A Autocensura

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Dia desses, tomei uma mijada por escrever posts tão pessoais quanto este. Levei bastante a sério a advertência — em geral, costumo receber bem as críticas — porque vinha de um querido amigo, mas não vou permitir mais autocensura.

No meu blog, eu me coleciono, para o bem e para o mal. Como isso aqui é uma especie de retrato meu, não consigo levá-lo tão a sério. Publico o que me dá na veneta, sendo às vezes muito pessoal. Ou seja, os posts de foro íntimo seguirão. E a vida já está difícil, o gênero confessional já foi a regra deste blog. Os posts em que falava sobre meu umbigo já foram muito mais numerosos e vão continuar aqui e ali. Acho que já convivo com demasiada autocensura. Sabem onde há autocensura? Vou tentar explicar abaixo.

autocensura

Como um dos editores do Sul21, não me sinto mais com toda aquela liberdade do passado. Não posso tirar sarro de forma escrachada de alguém que vamos entrevistar um dia, por exemplo. Os repórteres reclamariam de mim: Pô, Milton, o cara estava de má vontade por tua causa. Os assuntos políticos também ficaram mais raros, claro, pois há alguns assuntos que evito. Por exemplo, sabem que eu paguei R$ 11.257,00 para a Mônica Leal em 2014, por conta de uma publicação e de um juiz de direita? Isso intimida e gera mais autocensura. Tive de pagar porque era a única forma abrir o inventário de minha mãe. Só não pedi ressarcimento pelo Catarse porque uma amiga me prometeu fazer voltar cada centavo a meu bolso quando vencer outra ação.

Não gostaria de agregar mais autocensura e deixo para meu amigo dois poemas nos quais pensei enquanto escrevia.

Um de Drummond (os primeiros versos de Mundo Grande):

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo, por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

E outro de Chico Buarque (esse uma óbvia vingança por ter sido ameaçado de não poder falar de meu amor por Elena). É o final de Juca::

Juca ficou desapontado
Declarou ao delegado
Não saber se amor é crime
Ou se samba é pecado
Em legítima defesa

Batucou assim na mesa
O delegado é bamba
Na delegacia
Mas nunca fez samba
Nunca viu Maria [leia-se Elena].

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10 comments / Add your comment below

  1. Eu tenho bastante autocensura. Um motivo é estar há anos por aqui, e sei o quanto se lê mal na internet. O outro foi a descoberta de alguns leitores indesejados fiéis. Optar por postar certas coisas é uma luta interna.

    1. Poxa, Caminhante, haja autocensura!: não entendi seu comentário tão autocensurado… Será que há aqui algum delegado semelhante ao “Fleury”, aquele da “ditabranda”?
      No fundo, no fundo, eu, pelo menos, lhe admiro há muito… Lembra-se? … Li o seu mestrado sobre os cegos e, em todas as vezes em que falaste de tua dança, dancei contigo, não é verdade?

      Caminhante, pessoas tais quais você, o Milton, o Charlles, o Marcos Nunes, só citando alguns, ajudaram a construir a cultura na internet… Os outros?… Ora, os outros… Deixe pra lá!… Disse um sábio, há séculos…: “… o que importa é o que sai da boca do homem…” Da sua boca, querida Caminhante, sempre brotou uma i n o c ê n c i a… Você jamais causará algum mal cultural…

      Saudações poéticas!….

      1. Ih, Ramiro, espero que meu comentário não tenha soado como indireta pra ninguém! Tenho o blog há muitos anos, e como ele não identificava meu nome ou maiores detalhes da minha pessoa, durante muito tempo acreditei que poderia elocubrar sobre o meu passado e família sem problemas. Depois descobri que não é assim, que magoei algumas pessoas com coisas que escrevi lá. Agora tenho mais cuidado. Antes escrevia na ilusão do completo anonimato, hoje sei que não é assim.

  2. Eu sei que a coisa não é fácil não e o sistema jurídico está cada vez mais eficiente na produção de mutismos temerosos. Eu mesmo respondo mês que vem uma “instrução e julgamento” (tudo junto no mesmo dia, como um combo de calorias exageradas de espiação), por algo que eu disse, um desses momentos de verdade incontornável em que não pude me manter calado. E, como a vida é irônica e arrebatadora, meu advogado arrolou como prova principal A MEU FAVOR justamente um texto meu que publiquei em meu blog. Dá para conceber isso? Um texto meu de 2012 pode me salvar de pagar uma bela de uma grana em um processo.

    O que eu não quero, jamais, é participar desse tido de inteligência (olha que linda matéria, que prova também que o leite materno tem a propriedade de nos tornar mais brancos):

    http://veja.abril.com.br/noticia/saude/estudo-brasileiro-associa-a-amamentacao-ao-qi-na-vida-adulta

    1. Charlles, a reportagem da “Oia”, a qual você se refere, é a prova cabal de que a publicação hebdomadária é destinada à sublesmas intelectuais.

      Se a diferença de QI for de 3 pontos entre crianças que foram amamentadas durante menos de 1 mês e mais de 1 ano, então, tal fato “científico” não prova nada!! Pois é como testar duas médias, por exemplo, uma sendo 17, com desvio-padrão de 3, e uma outra sendo 20, com desvio-padrão de 6, e concluir que a última é maior que a primeira.

      Isso é uma completa estupidez estatística, pois a primeira média “está” dentro da variação da outra; ou seja, qualquer teste de análise de variância comprova facilmente que tais médias podem ser consideradas estatisticamente iguais.

      Agora, levando em consideração a argumentação acima e efetuando-se uma análise semiótica sobre as fotos da pseudo reportagem, nas quais aparecem duas crianças BRANCAS, numa nação de PARDOS…

      Ora, é por isso que se chega à conclusão: a tal publicação só pode ser destinada a subseres semelhantes àqueles que desfilaram na Avenida Paulista, no último dia 15; e, ainda mais, torna-se cristalino o porquê de subanimais serem articulistas do referido lixo cultural que, se diga de passagem, está em fase irreversível de implosão empresarial:

      O CAPITALISMO NÃO É PARA AMADORES RANCOROSOS QUE SE ACOSTUMARAM COM A MAMATA DO ESTADO BRASILEIRO.

      1. Ramiro, essa matéria é realmente o retrato de certos setores tidos por intelectualmente sofisticados do Brasil. Um texto superficial, cujas pretensas conclusões são facilmente refutadas (como você fez), que se acha legitimada ao citar uma universidade (e uma universidade, note bem, do sul do país, o que traz um atestado de excelência que se quer evidente), e recheada de fotos de bebezinhos louros de olhos azuis, bem nutridos, com mães lindas valquirianas. A própria mendicância de ideias da página do site se trai, pois deveria ser óbvio para o tipo de leitor que ela requer que bebês arianos tão privilegiados pela genética dispensariam redundantes testes de inteligência.

        Quanto ao restante de seu comentário: ai de nós! A verdade é que merecemos a crise mais profunda e mais devastadora, para afinal ver se nos livramos de tantas tralhas de preconceitos, partidarismos e nostalgias são-sebastianas.

    2. ansio ansiosamente por post no teu blog, charlles, contando essa história direito. pode romancear e fazer paródias para não comprometer a defesa, ou coisa do tipo.

      milton, por favor, q tu faça mais posts assim é pelo q todos clamam (ou deveriam clamar por)

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