Recuperação da esquerda brasileira levará anos, diz professor

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O professor Idelber Avelar | Foto: Facebook
O professor Idelber Avelar | Foto: Facebook

Da BBC Brasil

A crise política deverá ser seguida por um longo período de domínio da direita, diz Idelber Avelar, professor na Universidade Tulane (EUA), à BBC Brasil.

Nesse cenário, ele afirma que a esquerda e os movimentos sociais podem levar anos para se reagrupar.

Brasileiro, Avelar leciona literatura latino-americana e estudos culturais nos Estados Unidos desde 1999, mas se tornou conhecido entre muitos compatriotas por seus posicionamentos políticos nas mídias sociais.

Crítico do PT, ele não vê razões para se associar aos grupos que defendem a permanência de Dilma Rousseff na Presidência e rejeita a descrição do cenário político brasileiro como uma “briga de duas torcidas ante a qual você tem de se posicionar ao lado de uma delas”.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – Com a crise houve alguma mudança na forma como o Brasil é encarado nos EUA?

Idelber Avelar – Cinco anos atrás o Brasil era o modelo de como crescer com instituições democráticas fortes e reduzindo a desigualdade. Neste momento perdemos as três coisas: não estamos crescendo, não estamos reduzindo desigualdade e as instituições democráticas estão em perigo, pelo menos.

Chama atenção a rapidez com que se desmoronou esse modelo. Há um cenário político marcado por tremenda instabilidade, com uma classe política na situação e oposição completamente desmoralizada, e não há perspectiva de transformação desse quadro em longo prazo. Vivemos uma grave crise econômica, institucional, política e ambiental.

BBC Brasil – Por que ambiental?

Avelar – Uma das características essenciais dos governos petistas tem sido o desenvolvimentismo arrasa quarteirão. Ambientalistas, lideranças indígenas e ribeirinhas na Amazônia dizem que o PT foi pior para a região que o PSDB. O PSDB implantou aquele modelo de estado mínimo, deixando que a iniciativa privada resolvesse.

O governo petista apostou num modelo através do qual o Estado gera mecanismos para que as grandes construtoras realizem negócios e (em troca) financiem campanhas eleitorais.

Sou a favor de que se estabeleça algum tipo de requisito dentro do nosso aparato educacional para que pessoas do Sul e Sudeste possam visitar a Amazônia e ver o que aconteceu no Xingu com a construção da usina de Belo Monte, o que aconteceu no rio Madeira, para ver o que é a expansão da soja.

Isso lhes daria uma leitura diferente da realidade e desmontaria uma noção de crescimento que muita gente da esquerda fetichiza.

BBC Brasil – Não é inviável se opor ao crescimento num momento em que o Brasil enfrenta uma grave crise econômica, com crescente desemprego?

Avelar – Não existe possibilidade lógica de crescimento infinito num planeta com recursos finitos. Poderíamos estar numa sociedade em que optássemos por um crescimento zero, há até marxistas falando nisso.

É um debate difícil, porque há uma mentalidade que associa a redução da desigualdade ao crescimento do PIB. Mas não há relação automática entre as duas coisas: pode haver crescimento extremo sem redução de desigualdade e pode haver redução de desigualdade sem ritmo frenético de crescimento.

Claro que para isso teríamos mexer em políticas redistributivas, na dívida pública, no sistema bancário, numa série de vespeiros em que nosso sistema político não está pronto para mexer, mas é uma conversa urgente.

BBC Brasil – A Lava Jato põe em xeque o modelo de relação entre o Estado e empreiteiras?

Avelar – A Lava Jato tem consequências que fogem ao controle inclusive dos procuradores e juízes envolvidos. Não acredito que haja limpeza completa da política brasileira, mas também não acredito que ela vá simplesmente decapitar algumas lideranças do PT, derrubar o governo da Dilma para depois se restabelecer tudo como era antes.

Existe uma nova geração de procuradores imbuída de um espírito que pode ser criticado como meio salvacionista ou messiânico, mas esse grupo claramente não está interessado em pegar lideranças de um só partido político. Alguma coisa se quebrou no pacto oligárquico. Ele vai ser restabelecido, mas em outras bases.

BBC Brasil – Embora milite à esquerda, você não tem apoiado as manifestações em favor da manutenção de Dilma na Presidência. Por quê?

Avelar – A descrição do quadro político brasileiro como uma briga de duas torcidas ante a qual você tem de se posicionar ao lado de uma delas é um quadro não apenas simplista, mas chantagista.

Não cedo à chantagem de que a direita vai tomar poder se não nos alinharmos com a defesa do governo. Em primeiro lugar, porque a direita já está no poder num país em que Kátia Abreu controla o Ministério da Agricultura, em que cargos são regularmente loteados ao PMDB. Há uma coalizão que implementa cotidianamente políticas de direita.

