Com 500 euros e um megafone, ex-militante do PT disputa prefeitura em paraíso italiano

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Uma pequena amostra de Riva del Garda | Foto: it.wikipedia.org
Uma pequena amostra de Riva del Garda | Foto: it.wikipedia.org (clique para ampliar)

Publicado no Sul21 em 14 de março de 2015

(Como acabou? Ele foi eleito para um cargo correspondente ao de vereador em sua belíssima cidade).

Flavio Prada é um arquiteto brasileiro de origem italiana que concorrerá, em maio, à prefeitura da paradisíaca Riva del Garda, na Itália, pelo Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo. Para quem acompanhou o crescimento dos blogs no final da primeira década do século XXI, Prada é o célebre criador do blog Lixo Tipo Especial, hoje desativado. Em seu blog, Prada liberava seu espírito crítico na forma de devastadoras enxurradas de zombaria e sarcasmo sobre as políticas brasileira, italiana e europeia.

Com o blog fechado há mais de cinco anos, Prada pouco a pouco desapareceu da cena brasileira, porém, na Itália, seguiu trabalhando profissionalmente com arquitetura, amadoristicamente em seu grupo de rock, e com política, onde não ocupou nenhum cargo eletivo. Até agora.

Entrevistamos Flavio a fim de compreender sua trajetória desde os tempos da fundação do PT, ainda no Brasil, passando pelos blog e chegando a atual candidatura. No Lixo, nosso entrevistado costumava fazer Entrevistas Transoceânicas com seus leitores brasileiros. Vingamo-nos.

flavio-prada

Sul21: Tu és reconhecido um italiano ou como um brasileiro na Itália?

Prada: Alguns pensam que eu sou de Gênova, porque meu sotaque é meio parecido com o genovês. Sabe como é, às vezes você solta um sotaque mais forte, principalmente quando muito cansado. Mas alguns nem percebem que sou estrangeiro. No filme que fiz para a campanha, explico a trajetória familiar da Itália para Limeira (SP) e meu retorno, por assim dizer,  para a Itália, em 2001. Meu italiano é bom, então não tem muito problema. Mas o povo daqui é muito bairrista, então é melhor deixar tudo explicadinho.

Sul21: O que tu fizeste, do ponto de vista político, no Brasil?

Prada: Certa vez, em 1980, eu participei de uma festa na casa do (ex-senador Eduardo) Suplicy. Era um dos primeiros encontros que se fazia com a intenção de, talvez, criar um partido chamado PT. Depois, eu sempre militei pelo PT. Militei muito em Limeira, menos em São Paulo, mais em Florianópolis, até que vim para a Itália, em 2001.

Além da militância, Flavio tem um grupo de pop-rock com a família
Além da militância, Flavio tem um grupo de pop-rock com a família

Sul21: Tu começaste imediatamente a militância aí no norte da Itália?

Prada: Nos primeiros anos estava tentando me situar tanto profissional quanto politicamente. Há muita diferença, principalmente na legislação. É óbvio que eu mantinha grande afinidade com os partidos de esquerda. O problema que ocorreu aqui e que está começando a acontecer no Brasil, é que, com a chegada ao poder, os partidos vão se descaracterizando, toda a ideologia vai perdendo o sentido. É por isso que estou mais critico em relação ao PT, inclusive. Hoje, o partido está aliado com o (Fernando) Collor, (José) Sarney, (Paulo) Maluf. São coisas que, se eu dissesse há 20 anos atrás numa reunião nossa, alguém me declararia como louco ou piadista de mau gosto. Mas hoje é uma realidade. A esquerda, nos 15 anos que estou aqui, sofreu o mesmo fenômeno.

Sul21: O PT da Itália é o PD?

