Anotações sobre censura. Ou autocensura

Anotações sobre censura. Ou autocensura

Isto é mera anotação, então, para efeito de organização, vou dividir o texto em três partes: a dos grandes jornais, presentes na mídia impressa e na eletrônica; a das mídias nanicas ou alternativas, muito mais presentes na mídia eletrônica do que na impressa; e a liberdade de expressão artística. Só pitacos.

censuraA censura no Brasil acabou oficialmente no dia 3 de agosto de 1988, quando foi votada a Constituição Brasileira ainda em vigor, porém, dificilmente alguém poderá falar em plena liberdade de expressão, seja ela impressa ou eletrônica.

Falemos um pouco sobre a liberdade de expressão dentro da mídia tradicional. Boa parte do trabalho da grande imprensa é o de acomodar interesses, próprios e de anunciantes. As famílias Marinho, Civita, Mesquita, Frias, Abravanel, Sirotsky, Sarney e outras têm suas visões particulares estampadas em suas publicações. O jornalista que trabalha nestes órgãos necessita ter cuidado para não elogiar políticos ou políticas de esquerda, nem atacar anunciantes.

Os anunciantes. Dificilmente um grande anunciante do jornal será criticado. Ele sustenta o jornal e quem paga a festa escolhe a música. Então, a loja ou o fabricante que tem anúncios de página inteira dificilmente será criticado por alguma ação, postura ou fato que o envolva. Mas há mais. Às vezes, os próprios grupos de comunicação têm outras empresas associadas, tais como construtoras, vinícolas e outras. E o jornal protegerá os produtos de seus afilhados, obviamente.

E há algumas coisas que acho duvidosas, apesar de permitidas.

Um grande jornal de Porto Alegre começou a veicular “gratuitamente” uma série de anúncios de uma determinada loja sob a condição de que tivesse participação nos lucros. É claro que os concorrentes desta loja reagiram, pagando anúncios… no mesmo jornal. E o jornal passou a ganhar dos dois lados. Eles chamam isto de “abrir mercado”. Não é proibido fazê-lo, mas talvez não seja uma interferência lá muito ética.

Para deixar a vida da grande imprensa mais confortável, o grosso das verbas publicitárias federais – mesmo durante os governos do PT – continuaram em seu caminho para os grandes grupos, que apenas não cresceram durante este período em razão do surgimento da internet.

E estes oligopólios existem incrivelmente à margem de uma Constituição que não regulamenta a atuação da mídia. A Constituição diz, vagamente, que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio” (parágrafo 5º do artigo 220), porém apenas uns poucos grupos privados controlam os meios de comunicação através de “redes” de afiliadas cuja “formação” não obedece a qualquer regulação. Só a RBS tem doze emissoras de tevê no RS. Tinha mais nove em SC. E apresenta boa parte da programação da Globo.

Evidentemente, a concentração dos meios de comunicação resulta em pouca pluralidade de informação. Para piorar, assim concentrada, a informação vem de uma elite econômica que não costuma ter horizontes muito longínquos de si.

Já a mídia alternativa caracteriza-se principalmente por sua pobreza. Ela não tem TVs ou rádios e poucas são impressas. Usam a internet, onde também os grandes grupos trabalham. Os anunciantes não lhe dão muita importância. As próprias agências de propaganda dizem que a diferença do discurso dela em relação à grande mídia é assustadora para seus clientes. O jornal onde trabalho tem 100 mil seguidores no facebook e 1,5 milhão de acessos mensais. Não é pouca coisa e não houve mês em que não tenhamos crescido. Mesmo assim, poucos anunciantes se arriscam.

Como são empresas sem muito capital, tudo o que não desejam são processos na Justiça. Mesmo que os ganhem, o custo dos advogados podem ser fatais para seus modestos fluxos de caixa. Esta é a forma de intimidação que sofrem.

Imaginem que já vi processos movidos por brigadianos cujos rostos apareceram em matérias de jornal. Eles estavam fardados, trabalhando, mas disseram que suas imagens foram utilizadas e prejudicadas. Já ouvi alguns autores de ações deste tipo serem questionados por juízes. E fica claro que quem sugeriu o processo a eles foram seus superiores.

