Gostei muito do filme argentino Paulina. É oportuníssimo, ainda mais após o estupro coletivo que ocorreu semanas atrás no RJ. Paulina é filha de um conceituado juiz. Advogada militante, com um suposto “futuro brilhante na carreira”, ela decide abandonar os estudos para dedicar-se a um trabalho como professora no interior da Argentina. Diz que a situação é temporária. Sabe que isto pode lhe custar alguns anos de carreira, mas o idealismo a leva inevitavelmente em direção ao projeto. Ela vai, mas logo nos primeiros dias é atacada e estuprada. O primeiro ponto polêmico são os velhos argumentos machistas levantados durante a investigação policial, e apontados de forma clara pelo excelente diretor Mitre, como o questionamento sobre que roupa Paulina estava vestindo… O segundo é que a advogada descobre que não sabe manejar seus alunos. Na verdade, é surpreendida pelo comportamento deles. O terceiro é que ela mantém suas convicções e vai em linha reta. “Quando os envolvidos são pessoas pobres o Judiciário não procura justiça, mas sim culpados.” Creio que o único problema do filme é a própria Dolores Fonzi, a atriz que faz Paulina e que tem belos olhos, mas que, a partir de determinado momento, não parece mais movida por seus ideais e sim pela birra. Ela é muito inexpressiva e calada para uma militante que vai a campo, acho eu. Mas tal fato torna o filme ainda mais desconcertante e digno de discussão. Mais uma joia argentina.
Paulina é um remake. Aqui está o filme de 1960. Também argentino, com o mesmo título original (La Patota) e igualmente um filmaço. Mirtha Legrand, a Paulina de 1960, parece fazer uma atuação “mais inteira” do que Fonzi. O trabalho do diretor Santiago Mitre é excelente, mas, afora este fato, é útil para sairmos discutindo a questão. É impossível não falar sobre o filme após a sessão.
Sim, um belo filme. O que me chamou a atenção é a distância entre as classes, que não se reduz na base da boa vontade, dos programas e de teorias políticas. Paulina quer “conscientizar” cidadãos que já tem “consciências” em movimento, porém distantes da leitura ideologizada de que,m pode, afinal, se embrenhar no mato teórico das filosofias jurídicas e sociais. Mas a birra dela li, na verdade, como insistência no aprendizado não dos alunos, mas dela mesma diante de uma realidade que não se conformou às teorias, mas que precisa mudar para benefício de todos, tanto dos empregados mal pagos das madeireiras quanto das mulheres sujeitas à dominação masculina, e da sujeição de cada um à representação de papéis de acordo com a estratificação de classes, não havendo comunicação senão pela via da opressão, que impede a transformação da lógica social e mantém os poderes constituídos, com o suporte do Judiciário comprometido com o status quo.
Quanto a atriz, realmente ela não oferece uma máscara facial que de fato espelhe sua confusão interna nem com a inadequação em sala de aula nem com o revés do estupro. Porém serve à decisão de ter o filho do estuprador-mor, que negaria a seu noivo presuntivo. Penso ser uma metáfora da integração necessária, ainda que forçada, entre as classes, e também da condição feminina capaz de contornar a violência com um gesto afirmativo.