Prada: Aqui nós temos o Partido Democrático de centro-esquerda e os partidos mais radicais, mais tradicionais, comunistas. Há três partidos que são comunistas, além dos verdes. Este último grupo tem menos de 1% de eleitores, estão desaparecendo. Realmente,  o PD (Partido Democrático) é o mais próximo do PT brasileiro. Mas estão fazendo um governo com o (ex-primeiro-ministro Silvio) Berlusconi, o que é uma coisa inimaginável, um absurdo. Em nome da governabilidade, em nome de você administrar o teu condomínio, você chama o estuprador para cuidar dos filhos. É o que está acontecendo. Essa transformação da esquerda, com fenômenos de corrupção estourando em todos os níveis, começaram a aparecer no momento em que esses partidos, que eram de luta, chegam ao poder. O problema é o poder.

Comício de Beppe Grillo
Comício de Beppe Grillo

Sul21: Tu te filiaste a algum partido além do Movimento?

Prada: Eu primeiro me inscrevi num partido de centro-esquerda, mais de centro que de esquerda, chamado Italia dei Valori. O “valor” do nome não é o econômico, é o valor ético, a moralidade. Surgiu outro parecido, só que claramente de direita, com aquela legalidade nacionalista. Então, quando eu estava no Italia dei Valore, assisti ao crescimento do Movimento 5 Estrelas, que nasceu dentro de um blog. Eu e muita gente acompanhávamos o blog do Beppe Grillo e o movimento. O que aconteceu com o IDV? Ora, o partido, que detinha 7% de preferência, hoje está com 0,5%. Morreu. Por que morreu? Porque a gente vinha pregando a moralidade e em um certo momento se descobriu que a cúpula do partido pegava milhões de euros para comprar apartamentos, aumentando seus patrimônios pessoais. Ou seja, o próprio partido que a gente acreditava como uma reserva ética, roubava a dar com pau. Então, foi mais do que natural que praticamente todo o pessoal do IDV fosse para o Movimento 5 Estrelas.

Beppe Grillo, um humanista cômico
Beppe Grillo, um humanista cômico

Sul21: A imagem que se tem do 5 Estrelas no Brasil é a de um bando de loucos chefiados por um humorista.

Prada: É exatamente isso. É que numa sociedade doente como a nossa, a gente tem orgulho de ser louco. O Beppe Grillo é um humanista cômico. Faz mais de 30 anos que atua. Começou na televisão. Depois, no teatro, fazia sempre um humor meio desesperado. Ele faz sátira política no estilo de Voltaire. Às vezes é muito simples. Ele apenas lê as noticias e faz o pessoal rir porque deixa às claras a demência que a gente está vivendo. Aqui e no Brasil também. Ele fazia isso na TV até o momento em que começou a criticar o Partido Socialista, que estava no poder em 1992. Houve também uma piada sobre chineses… Mandaram ele embora. A partir daí, ele foi para o teatro. Ele encheu qualquer ginásio de esportes nesses últimos 20 anos. O tema de Beppe Grillo é a loucura que estamos fazendo com o ambiente, com as energias renováveis, e a corrupção geral.

Sul21: Mas como ele fazia tanto sucesso falando desses assuntos?

Cartaz do V-Day
Cartaz do V-Day

Prada: Ele falava isso de maneira teatral. O personagem dele é aquele cara que está desesperado com a situação. Ele fala muito seriamente enquanto você morre de rir, porque é a realidade. Ele te joga a realidade na cara. Quando surgiram os blogs — ele abriu o dele em 2005 –, os temas eram esses aí: o ambiente, o que nós estamos fazendo com a política, os políticos e a atuação política. Em 2007, ele fez uma provocação que relancei no meu blog, lembra? Foi o VaffanculoDay ou V-Day (literalmente, Dia de mandar tomar no cu). Ele não imaginou que permaneceria no centro das atenções só com o espaço do blog, mas permaneceu. Cada post dele recebia mil comentários e 300 mil views. Então ele falou: “Nós já somos tantos que poderíamos nos reunir numa praça para uma manifestação. Afinal, nós somos os idiotas que trabalham, que pagam impostos, contas. Estamos isolados, quietos, sem voz, sem representatividade”. Aí ele criou o VaffanculoDay. Mas a mídia tradicional não deu notícia do fato. Aí, no ano seguinte, ele fez mais outro, com 100 mil pessoas na praça. Quando a mídia começou a boicotar, ridicularizando a iniciativa, deu para perceber quem estava no caminho certo.

