Como disse o Charlles Campos, Charles Dickens é uma das razões pelas quais a vida merece ser vivida. O escritor inglês tinha uma receita de felicidade, nascida certamente do fato de, na Inglaterra vitoriana, haver uma lei que podia levar à prisão quem tivesse dívidas. Tal lei fez o pai de Dickens sofrer muito. A citação-receita é a que segue.:
Annual income twenty pounds, annual expenditure nineteen [pounds] nineteen [shillings] and six [pence], result happiness. Annual income twenty pounds, annual expenditure twenty pounds ought and six, result misery.
Mr. Micawber em David Copperfield, de Charles Dickens
Esta citação está enorme numa das paredes do Charles Dickens Museum. Ela é o maior argumento de que a CPMF — imposto que de “contribuição” não tem nada –, é desigual e injusta. Na citação, o cara ganha 20 pounds por ano. Se gasta menos no período, é feliz; se gasta mais, é miserável. É verdade. Posso comprovar, afinal, sou jornalista. Se gasto mais do que ganho, posso passar meses recuperando a perda. Meus ganhos me obrigam a ser financeiramente contido. Deste modo, gasto o estritamente necessário. Tenho uma planilha do Excel onde anoto cada centavo que entra e sai. Sei que se deixasse a coisa se descontrolar, teria graves problemas. A CPMF virá para mexer um pouco neste equilíbrio, pois a inflação que gerará vai atingir a todos.
Ela pode ser maravilhosa na opinião de quem está singrando os mares num transatlântico ou num iate, porém para nós, que vamos num barco a remo, qualquer marolinha pode nos deixar de cabeça para baixo.
A inflação oficial dos últimos 12 meses é de menos de 10%. O IBGE fala em 9,88%. Mas a Inflação-Milton, por exemplo, é de mais de 20% no mesmo período. A faculdade da filha, o supermercado e os serviços de autônomos — ah, os vazamentos… — garantem o aumento. E a CPMF virá só para piorar a situação. Aposto que os comerciantes vão meter a mão em muito mais do que os 0,20% anunciados.
Seria até boa uma CPMF bem pequena, com muitos zeros após a vírgula. Não pela arrecadação, mas como mecanismo para monitorar as movimentações financeiras com a finalidade de combater a sonegação.
Hoje pela manhã, o “Sonegômetro”, do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, batia em R$ 374,5 bilhões desde janeiro de 2015. Como o “Impostômetro”, mantido pela da Associação Comercial de São Paulo está em 1,439 trilhão, temos que a sonegação corresponde a mais de 25% do que é arrecadado e é sete vezes mais do que a corrupção calculada no país. Mas só se fala em corrupção. A sonegação é coisa de quem ganha muito, coisa de empresas, coisa de quem paga publicidade, então é melhor ficar quieto.
Correr atrás da sonegação cansa nossos governantes. Então, eles preferem aumentar os impostos. É chato brigar com quem financiou a campanha… Nossos impostos aumentam para pagar o que devem os sonegadores, mas ninguém protesta contra eles.
Amanhã, será votado o aumento do ICMS aqui no RS. Vai passar, claro, e vai aumentar tudo, os impostos dos bens rurais e industriais. E tudo virá sobre a nossa cabeça. A sonegação de ICMS no estado é enorme, basta ver a quantidade de vendas sem nota — uma comprovação bobinha e visual –, só com o ticket do Cartão de Crédito, como tentaram fazer comigo na semana passada.
Nesta onda de aumentar impostos, Dilma e Sartori querem ver minhas planilhas pintadas de vermelho. E eu fodido. Ir atrás da sonegação, ah, isso ninguém quer.
“A sonegação é coisa de quem ganha muito, coisa de empresas, coisa de quem paga publicidade, então é melhor ficar quieto.”
Todo mundo sonega. Todo mundo. Até a Dilma e o Levy. Ninguém faz o recolhimento de todos os tributos. Desde o lanche da esquina, passando pela venda feita na OLX (ou você emite nota da venda?) até o amendoim vendido no ponto de ônibus. Isso sem falar nas doações!
Tenho um contador que tem mais de 1.000 clientes, de pessoas física a pessoas jurídicas. De pequenos a médios empresários. Ele costuma me dizer o seguinte: “Tenho mil clientes. Sabe quantos sonegam? 1001.”.
E tem um detalhes, rico deve sonegar até menos (percentualmente falando), pois a fiscalização em cima dele costuma ser muito maior, especialmente os muito ricos.
Quando alguém diz que só rico sonega, pergunto-me: será que esse sujeito emite nota fiscal de todo negócio jurídico em circunda a vida dele?
No fundo, até te entendo, nobre Milton. Brasileiro é um paradoxo: ele quer que o Estado promova tudo: educação de qualidade, saúde, bem-estar social, infra-estrutura etc. Entretanto, na hora de pagar a conta ele sempre se furta da sua obrigação.