Como o diabo gosta, de Ernani Ssó

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A capa da edição da Cosac Naify
A capa da edição da Cosac Naify

Como o diabo gosta é um livro delicioso. Ele já foi O diabo a quatro em 1985 e, radicalmente revisado e ampliado pelo autor, está sendo relançado neste ano em bela edição da Cosac Naify. Merece, e não apenas por estar completando 30 anos. O que talvez não mereça é minha participação de hoje à noite no lançamento da nova edição na Palavraria, batendo um papo com Ernani Ssó. Ainda bem que pretendo falar pouco. Porém, neste momento, peço desculpas ao Ernani, pois aqui no blog quem faz os solos sou eu.

Ernani realizou uma auto-entrevista a la Glenn Gould numa crônica chamada 50 tons de vermelho.  O título é chamativo, mas é redutor. Ali, ele começa dizendo que “os resenhistas, como todo mundo nos jornais, trabalham demais, leem os livros correndo, quando leem, e escrevem a toda, sem pensar direito”, o que justifica a entrevista. Ele tem toda a razão, principalmente na necessidade de pensar, tanto que hoje acordei e fiquei matutando sobre como escrever a respeito de um livro do qual gostara muito. O problema é que é mais fácil dizer o que ele não é. Mas vamos ao que ele é.

Numa manhã, Camilo Severo tenta inspirar-se para escrever um romance. Seus pensamentos são interrompidos por lembranças desordenadas. O livro é isso, uma série de capítulos fora da ordem cronológica, às vezes escritos na primeira pessoa, às vezes não, talvez inspirado por O Jogo da Amarelinha do Cortázar que Ernani tanto ama. O livro se passa em Porto Alegre, no triângulo obtuso formado pela cidades de Ermo, Sombrio e Turvo (SC) e um pouquinho mais longe, no Farol de Santa Marta (SC), provavelmente durante o final dos anos 70, quando aquela região estava sendo recém descoberta pelos turistas, principalmente gaúchos. Para lá se dirigiam hordas de bichos-grilos a fim de alugar as casas de pescadores. Lá, ficavam tomando banho de mar e de caneca, bebendo cerveja, consumindo drogas e trepando. Era bom, participei.

Por que é mais fácil dizer o que ele não é? Pelo fato de que Como o diabo gosta ser um livro enganador: ao leitor mais superficial pode parecer uma série de descrições do desbunde, da perda do autodomínio, da loucura e das muitíssimas relações sexuais mantidas pelo narrador. Realmente, o sexo é um tema importante de um livro que se pretende meio bandalho, só que não podemos esquecer que este se apoia mais na literatura do que no sexo. O texto é excelente. Tudo aparece em seu lugar e tem ritmo. Exatas, as palavras só poderiam estar onde estão. Isto é que torna o livro uma delícia e é sempre difícil elogiar um volume dotado de tamanho potencial de prazer e que não envolve grandes e claras teses. É um livro cujas melhores metáforas vêm da musicalidade e isto confunde.

E há o humor. Como o diabo gosta é um livro engraçadíssimo, mas não é um livro de humor. A história também revela a angústia do personagem principal, presente desde o elaborado e culto “tô nem aí” de Camilo, que é refletido no desespero de algumas cenas de sexo. A repetição de alguns fatos — descritos de forma inteiramente diversa no romance — não resulta num quadro divertido, mesmo que se ria deles. Isto parece ser muito bem controlado por Ernani, que espalha pistas que formam um quadro de uma época em que, ao lado da vida no desbunde, havia uma ditadura se desmanchando.

Recomendo muito.

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1 comment / Add your comment below

  1. Por favor me perdoem, Milton e Ernani…

    A SEGUNDA RESPOSTA DE JESUS

    Sendo curto e grosso: se o Zé Dirceu efetivamente ganhou e distribuiu propinas, não há o que discutir: houve crime e ponto…

    Todavia, o que chama atenção é o fato de que o time da Lava Jato convoque a imprensa e, sem julgamento, sem os caminhos do Direito, declare claramente o veredicto – não do suspeito, mas já do condenado – diante de toda a nação brasileira, antes do contraponto de sua defesa que, até onde compreendo, é garantido pela Constituição.

    Não sendo advogado, mas poeta e engenheiro, pergunto-me: que espécie de processo judicial é esse em que a sentença já está definida a priori? Que exercício do Direito é esse em que aquele no papel de juiz – sob o crivo de uma opinião pública envenenada pela mídia e que espera como resultado, unicamente, o esquartejamento social do suspeito – tem de ser ainda justo…; não importando qualquer que seja a argumentação da defesa? Ora, isso parece um linchamento ético-moral e, consequentemente, longe de qualquer justiça.

    E o resto?… O mensalão tucano? O suborno de Aécio em Furnas? O suborno do Hélio Guerra? O Metro e os trens paulistas? O Aloysio 300 mil? A fazenda de FHC num sobrado em Osasco? As relações de Serra com o Daniel Dantas? O exercício de uma atividade empresarial do Gilmar Mendes enquanto ministro do STF? E as privatizações? A filha do Fux? A compra da casa em Miami pelo Barbosa? A desvalorização do Real após a reeleição de FHC? A compra de votos à reeleição tucana à Presidência da República? A distribuição de rádios e TVs por todos os rincões do Brasil? A corrupção da Globo junto à Fifa? As contas do exterior do HSBC? A relação promíscua da Veja com o Cachoeira? A relação promíscua da Folha com os porões do delegado Fleury? As relações do Caiado com a oligarquia do agronegócio? A vida corrupta do Agripino Maia? E o assassinado e roubo dos índios? O assassinado e roubo dos negros? O assassinato e roubo dos pobres? O assassinado e roubo de gerações continuas dos jovens brasileiros? A eutanásia dos aposentados? A destruição das universidades? O esfacelamento das famílias? O estado paralelo do tráfico nas favelas? O assassinato do trabalho pelo capital? O assassinato do capital produtivo pelo rentável? O assassinato das florestas? O extermínio de rios e oceanos? E, finalmente, apodrecimento do amor?…

    Volto a perguntar: e o resto?…

    Creio que a resposta seja aquela segunda, que Jesus gerou à aniquilação do Maligno, quando das tentações no deserto. Dentro desses tempos terríveis, a última Encíclica de Francisco, creio, é a nossa única esperança…

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