Sul21: A situação da mídia italiana é análoga à brasileira, não?

Prada: É muito parecida. Na mídia italiana, existe um único jornal que é independente e autônomo, o Il Fatto Quotidiano. O resto vive de subvenção do governo. A imprensa ajoelha-se aos pés do poder. Como eu dizia, não houve nenhum tipo de notícia decente sobre o VaffanculoDay. Então o Beppe fez uma coisa. Ele se inscreveu no PD para ser o primeiro-ministro… Estavam acontecendo as primárias do Partido Democrático para a escolha exatamente do candidato a premier. Isso foi em 2009, 2010. E o barraram. Não houve nenhuma alegação, só disseram que não podia. Um representante do PD foi para a televisão e soltou a frase histórica “Se o Beppe Grillo quer entrar na política, ele que faça um partido dele e vamos ver quantos votos ele vai ter”. Aí ele falou: “É. Boa ideia”.

Sul21: (risadas)

Beppe Grillo
Beppe Grillo no Trento

Prada: Ele fundou uma semana depois o Movimento 5 Estrelas, que tem cinco pontos fundamentais: ambiente (não ao nuclear, sim às energias alternativas), água (propriedade pública), desenvolvimento, conectividade e transportes. São cinco pontos que depois se desdobram. E se criou um programa, o “não-estatuto”. Beppe Grillo foi o aglutinador de um movimento que nasceu na rede. A mídia tradicional, que trabalha sempre com estereótipos, diz que o Beppe Grillo controla tudo, mas ele não controla absolutamente nada. O processo interno é absolutamente democrático, não existe nenhuma interferência, nenhuma determinação para os programas que criamos. Dentro da linha do movimento, a gente faz o que quer.

Sul21: E o desemprenho eleitoral?

Prada: Pois é. E o 5 Estrelas foi para as eleições. Primeiro, fez alguns vereadores. Agora, em 2013, fizemos 160 parlamentares. São 140 deputados e 20 senadores, mas alguns pularam fora porque uma das regras é cortar a metade do salário. Um parlamentar italiano ganha por volta de 100 mil euros anuais, o que, comparando com outros países da Europa, é demais. Nós pegamos esses 100 mil euros e colocamos a metade em um fundo. Com esse fundo, estamos abrindo um programa de microcrédito para pequenas e médias empresas que estão em dificuldades. Tem lá uns 20 milhões de euros só com a renúncia de salário. Isso é grana que pode fazer alguma diferença, além de ser uma questão filosófica.

Sul21: E onde é que o 5 estrelas se colocou no governo atual?

Prada: Fora. O que aconteceu foi que a Itália está debaixo de um regime europeu comandado pela Alemanha e os bancos. A grande dificuldade de países como Grécia, Itália, Portugal, Espanha é que são países que tem uma outra cultura, a do “dar aqui para receber ali”. Todos têm um grande nível de corrupção, só que o que está acontecendo é que o remédio está matando o paciente. Com a política que a Europa está impondo a esses países, a corrupção aumentou. A classe política sabe que a festa está acabando, então, para se proteger do futuro, deita e rola. A corrupção explodiu de tal forma que não há mais vergonha de se associar ao Berlusconi. Está tudo aberto, tudo descarado, pois é nesse contexto que os presidentes tem poderes para se garantirem.

Riva del Garda | Foto: Milton Ribeiro
Riva del Garda | Foto: Milton Ribeiro

Sul21: E como será a eleição para a prefeitura de Riva del Garda? Tens chance?

Prada: Nenhuma. (risos)

Sul21: Então de que valeu esta entrevista?

Prada: Não sei. Problema teu. (risos) Bem, falando sério: não tenho nenhuma chance. Minha campanha teve um investimento de 500 euros. Quando nos reunimos para escolher o candidato, foi aquele silêncio. Então, escolheram o mais louco, o mais improvável. Mas é uma candidatura válida porque este paraíso que é Riva, principalmente na região da beira do Lago de Garda, está sendo absurdamente loteado. Comprei um megafone e ando pela cidade, dando meu recado.

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