Vamos começar pela questão antropológica? Uma coisa de fundo comportamental me saltou aos olhos no litoral catarinense. Havia muita gente participando de jogos na beira da praia. Havia os clássicos futebol, frescobol e vôlei — masculinos, femininos e mistos –, mas havia outros jogos sendo jogados: tênis, uma espécie de bocha com discos de madeira, frisby. E famílias inteiras participavam ativamente, com alegria e gritos. (Notei que a modernidade tornou muitas mulheres e mães boas jogadoras de futebol!). Por outro lado, existiam grupos que sentavam em torno de guarda-sóis, barracas e caixas de cerveja ou até de som. Como eu e Elena estávamos inseridos num outro grupo, o dos caminhantes, pudemos observar com clareza. Quando nós nos aproximávamos dos animados jogadores, estes eram em 95% hispano-americanos, quando nos aproximávamos dos guarda-sóis, a esmagadora maioria falava português e quando lamentávamos estar próximos aos grupos bêbados e/ou com som, eles eram 100% brasileiros.
Fiz a observação para a Elena em nosso último dia. E resolvi fotografar…. Só que o último dia foi triste e chuvoso e só pude fotografar à noite com a praia semi-deserta. As fotos ficaram uma porcaria. Fazer o quê?
Não vou criar uma tese, mas me identifiquei muito mais com os grupos de argentinos, uruguaios e paraguaios. Sempre brinquei ativamente com meus filhos. Gostava muito de fazê-lo. Acho que a atitude de crianças lá e pais aqui fala muito mal de nossa sociedade. Isso sem falar na bovina e pouco saudável postura brasileira. Olhava meio irritado para meus indiferentes conterrâneos… Ah, repito que as mulheres não apenas estão jogando muito como é bonito observá-las em suas evoluções com a pelota!
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Para finalizar, digo que foram férias maravilhosas. Queríamos um lugar tranquilo, próximo da praia e que tivesse ar condicionado para poder estabelecer nossa rotina: caminhada (Elena) e corrida (eu) na praia antes das 10h, café na pousada, parte quente do dia escondidos no quarto com o ar ligado e uma grande saída para o banho de mar a partir das 17h. À noite, jantar. Ficamos 16 dias e a Pousada Narinari superou nossos requisitos, pois o café era tão bom que nunca sentimos falta de almoço. Ademais, o quarto era amplo, bonito e com varanda. E tudo funciona bem, incluindo o wifi e a hidromassagem. Parece propaganda, mas é gratidão mesmo. Precisávamos de uns dias assim, plenos de vida besta.
Pudemos ler, namorar e virar o jogo, fazendo com que cansaço e o estresse recuasse a ponto de ficar irreconhecível. Além disso, tivemos dois prazerosos encontros: Um com Luiz Blasi e outro com Henrique Bente. Shakespeare tem uma peça, da qual só conheço o nome, chamada Bem está o que bem termina ou Tudo está bem quando acaba bem (no original All’s Well That Ends Well). Mas, bem, pois é, o titulo da peça não se aplica. No nosso caso, começamos bem, passamos excelentes dias e estamos muito bem neste último dia de férias.
Para finalizar, digo que, se a Elena já tinha provado ser a melhor das companheiras de viagem quando fomos para a Europa no ano passado, tal evidência apenas foi reforçada neste verão. Mas tenho certeza de que isso só funciona COMIGO. 🙂
“…quando nos aproximávamos dos guarda-sóis, a esmagadora maioria falava português e […] bêbados e COM SOM (Milton, sei muito bem do que se trata!)… eram 100% brasileiros.”
Sim, Milton, são exatamente eles, essa classe média brasileira que brilhantemente foi definida por Marilena Chaui: i) uma abominação ética, pois são violentos; ii) uma abominação política, pois sãos fascistas; e iii) uma abominação cognitiva, pois são ignorantes, porém acreditam ser superiores por que falam inglês, por que foram para Miami, por que tatuaram em seus corpos o Mickey… São eles o auditório do Lobão (onde ele se escondeu?…)… Ou os leitores do pit bull da Veja (que já foi pro vinagre às margens do Tietê)… Ou os eleitores do senador José Serra que, na última semana, declarou, mais ou menos, a seguinte pérola:
“O que não der lucro na Petrobras, por exemplo, o pré-sal, deve ser privatizado”… Mas justamente ele e FHC privatizaram a Vale do Rio Doce que dava lucro!
Dá pra entender, Milton? Claro que não… Pois estamos a tratar de subanimais que foram eleitos por subanimais…: os tais do SOM incivilizado de todas as praias e cidades brasileiras…
Há 12 anos, aproximadamente, escrevi um poema-síntese do estágio cultural brasileiro. Não errei uma vírgula… Ei-lo:
REINO DAS FALCATRUAS
by Ramiro Conceição
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No reino das falcatruas,
se confundem homenagem
com subserviência e
mediocridade com ciência.
No reino das falcatruas, a literatura
foi sequestrada pelo bando da autoajuda
e a música pela breguisse dos grunhidos,
o público se tornou privado
e o privado – uma privada pública.
Sem remorso assassinaram a lucidez,
quintuplicando – o número de javalis.
No reino das falcatruas,
impera o inglês; porém
xingar: só em português.
Triste realidade essa nossa classe média, concordo com tudo o que o Ramiro disse.
Então, queridos Milton e digníssima:
– O impressionante mesmo dessas nossas praias e sua beleza é justamente o fato que mencionaste, Milton: nossos compatriotas do lado de cá – engordando, de tanto tomar cerveja, etc. – e as crianças LÁ, na praia, ao Deus-dará …
É onde não me identifico, igualmente; ora, se é pra cada qual ficar em um ‘canto’ diferente, pra quê, ora raios, saíram juntos…? Enfim, cada um, cada um. Só depois, não adianta dizer que: “oh, o tempo passou e não tive TEMPO de brincar com meus filhos” – Ora, bolas: SE LIGUEM, PAIS/MÃES! Vocês ADULTOS, que façam suas escolhas . . e arquem com as consequências.
Beijos.
Assino embaixo, Renate!