Não bato bumbo pelo impeachment. Acredito que a melhor saída seria a renúncia da Dilma. A situação de descalabro não é só produto da Lava Jato, mas de uma série de fatores, incluindo a inépcia dela em dialogar com a própria base no Congresso.

BBC Brasil – Há uma ofensiva do Judiciário contra o governo do PT?

Avelar – O Judiciário sempre teve a natureza oligárquica e punitivista que está se revelando agora, mas o governismo não se preocupou quando manifestantes contra a Copa ou líderes ambientalistas foram criminalizados, nem com as prisões arbitrárias feitas a rodo nas manifestações de 2013.

O governo não ficou neutro nestas histórias. Ele foi partícipe dessas operações. A draconiana lei antiterrorismo sancionada recentemente foi enviada ao Congresso pelo Executivo, é uma lei da Dilma. Quando alguns desses mecanismos se voltam contra o PT, o governismo grita, mas o PT fortaleceu esses mecanismos ao longo da última década.

BBC Brasil – Diante da fragilização do PT, há margem para a articulação de uma nova frente de esquerda?

Avelar – Sou bastante pessimista. Houve nos últimos 14 anos uma cooptação brutal dos movimentos sociais. O único partido consistentemente à esquerda do PT e com alguma presença no cenário nacional, o PSOL, tem funcionado mais como linha auxiliar do governo do que como alternativa a ele.

Temos algumas faíscas do que poderia ser a esquerda pós-PT, mas acho que vai demorar muito tempo para que ela se reagrupe e faça a crítica necessária da experiência petista. Acho mais provável que a direita clássica volte ao poder e a gente tenha um longo e tenebroso inverno.

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17 comments / Add your comment below

  1. Eu acompanho os textos do Idelber pelo Facebook. Alguns são muito bons, mesmo exemplares de um certo “estilo revoltado e lúcido”. Mas essa nova posição política de ser do contra que ele já vem assumindo há alguns anos, não deixa de ser despropositada. Quem não lembra dele em seu extinto blog dizendo com todas as letras que em seu site e nas redes sociais fazia franca propaganda eleitoral da Dilma? Era algo tão descarado que chegava a ser histriônico. E agora, agora o que acontece? Ele simplesmente “virou a casaca”, como se diz, agora ele só lança pedras e bombas. Como se toda a culpa, a gigantesca culpa da desilusão ideológica e do desgaste político fosse tão somente do PT. Ele e os outros asseclas louvadores de outrora, que faziam o marketing heroico de um Lula iconográfico do porte de um Guevara, e de uma Dilma redencionista com pose de busto de mármore olhando fixamente para o futuro, simplesmente se eximiram da responsabilidade e abandonaram o barco. A única deliciosa herança que sobrou da catástrofe foi a inspiração para escrever textos pelo Facebook, usando a tão relativizável erudição acadêmica. Retórica sinfônica, com final catártico bombástico, e o primeiro propalar de “gênio” deixa o rastro pavloviano do que segue na caixa de comentários. Simples assim, né? Toda a dialética que eles deveriam ter usado na fase de instrução política do partido, no papel clássico de intelectuais de esquerda no momento supremo em que a esquerda toma o poder, agora eles a esbanjam no rancor e no recalque. Antes o aplauso absoluto, com o mergulho numa epidemia asquerosa de um politicamente correto (em que gerou textos constrangedores como comparar Cortázar a ÉoTchan e o jazz e a música erudita e a MPB com o funk ostentação, igualando tudo), agora a vaia escancarada.

    E o Brasil que se exploda, contanto que essa lucidez diária fragmentária e de baixa comburência continue a exaltar o público desproteinado da internet. Zizék escreveu com profundidade sobre a necessidade de auto-crítica ferrenha da esquerda, mas o que fez o Clube do Idelber com o Zizék? Passou a chamá-lo de estúpido e todos os demais qualificativos de praxe dos vaidosos haters do Facebook. Depois de todos os arquétipos desgastados, sobrou por último esse: o de agora ser o porta-voz do rancor pelo sonho esfacelado, o que exige um contraditório abraço às teorias de Zizék, para que possa repetir o bordão zizequiano de “com essa esquerda, quem precisa da direita”.

    Mais uma vez, quando o país precisa como nunca precisou antes de seus intelectuais combatentes, na iminência de que a democracia, a ordem social e tantas outras coisas estão por ser lançadas no buraco, esses caras se aprazem a ser meramente palavrosos, sentados em seus enigmas e suas adivinhas charmosas. Vejam o texto da hora do Idelber Avelar, que revela como nunca a situação e a catástrofe.

