Do curioso linguajar dos pampas

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Gauchos chimarrãoCom a consultoria de Milton Saad

Vocês lembram do Analista de Bagé do Luís Fernando Verissimo? Pois a mãe de um amigo meu — crasso bageense — diz coisas muito parecidas. Conheci-o há uns 5 anos. É provavelmente a pessoa mais engraçada que conheço. Não faz aquele humor palhaço, seu humor é verbal e raramente usa o recurso da imitação. Acho que todos nós concordamos que todo humor é precedido por inteligência e capacidade de observação especiais. Ele as possui em doses cavalares. Um dia ainda farei uma antologia dele, porém hoje prefiro ir a Bagé tomar um mate com sua mãe, ainda moradora da cidade do analista. Enquanto a chaleira não chia, começamos a entrar no clima recordando o imortal Analista da cidade.

Luís Fernando Veríssimo:

Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vem de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar.

Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.

— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.

— O senhor quer que eu deite logo no divã?

— Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.

— Certo, certo. Eu…

— Aceita um mate?

— Um quê? Ah, não. Obrigado.

— Pos desembucha.

— Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?

— Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.

— Certo. Bem, acho que o meu problema é com a minha mãe.

— Outro.

— Outro?

— Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.

— E o senhor acha…

— Eu acho uma pôca vergonha.

— Mas…

— Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!

Agora, comparem as expressões de nosso analista com as da mãe de meu amigo. Entre parênteses, algumas observações minhas e dele.

— Para quem está se afogando jacaré é tronco (Sensacional! Fico imaginando o sujeito se afogando, passa um jacaré…).
— Tranquilo como sono de surdo!
— Calmo como cozinheiro de hospício! (Aqui há controvérsias, uns acham que é preciso ser muito calmo para aguentar aqueles loucos, outros – eu entre estes – acham que os loucos estão noutra e não dão importância à fome ou à pontualidade; daí, a calma).
— Mais pesado que pastel de batata-doce.
— Curto como coice de porco.
— Dei-lhe uma atrás da outra, como punhalada de louco (Esta é maravilhosa!).
— Perdido como cusco em procissão (Um clássico).
— Frio de renguear cusco (Parando para analisar, esta é sensacional. Renguear é mancar).
— Mais enfeitado que bidê de china (Em Bagé, bidê é o mesmo que cômoda. Chinas são originariamente todas as mulheres que não são sinhás, que são as donas de fazendas, mulheres dos senhores).
— Mais assanhado que bolicheiro de campanha (Bolicho é um bar que vende de tudo um pouco, mas principalmente bebidas. Dizem que quando não tem freguês, o bolicheiro vai para a calçada assobiar para todas as mulheres que passam; afinal, macho que é macho come qualquer uma).
— Isso é manotaço de afogado! (Perfeito! Resposta que se deve dar quando alguém não tem mais argumentos numa discussão e passa dizer quaisquer absurdos ou a ofender seus oponentes).

E o mais usado:
— Não tá morto quem peleia, já dizia uma ovelha no meio de quarenta cachorros. (Que macheza!)

Para terminar, vamos a duas do pai do meu amigo. Notem como o estilo torna-se sensivelmente mais grosso e anal…:

— Pomba que come pedra, sabe o cu que tem.
— Não sou lagoa para refrescar cu de pato. (Quando pediam dinheiro para ele).
— Mais perdido que peido em bombacha (Outro clássico).

Eu sou um gaúcho 100% urbano e portoalegrense, que nunca montou num cavalo ou morou no interior e que não gosta de chimarrão. O que faço escrevendo isso, meu caro Analista de Bagé? Seria um ato falho? Mereço um joelhaço?

Colaboraçães de Henrique Bente:

— Cavalo de pinguço sabe onde bolicho dá sombra (se não me engano, é uma das anotações do velho Adão, o pai do Analista de Bagé).
— Más assustado que véia em canoa.
— Más perfumado que mão de barbeiro.

E minha expressão favorita de êxtase:
— Feliz que nem pinto no lixo.

Colaboração de Gustavo Uriartt:

— Mais ligado que rádio de preso.

