Uma ligação do Milton Saad

Uma ligação do Milton Saad

Me liga o Milton Saad para dizer que o Arerê é pura alegria, é Carnaval, é festa, é gente dançando feliz.

E completa dizendo que naquele “Um minuto de silêncio”, além de ser uma cópia dos argentinos, não se dança, não se comemora, nada. É fúnebre, denso, pesado, maldoso, fatal.

Nós não queremos ser fatais ou imortais. Somos colorados.

O Arerê é aquela alegria de ver alguém voltando para casa. Já o Minuto de Silêncio é para quando o Bolsonaro cair. O Arerê é para abraçar, o Minuto é para se despedir.

Isso diz muito, né, Saad?

Bom dia, Aguirre ou Futebol, futebol e (pouco) futebol

Bom dia, Aguirre ou Futebol, futebol e (pouco) futebol

O Inter venceu ontem à noite o Fluminense por 4 x 2, placar que não espelha a dificuldade do jogo, que estava 2 x 2 aos 90 minutos e que ficou 4 x 2 aos 93 e 95. Meio envergonhado com os olhares, o Inter está amamentando um recém-nascido espírito vencedor — o qual ontem não se abateu com o gol de empate do Flu aos 38 do segundo tempo.

Só os bons: Edenílson Cuesta e Bruno Méndez | Foto: Ricardo Duarte / SC Internacional

Aguirre também está conseguindo que o time não pare de criar chances de gol. Antes criávamos e desperdiçávamos, agora criamos e fazemos. Durante a época de desenfreado despilfarro, a sombra do Z-4 aproximou-se e eu tinha receio de que o time desanimasse de vez. (Sabemos que os times grandes que caem passam por esta fase de nervosismo, perdendo gols incríveis a cada jogo). Mas o fato é que fizemos 8 gols  contra 2 times nada ruins.

Deste modo, Aguirre e o departamento de futebol tiveram o mérito de umedecer o chão, fazendo a poeira baixar, de acalmar os ânimos de quem estava deslumbrado com a janela de transferências e de deixar o grupo respirar. Tenho certeza de que em nosso sorriso de hoje há boa dose de alívio.

Cuesta voltou a fazer seu jogo de grandes acertos e algumas falhas. Dourado e Lindoso estão cobrindo direitinho os avanços do argentino — que ontem deu os passes para os dois gols de Edenílson. (Aliás, Ed jogou demais ontem e já é um dos goleadores do Covidão 2021). Yuri se encontrou. Taison começa e voar. Bruno Méndez é um verdadeiro achado. Daniel é outro acerto. Só Moisés e Patrick não conseguem acompanhar os outros. Por que tu não escalas Paulo Victor no lugar do Moisés, Aguirre?

E afastaram o Galhardo. Bom jogador, só que um baita de um chato, basta olhar pra cara dele para saber que adora azucrinar.

Estamos com 21 pontos em 16 jogos. É uma campanha fraca (44% de aproveitamento), mas é ascendente.

E la nave va. Ainda não sabemos claramente para onde vai, só que não é para o Z-4.

.oOo.

Há exatos 15 anos, eu, meu filho Bernardo e o amigo Milton Saad fomos juntos ao Beira-rio. Tinha chovido durante o dia, mas parou de chover ali pelas 17h, enquanto nos deslocávamos para o estádio a fim de ver o Inter ganhar nosso primeira Libertadores. Ficamos horas na fila, mas como valeu a pena!

Dois causos daquele dia:

~ 1 ~

Meu sobrinho Filipe — na época um adulto de 22 anos e que assistia o jogo em outro local do estádio — não suporta a tensão e resolve “ver” o final da partida fechado no banheiro. Entra no malcheiroso recinto com o rádio a todo volume. Como consequência, vê saírem das privadas e de todos os cantos pessoas gritando para ele desligar aquela porcaria. O banheiro estava lotado.

— Aqui ninguém ouve rádio, caralho! Se quiser ficar com a gente, desliga!

Filipe desligou. Todos ouviam o som do estádio, esperando os gritos da comemoração do título. Sim, é uma espécie de seita da qual ignoramos a existência. Eles ficaram ali parados, os nervos à flor da pele, aspirando à vitória e a inolvidável fragrância de um banheiro masculino de estádio de futebol. (Nada como saber usar crases).

~ 2 ~

Eu pergunto para o Bernardo, no finalzinho do jogo.

— Dado, quantos minutos?

Ele consulta o relógio.

— 42.

Depois de meia hora e de uns duzentos ataques do São Paulo, pergunto novamente:

— Dado, quantos minutos?

Ele consulta o relógio.

— 43.