    Primeiro Comentário Facebookiano: Genial, professor! O que eu estava querendo dizer mas não tinha palavras para tanto. Posso compartilhar?

    1. Fecho 100% com o Charlles aqui. É quase óbvio o q o Idelber constata, e tenho lido muita coisa boa dele, mas não dá pra esquecer o q rolava na “bonança”. Ser somente apocalíptico na crise não serve.

      1. Um importante amigo intelectual me disse que o maior espanto dessa história atual política brasileira foi me ver defendendo o Lula. “O Charlles defendendo o Lula, eu jamais imaginava!”. Eu respondi que eu não defendo o Lula e nem político algum, mas que a situação chegou a um limite tão extremo que não se pode mais usar de firulas de linguagem. Eu também produzi uns bons textos catárticos, execrando, em minha poltrona confortável e nas teclas macias e luminescentes de meu notebook, a política brasileira atual. Agora não há mais espaço e nem tempo para isso. A coisa toda já vergou, e o caos já é presente. Então, eu respondi a meu amigo que eu defendo a mim mesmo. Egoisticamente, a mim e aos meus.

        Há uma analise ótima do conto policial feita pelo Borges, em que ele elogia o enigma do conto de Poe “A carta roubada”. A pista principal, que resolve o mistério, está durante toda a narrativa à vista de todos, em cima de uma mesa em um escritório onde transcorre a cena. Foi deixada lá propositalmente, por a mente arguta do criminoso saber que não há lugar melhor para se esconder algo do que na mais explícita visibilidade. Também em outra história clássica do gênero, “E não sobrou nenhum”, o leitor lamenta a sua própria estupidez em não ter sacado o óbvio assassino. Dito isso, voltando velozmente para o tema político, é claro, claríssimo que está havendo um golpe. A tática é a mesma da carta por sobre a mesa: todos sabem, todos veem, é insofismável, mas de tanto se tapá-lo pelo discurso do trivialesco, de que isso é conspiração ou argumento inadequado, ninguém vê. A retórica de quem está patrocinado o golpe é a de tornar ridícula a ideia. Golpe…? Puf, pelo amor de deus.

        É tudo tão límpido e caricaturesco, que é impossível de acreditar.

        Vejam quem apoia o golpe. Acessem o Facebook de uma preciosidade chamada Enio Mainardi. Pesquisem sobre ele, assistam o magnífico programa Provocações em que esse tal senhor é entrevistado. Assistam à sua presença no Programa do Jô. Os textos dele são bestiais, a sua fúria é porcina, vociferada, assassina. É triste de se ver. Ganhou milhões às custas de um estado nas décadas de 80 e 90 que lhe pagava o dobro do que ele cobrava para o empresariado, daí a coisa reverteu e ele execra o “governo dos analfabetos”. Há uma semana ele postava de Abadiânia, cidade próxima de onde eu moro, o que me leva a pensar que o único interesse dele estar lá deva ser para se tratar com o conhecido médico daquela cidade insípida, o tal de João de Deus ou sei lá o nome. Quando se tratava de um câncer, em 2012, ele quis ser humanista e falou ao Jô que ele era um ser agraciado, que cada sessão de sua quimio custava 30 mil reais. “Agora imagine”, ele disse, “uma dessas mulheres, uma qualquer, no SUS. Tem que esperar no mínimo 160 dias”.

        É assim que enxerga um agraciado. Tudo fora de sua órbita é “uma qualquer”. Os caras que ele defende em seu Facebook? Caiado e Bolsonaro. Meu caro Idelber, vocês, beletristas atrás de um avatar da linguagem suprema da relativização, serão também culpados pelo Caiado e pelo Bolsonaro, que é o caminho óbvio que o país vai seguir após o golpe. Suas parcimônias no momento em que deveriam urrar de indignação construtiva, serão seladas pelo pecado dessa broxada no veludo nesse momento em que seus heróis, construídos por vocês, se mostraram homens comuns.

        Esse mesmo amigo, um historiador de mão cheia, me ligou ontem para contar sobre os efeitos que O Vermelho e o Negro, presente que lhe dei, está lhe causando. A gente só percebe com a classe dominante odeia a ascensão social, abomina e remove céus e terras contra o direito dos pobres, através da literatura, ele me disse. Só Stendhal me mostra com um tapa na cara aquilo que os melhores livros de história tentam me mostrar.

        Semana passada fiquei feliz por um texto meu sobre Doutor Fausto ser compartilhado no Facebook da Companhia das Letras. Os acessos pularam na casa do milhar. Fiquei empolgado porque, me parecia, era uma evidência de que no Brasil há grandes leitores, leitores de ninguém menos que Mann. Ontem, porém, vi a caixa de comentários de um post no Face da Cia com uma entrevista de Gregorio Duvivier. Xingavam a pediam a morte de Duvivier. No Facebook de uma das maiores editoras do continente. Fiquei muito envergonhado. Desfez-se minha ingênua euforia pelo interesse em Mann. Duvivier defende ideias de esquerda, por isso as dezenas e dezenas de iradas mensagens de morte.