O próprio ministro do STF, Gilmar Mendes, processou por danos morais Guilherme Boulos, coordenador do MTST, por um artigo que este escreveu criticando a atuação do magistrado. Gilmar pedia R$ 100 mil. Perdeu a ação, mas poderia ter ganho. E Boulos deve ter gastado o que não tem com advogados.

Já eu fui processado pela atual vereadora Mônica Leal. Não vou entrar em detalhes, mas perdi. Paguei 11 mil. Adivinhem se sigo criticando e rindo de Mônica. É óbvio que não.

Depois disso me senti como ela queria: intimidado. Não tenho 11 mil para distribuir a cada texto que publico. Muita gente sentiu peninha e até pensei em pagar por vaquinha virtual (crowdfunding ou financiamento coletivo). Mas não tive cara de pau suficiente. Paguei do meu mesmo. Ou seja, aqui a falta de liberdade de expressão é estabelecida pela intimidação.

E creio que outro gênero de pressão é feita sobre os artistas. Se um escritor combativo escrever contra um prefeito ou governador, poderá perder rendimentos. É que hoje uma das principais fontes de renda de escritores e músicos são os festivais e feiras. Os autores passaram a viver de suas participações em eventos. Não há mal nenhum nisso. Porém, quando um deles se posiciona, acaba por decepcionar 50% e fecha mercado para si mesmo.

Se você, por exemplo, for convidado por uma Secretaria de Cultura do PSDB e se declarar eleitor do PSOL, deixará de ser convidado. Então, atualmente, boa parte dos autores brasileiros são chapa branca, isto é, agradam a quem estiver no poder. A maioria demitiu-se da nobre posição histórica de serem uma espécie de consciência de suas sociedades. Eles não opinam e, obviamente, não influenciam suas sociedades. Vários deles são especialistas em aderir ao novo Secretário de Cultura. Claro que, se conseguem uma boa relação com PT, PMDB e PP, significa que nunca fizeram comentários políticos públicos, ou seja, sempre praticaram a autocensura.

A Autocensura

A Autocensura

Dia desses, tomei uma mijada por escrever posts tão pessoais quanto este. Levei bastante a sério a advertência — em geral, costumo receber bem as críticas — porque vinha de um querido amigo, mas não vou permitir mais autocensura.

No meu blog, eu me coleciono, para o bem e para o mal. Como isso aqui é uma especie de retrato meu, não consigo levá-lo tão a sério. Publico o que me dá na veneta, sendo às vezes muito pessoal. Ou seja, os posts de foro íntimo seguirão. E a vida já está difícil, o gênero confessional já foi a regra deste blog. Os posts em que falava sobre meu umbigo já foram muito mais numerosos e vão continuar aqui e ali. Acho que já convivo com demasiada autocensura. Sabem onde há autocensura? Vou tentar explicar abaixo.

autocensura

Como um dos editores do Sul21, não me sinto mais com toda aquela liberdade do passado. Não posso tirar sarro de forma escrachada de alguém que vamos entrevistar um dia, por exemplo. Os repórteres reclamariam de mim: Pô, Milton, o cara estava de má vontade por tua causa. Os assuntos políticos também ficaram mais raros, claro, pois há alguns assuntos que evito. Por exemplo, sabem que eu paguei R$ 11.257,00 para a Mônica Leal em 2014, por conta de uma publicação e de um juiz de direita? Isso intimida e gera mais autocensura. Tive de pagar porque era a única forma abrir o inventário de minha mãe. Só não pedi ressarcimento pelo Catarse porque uma amiga me prometeu fazer voltar cada centavo a meu bolso quando vencer outra ação.

Não gostaria de agregar mais autocensura e deixo para meu amigo dois poemas nos quais pensei enquanto escrevia.

Um de Drummond (os primeiros versos de Mundo Grande):

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo, por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

E outro de Chico Buarque (esse uma óbvia vingança por ter sido ameaçado de não poder falar de meu amor por Elena). É o final de Juca::

Juca ficou desapontado
Declarou ao delegado
Não saber se amor é crime
Ou se samba é pecado
Em legítima defesa

Batucou assim na mesa
O delegado é bamba
Na delegacia
Mas nunca fez samba
Nunca viu Maria [leia-se Elena].