Dois Hitchcocks e um Lean

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Nós — eu e minha querida Elena — pegamos alguns DVDs emprestados da Liana Bozzetto e do Alexandre Constantino. São 4 filmes clássicos: O homem que sabia demais, versão de 1956 (que se chama O homem que sabia demasiado em Portugal); A sombra de uma dúvida, de 1942 (Mentira!, em Portugal) –, ambos de Alfred Hitchcock; Doutor Jivago (1965), de David Lean e O Sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman. Não vimos ainda o Bergman. De todos, só não tinha visto A sombra de uma dúvida.

O homem que sabia demais foi filmado duas vezes por Hitchcock. A primeira versão, de 1934, não tinha saído a contento, na opinião do diretor. É curioso como Hitch foca-se no drama pessoal que quer contar, deixando de lado o contexto. É o que interessa a ele. Ele quer que nos preocupemos com o drama do casal norte-americano formado por Doris Day e James Stewart. Não está lá para discutir política internacional ou deitar teses. Claro, a parte política do filme é tensa, mas ela pouco importa na criação do desejado clima de suspense. Então, sabe-se que alguém quer matar o primeiro ministro, que os terroristas têm caras de bonzinhos mas que podem se tornar terríveis para quem se interponha a seus intentos, que o plano era secretíssimo e que o homem comum, Dr. McKenna (Stewart), casualmente soube do que não deveria saber. O velho Hitch usa desbragadamente o artificialismo e a inverossimilhança, mas traz para nós todo o suspense que apreciamos.

Hitch costumava usar romances de segunda linha como base de seus roteiros. Era um artesão muito específico: estava ali para contar bem uma história que mantivesse o espectador ligado durante aqueles miraculosos 90 minutos. E consegue.

A sombra de uma dúvida é um filme de suspense em que os fatos parecem ainda mais complicados de se acreditar. Se não fosse aquele encantado e incondicional amor de irmã, como é que Joseph Cotten obteria morar com a família? E o banana do investigador? E aquele marido abilolado? Como é que ele não via o drama de sua filha Charlie e o entra-e-sai de detetives? Só que tudo isso é necessário para criar a situação.

Cotten está maravilhosamente canastrão no papel principal. Foi um ator de rara inteligência e sensibilidade. Não consigo visualizar um diretor moderno pedindo uma atuação daquele gênero a Cotten, ator que recém saíra do dito melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane (1941), e de Soberba (1942), ambos de Orson Welles. Cotten trabalhava para os filmes, não para si. Ele está perfeito no papel complicado de assassino bonzinho.

E chegamos a Doutor Jivago. Vimos os primeiros 120 minutos, veremos o restante amanhã. Por enquanto, é uma tragédia contida, mas acho que os elementos para um dramalhão já estão em seus lugares. Lara (a belíssima Julie Christie, minha atriz preferida, no papel de Lara Antipova) tem um filho com, provavelmente, Victor Komarovsky (Rod Steiger), que a estuprou na época em que ela, com 17 anos, namorava o jovem romântico e revolucionário Pasha Strelnikov (Tom Courtenay). Por outro lado, Omar Sharif (Yuri Jivago) é casado com a “aristocrata legal que vai sofrer”, Tonya (Geraldine Chaplin). Então a revolução bolchevique bagunça tudo e Lara acaba trabalhando com Jivago num hospital do interior. Lá, ele se apaixona por ela, mas Lara, correta, dá-lhe um pé na bunda. Só que a família de Jivago vai para o interior e ele certamente se encontrará novamente com Lara. Strelnikov? Ora, pensava-se que ele estivesse morto, só que não: o jovem e simples revolucionário tornou-se um imparable bolchevique comedor de criancinhas. Como espetáculo, está valendo a pena ver, apesar do pouco espírito de Pasternak presente. A poderosa cenografia de Lean tem que ser considerada. O cara era um mestre. Mas…

Ah, Elena, que nasceu na Bielorrússia e lá viveu até os 29 anos, não sentiu um ambiente muito russo…
Julie Christie
Julie Christie

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