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64 comments / Add your comment below

  1. Sensacional! Lembrei de uma vez que conversei com a mulher do Yamandu Costa, violonista gaúcho aí de não sei onde e grosso como o quê, e ela uma boliviana criada na França, que aprendeu a falar português com ele (!). E então ela me contou que só depois de um certo tempo percebeu que, morando os dois no Rio, as pessoas estranhavam quando ela, com seu sotaque francês, soltava expressões para ela corriqueiras, como “Vamos encher o cu de trago!” quando o programa era tomar umas no boteco. E daí pra baixo. E sempre com aquela entonação típica ascendente. Bah!

    1. A expressão “Encher o cu” é de uso comum… (estou entregando o RS…)

      A família do Yamandu morava num ônibus. Ele é do Rio Grande. Ponto final.

      beijo.

    1. Qualé cara? Tu não sabes o que é cusco?
      Tá vivendo aonde cara? Daqui a pouco um deles se pendura no teu saco e então vais entender o que é um cusco…

      1. Claro que é cachorro! Mas não corta o meu embalo de implicar com o vivente que confessou que não sabe o que é isso… Coisa mais sem graça, cortar o barato dos outros. Só falta agora virar politicamente correto…

  2. Porra, Milton… Tu é um cara tão incrustrado no portoalegrismo que nem conhece o falar maravilhoso do Rio Grande do Sul! Aquilo que nos faz uns tipos dos mais interessantes entre a maioria da manifestação linguistica-cultural dos brasileiros!
    Ninguém fala essas coisas em Santa Catarina ou no Mato Grosso. Nem no Ceará ou no Sergipe… No Rio existe aquele falar urbano que muda de acordo com os modismos e novas aparições em cada fim-de-semana… talvez, Minas tenha um falar tão intenso como o nosso interiorano. Mas não vai muito longe as manifestações idiossincráticas das regiões brasileiras.
    Curioso é que não soubesses destas coisas. Deve ser essa mania que intelectual tem de desprezar as coisas que vem do povo… então quando descobrem, ficam maravilhados e de boca aberta! Como tu ficastes. Parecendo uma “barata tonta que cherô Flit”, como se dizia antigamente… Claro que mereces um joelhaço! Dos bem dados, e que acerte direitinho no meio dos bagos…

    1. Minha família é de Cruz Alta e é difícil achar quem conheça mais cidades do interior que eu. Pela linha de fundo, Jacó.

      Mas não gosto de chimarrão, nem da música regional e não me fantasio de bombachas. Gosto é da conversa. É irresistível.

      1. Pois então vou cobrar o tiro de meta…
        Também jamais usei uma bombacha, não aprecio a música do Rio Grande, se for tche music ainda é pior e dá vontade de vomitar,não entro em CTG nem sob a mira de um fuzil, tenho pena de montar em cavalo, acho o gauchismo uma calhordice reacionária, detesto o MTG, acho o tradicionalismo a coisa que mais contribui para o atraso do Rio Grande do Sul, acho que chimarrão tem gosto de mijo e churrasco de costela é coisa de pobre… mas, como tu, acho a charla do gauchês uma coisa maravilhosa. Ou como preferes, irresistível…

        1. bueno, tirando o fato de que nunca bebi mijo, nao tenho como te contestar no quesito chimarrao, que por sinal gosto, …nos demais, tamos junto

  3. Você deve conhecer o Carlos Moraes, que escreveu dois romances-memorialísticos ou dois romances-em-crônicas ou duas ficções-jornalísticas-com bases memorialísticas, sob os títulos Agora Deus vai de Pegar Lá Fora e Desculpem, Sou Novo Aqui (aliás, pode ter escrito mais um ou dois, mas só li esses que mencionei acima). O primeiro, principalmente, está repleto de expressões gauchescas, pois Carlos foi (?) padre em Bagé, onde nasceu, e o linguajar transcrito nos seus livros aproveita muito dessas composições divertidíssimas, mesmo no segundo, já ambientado em São Paulo, onde passou a exercer a profissão de… jornalista.

