Introdução nada a ver tudo a ver. Quando sento no proscênio do Theatro São Pedro — onde se fica literalmente uns três metros sobre os instrumentistas — ou ouço atentamente os músicos aquecerem antes de um concerto da Ospa, tenho a impressão de que ela é um grupo muito heterogêneo. Exemplos positivos são gente como o pianista André Carrara, que numa noite dessas atacou uma Hammerklavier cheia de estilo na Assembleia, ou Elieser Ribeiro, que aquecia para o musical Chimango realizando o solo inicial do Concerto em Sol Maior para piano de Ravel com enorme leveza. Há muitos outros exemplos positivos de músicos praticando o que vão tocar logo depois, mas há também alguns que beiram o constrangedor. Digo isso porque acho que os músicos adultos da cidade — os que trafegam longe da faixa do tatibitate — devem dar sua contribuição a fim de movimentar a música de câmara da cidade. Existe algo melhor do que a música de câmara? Ainda mais na excelente acústica do StudioClio, nosso Wigmore Hall?
E chegamos à noite de ontem. Diego Grendene de Souza, músico da Ospa, poderia ficar na zona de conforto, entre a vida tranquila de funcionário público com o salário a ser parcelado pelo Sartori e os cachês, mas resolveu aventurar-se por um belo e complicado repertório de obras do século XX para clarinete e piano junto com Olinda Allessandrini. Fez bem. A dupla saiu-se maravilhosamente e o público retirou-se eufórico da sala.
O programa:
— Leonard Bernstein (1918-1990): Sonata para Clarinete e piano (1941-42)
— Carlos Guastavino (1912-2000): Sonata para Clarinete e piano (1970)
— Gerald Finzi (1901-1956): Five Bagatelles, op. 23 (1940-41)
— Francis Poulenc (1899 -1963): Sonata para Clarinete e piano (1962)
Olha, foi um recital realmente esplêndido. A conhecida sonata de Bernstein poderia soar mais jazzy. Penso que o piano de Olinda não acompanhou o humor da peça, mas mesmo assim a dupla foi soberba. Complicado de aguentar foi o romântico tardio Guastavino que ameaçou melar o Clio com seus favos. Não acredito muito nisso, mas o Diego me disse que pensou em mim durante a execução. A coisa teria sido mais ou menos nestes termos: o Milton deve estar detestando tanto romantismo… É verdade, mas também é verdade que ele é uma pessoa gentil.
A coisa melhorou muito com o para mim desconhecido inglês Finzi. Suas bagatelas formam um mosaico tristonho, mas há joias na peça, como os dois últimos movimentos, Forlana — o preferido da neocolorada Elena — e Fughetta.
Mas o melhor ficou para o fim: a Sonata de Poulenc dedicada a postumamente a Arthur Honneger e que Benny Goodman estreou. Muito pessoal, tem uma estrutura que foge do padrão rápido-lento-rápido das sonatas tradicionais, tanto que o primeiro movimento –, que recebe o título um tanto paradoxal de Allegro tristamente — é ele próprio dividido nas três seções descritas. Como outras obras de Poulenc, a sonata parece incontrolável, sempre em movimento, mas, curiosamente, ela mantém o sentimento de luto. Como? Realmente não sei.
O segundo movimento , Romanza, é claro e violento. A melodia do clarinete é simples e sombria mas perde a compostura ao fazer o clarinete gritar desesperadamente, lembrando a ausência de Honneger. O terceiro movimento é delicioso e a gente esquece da morte. Diego e Olinda estiveram perfeitos numa peça que exige expressões variáveis e nada triviais ou comuns.
Foi uma bela noite de música de câmara. Ao final, atopetados na entrada, ninguém queria ir embora do StudioClio. Que outros músicos repitam e mostrem suas caras! E repito: existe algo melhor do que a música de câmara? Ainda mais na excelente acústica do StudioClio, nosso Wigmore Hall?
“Foi uma bela noite de música de câmara.
Ao final, atopetados na entrada, ninguém
queria ir embora do StudioClio. Que outros
músicos repitam… e mostrem suas caras!”
CÚBICO
by Ramiro Conceição
Um milhão de vezes
isso… do que aquilo
daquele domingo,
na Paulista…
Um milhão de vezes
uma nota errada…
do que um assassino
a dizer, em público,
que matava sem escrúpulo…
Apesar de totalmente errática,
um milhão de vezes a flecha de Cupido
do que qualquer fascismo… elevado ao
cúbico!
Apesar de tudo que vendem com a arte… No fundo, resta a arte!