        Esse é o mais execrável período político do país, e estamos seguindo para o caos, sem a mínima reação.

  2. Eu acompanho há muito tempo o Idelber, Ele largou do Lula lá por 2007-8 e nunca, mas nunca defendeu Dilma. Sempre votou na Marina. Problema dele…

    1. Pois então você está redondamente enganado, amigo. Lembro-me com perfeição o Biscoito Fino fazendo explícita propaganda eleitoral para a Dilma, basta ver lá se os post não foram apagados. O cabeçalho do blog era aquela figura estereotipada da Dilma jovem de óculos. E o Idelber deixava claro que “o blog está em campanha eleitoral pela Dilma”.

        1. Entre 2010 e 2014, o Idelber começou a pubicar coisas antagônicas ao seu posicionamento político anterior…

          Decidi afastar -me…

  3. Uma análise toda enviesada desse Idelber (será efeito do linchamento?).
    Apostam tanto na destruição do PT, e o que vemos é um PSDB cada vez mais caricato e se desmilinguindo (vide SP), o PMDB (ou seriam PMDBs) perdido e dominado(?) por figuras do calibre de Temer e Cunha, sem contar o finado DEM-PFL e a irrelevancia do PP (lembram do PDS?)

  4. Agora, embora não tenha lido um mea culpa, um “mal minha” do Idelber, tbm não sou ninguém pra exigir isso do cara, ele q faça o q quiser. Se ele está mais consciente agora, e penso q está, melhor.
    Não acho q há apenas dois lados a se aderir. Sei q está na moda dizer isso, mas eu penso q é esta a tal “pista na cara de todo mundo q ninguém vê” – realmente precisa ser pensado algo fora dessa caixinha aí q nos colocou onde estamos. Sim, é preciso colocar o olho no rumo da democracia, mas a gente não pode esquecer que democracia é esta, que democracia é esta q tem vigorado nos últimos anos, anos de Copa, de Mariana e Belo Monte, anos de lei anti-terror e etc.

    1. Eu só votei no PT uma única vez, e foi em Antonio Gomide, um sujeito que eu conhecia e tinha muita convicção em sua idoneidade e competência. Nunca votei no PSDB ou em gente de direita. Aliás, a grande maioria das vezes eu não votava, e pagava os 3 reais de multa. Desde o começo eu sustentei que o deslumbramento com o Lula e o PT era algo substancialmente pernicioso. Tratar o Lula como o salvador da pátria, e a Dilma como sua continuadora, posição francamente adotada pelo Idelber, era algo não só descerebrado e anacrônico, como bastante perigoso. Fui contra a Copa, etc, etc. O PT merece o que está acontecendo, mas o que me indigna é essa covardia de quem participou nos bastidores para a apoplexia de egocentrismo extremo do partido, através do puxa-saquismo desmiolado, e agora assume a posição do cara que sai de fininho, com “passinho de quem não quer peidar” (como dizia o Luiz Fernando Veríssimo), com uma hipócrita cara de moralidade de quem não estava ali.

      1. Em seu deslumbrante texto de hoje no Facebook (quando é que essa frase vai deixar de ser pejorativa para mim, meu Deus?), o Idelber vaticina a suprema importância do intelectual e acadêmico se ater nas regras rígidas da ortodoxia dos fatos, da bibliografia, das notas de rodapé, aspectos que os tornam tão distintos da ralé no caminho da verdade, e parem de ficar difundindo hoax de que “a Dilma foi grampeada” e de que está acontecendo um “golpe”. Aí ele, com sua conhecida voz pomposa de citar autores e autores para provar o que diz, começa o joguinho de adequar a realidade dobrando-a para que caiba nos moldes de sua instantânea argumentação. Ele passa a assumir que todos que caem nesses hoax estão a falar de “golpe de estado”; e ninguém fala de golpe “de estado”. Eu, pelo menos, que dedico umas duas horas diárias a ler os jornais, blogs e redes sociais para me manter antenado, nunca li alguém falando de golpe “de estado”. O termo “golpe” utilizado é muito mais complexo e profundo do que essa redução politico-jurídica. O golpe que se denuncia é a lenta canalhice da mídia e demais representantes das classes dominantes. O golpe é a carta roubada de Poe.

        Impressiona-me muito o quanto a visão de Idelber do dever do intelectual é limitada, como se o intelectual fosse um autômato positivista de uma espécie de ciências exatas da história.

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