cientista que descobre um raio que, incidindo sobre os ovos de rãs, tornarão os répteis enormes e hiperativos. Tudo aponta para uma daquelas histórias de cientista louco que enche o mundo de criaturas desconhecidas e perigosas. Mas por trás da máquina de escrever está um autor genial.

A desgraça acontece e é terrível, mas quem a causa não é Piérsikov, mas a burocracia soviética. O resultado final, porém, é um fenômeno de massas que saúda o estado soviético como grande herói. Ou seja, quem cria o problema acaba vencedor, recebendo a consagração popular. Como todo grande autor, Bulgákov conta sua história de forma polifônica. Mas… OK, é uma novela de terror, só que provavelmente o gênero em que Os Ovos Fatais melhor se enquadre seja o da literatura satírica, pois Bulgákov tripudia sobre tudo — e é muito engraçado. Do jornalismo à política, do mundo acadêmico aos correios, sobra para todos.

Gostei tanto do que li que resolvi fazer esta pré-resenha de um livro que não terminei. Ainda tenho que ler Um Coração de Cachorro, cujo narrador é um cão…

Ontem, assistimos ao filme russo baseado em Os Ovos Fatais. É daqueles casos que a Caminhante sempre cita: o livro é muito melhor.

Pergunta final: Por que o tradutor Homero Freitas de Andrade não enfrenta O Mestre e Margarida? As duas traduções existentes para o português deixam a desejar. Mesmo a da Alfaguara é estranha em muitos pontos. Bem, à leitura do resto do livro!

(*) Samizdat era uma prática nos tempos da União Soviética destinada a evitar a censura imposta pelos governos dos partidos comunistas nos países do Bloco oriental. Mediante esta prática, indivíduos e grupos de pessoas copiavam e distribuíam clandestinamente livros e outros bens culturais que haviam sido proibidos pelo governo.

2 comments / Add your comment below

    1. PRETOS, PRETAS E PRETINHOS
      by Ramiro Conceição

      Em Vitória, existe a famosíssima Ilha do Boi… A maior concentração por metro quadrado de mansões capixabas… Algo semelhante ao Morumbi ou à Serra da Cantareira, em São Paulo.

      Durante décadas, por essas plagas, ocorreu algo mui singular… Uma gente injustiçada e branquinha se apossou do mar… Como?… No final das vielas de acesso às praias, foram construídos paulatinamente jardins… Sim, muito bem planejados: pedras, pedras, pedras, espinheiros, espinheiros, espinheiros e, com capital toque arquitetônico, pedra-espinheiro-pedra-espinheiro-pedra… Ah, tais elaborações concretas são obras-primas eco-ambientais, pois nem sequer uma abelha consegue passar sem espetar a própria bundinha… Resultado final? Pequenas praias particulares adjacentes a piscinas particulares, a quiosques particulares… Ou seja, o retrato vivo, concreto, da questão sobre o que é efetivamente público, ou privado, no Brasil…

      Mas nem tudo é só justiça… Há também a terrível injustiça…: o Estado deixou duas prainhas ao populacho… Coisa terrível… Coisa terrível… Chega a cortar o coração quando branquelos brasileiros, com seu costumeiro rancor, com sua costumeira violência, com sua costumeira ignorância, são obrigados, principalmente nos finais de semana, no interior de seus carrões com vidros pretos, a conviver de passagem com a existência de pretos, pretas e pretinhos que invadem as duas praias, ainda não cercadas…

Deixe uma resposta