      1. Você gostará dele. Enquanto padre em bagé, foi preso pela ditabosta militar enquanto perigoso subversivo, e ficou na cadeia por um bom tempo; uma das peças do processo: andava para lá e para cá com uma camisa vermelha sob a batina; portanto, seria comunista. mas não: era torcedor do Internacional… Aliás, o livro tá repleto de piadas futebolísticas, principalmente relacionadas à contenda Grêmio x Inter. A linguagem é de crônica jornalística, mas em boa diversão acompanhada de alguma reflexão e outras questões pertinentes (questionamentos místicos, sociais, sexuais, sob o crivo do padre que anda a duvidar de sua vocação). Comece então pelo Agora Deus Vai te Pegar Lá Fora, frase que um meganha disse pro personagem à saída da prisão.

  4. Minha humilde contribuição:

    – Mais sério que cusco em chalana (cusco = vira-lata e chalana = canoa)
    – Mais folgado que peido em bombacha
    – Mais feliz que gordo de camiseta
    – Mais grosso que dedo destroncado
    – Mais grosso que moirão de retranca
    – Mais por baixo que barriga de cobra
    – Mais chato que gilete deitada

    E por aí vai …

    1. Alguém deve ter dicionarizado essas frases às quais vão sendo acrescentadas diariamente outras. Cada um conhece um grupo diferente delas.

      Abraço.

  5. Delicioso esse linguajar, puro e rústico, cru e rude, que penetra em nossos ouvidos como lâmina de gillette cortando fino sem doer, mas cortando. Imediatamente o cérebro dá forma à fantasia suscitada pelo dito e é impossível não sorrir pra dentro: pelo achado e pela surpresa do óbvio sobre o qual não pensamos, jamais. O regional se torna universal, basta umas claves como as que você deu. Por aqui se diz: “Carregar sogra pra passear é como carregar embrulho de velocípede”. Ou: “Chato como carregar saco de coco-da-Bahia”. E por aí vai. Ricos, somos ricos de linguagem.

    1. Grande Claudio! Essa da sogra é perfeita!

      Sou encantado pelos adágios populares. tenho até um dicionário, mas é muuuuito nordestino.

      Abraço.

  6. Genial, milton.
    como punhalada de louco é maravilhoso, verso pronto. Imagem linda!Eu ia dizer que tinhas que explicar o que é cusco mesmo, pq é muito regional.
    Adoro essas palavras que só quando a gente sai daí sabe que não existem para o resto dos falantes de portugues: “lancheria”, em vez de lanchonete, “baixar” hospital, em vez de internar (claro, pq se o cara vai “ter alta” depois, primeiro ele tem que “baixar”. KKKKKKKKKKK
    Na minha família tem uma utilíssima, além de grossiíssima:
    O que é um peido pra quem tá cagado?
    Aquele cara professor de literatura Luís Augusto Fischer que acho que já andastes malhando aqui, tem um livrinho chamado dicionário de gauchIes ou de Porto-Alegrês. Tenho aqui, mas tô cansada para procurar. Ali tem algumas pérolas como essa aqui igualmete grossa e escatológica:
    amigos de cagar de porta aberta
    Nunca tinha ouvido nos mesu 30 anos de vida em porto Alegre, mas é boa!
    Post sensacional! bjs, f

  7. Ah! tem uma outra horrível, dessa mesma categoria, muito, muito familiar:
    “comi até o cu fazer bico”
    KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

  8. – Sogra boa é aquela que mora perto o suficiente prá não vir de mala e longe o bastante prá não poder vir de chinelinho.
    – Sogra é boa que nem cerveja: gelada e em cima da mesa.
    – Sogro é igual a porco, só é bom depois de morto.

  9. Passei muitas férias na minha infância na fazenda de meu avô, em Bossoroca. E era motivo de troça entre os peões pelo sotaque urbano. Eles deviam achar que aquilo era coisa de veado.

    E com a licença do Jacó, “churrasco é costela, o resto é carne assada”.

  10. Bah, vocês deviam ouvir um pouco de música gaúcha. Aconselho Cenair Maicá.

    Tenho uma contribuição extremamente politicamente incorreta (já peço desculpas de antemão):

    – mais tranqüilo que mosca em tetraplégico.

  11. Muito bom! Só entendi mesmo por causa das legendas…

    Meu marido usa umas muito boas, do interior do Paraná. Uma vez cheguei até a anotar, porque elas são ótimas. Uma que eu adotei é “os quatis me pegaram” – pra expressar uma preguiça imensa. Porque quati, eu não sei.

  12. As comparações são uma herança hispânica. Os espanhóis estao sempre comparando.
    “Mais lento que o cavalo do bandido no fim do filme” é um exemplo.
    Acho que por isto o RS tem esta mania de comparar.
    Mais feio que surrar o pai com uma cueca KH.. suja, é outro exemplo.
    Mais nervoso que gato em dia de faxina. Existem diversos sites e blogs dedicados as comparaçoes.
    Os espanhóis tambem se cagam em tudo (aqui a gente se caga para alguem, regra ou algo).
    “Me cago en la leche” Me cago en diez” Me cago …” A única coisa em que náo se pode cagar, sob risco de morte: “Me cago en tus muertos” (em teus ascendentes)
    Aqui no RS “me cagar em ” aparece, mas a melhor é “to cagando e andando” quando não se importa com nada.

  13. Uma santa cagada ou uma cagada santa?
    A cagada é livre. Uma cagada muito corriqueira é se cagar para o que outro diz, especialmente sobre o cagao:
    “to me cagando para o que ele disse de mim”
    Outra comparaçao sutil é: “o que é um peido para quem já está cagado?”

    Agora as empulhadas (empulhas) sao o dia a dia de muitos. Tem lugares onde isto faz com que cada frase seja extremamente pensada, o que pode ser bom… ou nao.
    Esta semana apliquei uma velha: Dois amigos muito parecidos:
    Comentei a semelhança: Voces sao muito parecidos FISICo de um, FISICO de outro.
    Nem em pesadelos desejaria cometer ato sexual com qualquer deles, mas a empulhada faz muito gaúcho virar …[simbolo quimico do cobre]ZEIRO, mesmo que virtualmente.
    FAAAACA.

      1. E sempre aparece um quarto… eu fisico dos dois.

        Esta é típica de São Sepé, terra de mulher bonita e bicho-de-pé.
        -Bicho-de-pé?
        -Do que adianta ter mulheres belas e o bicho não ficar de pé.

  14. A paranóias das empulhas pode ser tal, que o empulheiro sabedor da resposta padrão da vítima já se prepara.
    Muitos gaúchos cortam a empulhada com um FACA!
    Pois o empulhador rapidamente lasca:
    – Se teu[simbolo quimico do cobre] fosse uma bainha de couro, meu pau seria uma?
    – FAAACA! –
    Feita empulhada.

  15. Caro Milton. Como já me penitenciei pelo atraso em chegar ao teu blog, não direi mais nada sobre este fato. Desembarquei nesta postagem pela curiosidade por nossas idiossincrasias, dos gaúchos entenda bem, e que boas gargalhadas para uma sexta-feira!!! Acho que devemos rir mais de nós para pararmos com esta “conversinha” de que somos o povo “mais… tudo”. Chega. Assumir a história é dar oportunidade para os saltos necessários à real maturidade. Um fraterno até logo e, nos presenteie com mais “pérolas” como esta. Dora

  16. Deixo uma colaboração.

    Mais grosso que parafuso de Patrola.

    Mais grosso que corda de amarrar navio.

    Mais sujo que chiqueiro de porco.

  17. Há uma duas expressões pouco polidas, se for o caso, apaga meu comentário, mas são bastante ditas na família da minha senhora.

    Quando alguém faz alguma bobagem grande: “Mas tem que dá o cu pra galinha beliscar!!”

    Quando alguém está “se achando”: “Fulano tá com o cu cheio de bolinha de cinamomo.”

  18. Uma das minhas expressões favoritas não foi citada: fulano é louco de dormir atado.

    E não é uma tradição morta. Sempre surgem ditos novos como: mais largado que mulher de argentino em posto de gasolina…

  19. BÁ, tem um monte mais:
    A coisa é feia e vem se debruçando.
    Mais grosso que porta de mosteiro.
    Idem, que dedo destroncado.
    O melhor mate é o que se toma solito y Dios. (Esse é de minha avó).
    Pensamento pior que o de china despeitada.
    E por aí se vai.

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