— Não pode, merda! Tu não sabe nem controlar o tempo, bosta!

(Como se mede o “tempo emocional”?).

15 anos. Saudades daquele dia.

Sim, Tinga fez este gol bem na minha frente

.oOo.

O Grêmio está louco para cair. Dei gargalhadas com a entrevista de Felipão após a partida. Segundo o mestre, o Grêmio tinha perdido porque não se esforçava nem cometia faltas nos momentos fundamentais. Interessante. Ele vive nos anos 90.

Fico feliz de ter previsto as dificuldades tricolores. Quem lê minhas bobagens, sabe que eu escrevi que Geromel, Rafinha, Diego Souza e Maicon completariam 36 anos neste segundo semestre e não aguentariam as exigências físicas do Brasileiro. O Grêmio conseguiu substituir bem Rafinha, mas Diego e Maicon sumiram e Geromel está Geromal.

É claro que nós desejamos a terceira queda, só que esse Campaz que eles contrataram é muito bom e pode acertar o time e enterrar de vez Jean Pyerre — o bom jogador que parece não querer jogar. Acho que, para livrarem-se do Z-4, eles precisarão ganhar mais ou menos a metade dos pontos que disputarão a partir de agora. É simples, mas sabemos como é. Quando estamos mal, até peido descadeira.

O Inter estava caindo e reagiu. Eles deram uma broxada violenta, daquelas que o cara até para de se mexer. Que permaneçam assim.

Quem tem medo de Felipão? | Foto: Sergio Barzaghi / Gazeta Press

Do curioso linguajar dos pampas

Do curioso linguajar dos pampas

Gauchos chimarrãoCom a consultoria de Milton Saad

Vocês lembram do Analista de Bagé do Luís Fernando Verissimo? Pois a mãe de um amigo meu — crasso bageense — diz coisas muito parecidas. Conheci-o há uns 5 anos. É provavelmente a pessoa mais engraçada que conheço. Não faz aquele humor palhaço, seu humor é verbal e raramente usa o recurso da imitação. Acho que todos nós concordamos que todo humor é precedido por inteligência e capacidade de observação especiais. Ele as possui em doses cavalares. Um dia ainda farei uma antologia dele, porém hoje prefiro ir a Bagé tomar um mate com sua mãe, ainda moradora da cidade do analista. Enquanto a chaleira não chia, começamos a entrar no clima recordando o imortal Analista da cidade.

Luís Fernando Veríssimo:

Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vem de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar.

Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.

— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.

— O senhor quer que eu deite logo no divã?

— Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.

— Certo, certo. Eu…

— Aceita um mate?

— Um quê? Ah, não. Obrigado.

— Pos desembucha.

— Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?

— Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.

— Certo. Bem, acho que o meu problema é com a minha mãe.

— Outro.

— Outro?

— Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.

— E o senhor acha…

— Eu acho uma pôca vergonha.

— Mas…

— Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!

Agora, comparem as expressões de nosso analista com as da mãe de meu amigo. Entre parênteses, algumas observações minhas e dele.

— Para quem está se afogando jacaré é tronco (Sensacional! Fico imaginando o sujeito se afogando, passa um jacaré…).
— Tranquilo como sono de surdo!
— Calmo como cozinheiro de hospício! (Aqui há controvérsias, uns acham que é preciso ser muito calmo para aguentar aqueles loucos, outros – eu entre estes – acham que os loucos estão noutra e não dão importância à fome ou à pontualidade; daí, a calma).
— Mais pesado que pastel de batata-doce.
— Curto como coice de porco.
— Dei-lhe uma atrás da outra, como punhalada de louco (Esta é maravilhosa!).
— Perdido como cusco em procissão (Um clássico).
— Frio de renguear cusco (Parando para analisar, esta é sensacional. Renguear é mancar).
— Mais enfeitado que bidê de china (Em Bagé, bidê é o mesmo que cômoda. Chinas são originariamente todas as mulheres que não são sinhás, que são as donas de fazendas, mulheres dos senhores).
— Mais assanhado que bolicheiro de campanha (Bolicho é um bar que vende de tudo um pouco, mas principalmente bebidas. Dizem que quando não tem freguês, o bolicheiro vai para a calçada assobiar para todas as mulheres que passam; afinal, macho que é macho come qualquer uma).
— Isso é manotaço de afogado! (Perfeito! Resposta que se deve dar quando alguém não tem mais argumentos numa discussão e passa dizer quaisquer absurdos ou a ofender seus oponentes).

E o mais usado:
— Não tá morto quem peleia, já dizia uma ovelha no meio de quarenta cachorros. (Que macheza!)

Para terminar, vamos a duas do pai do meu amigo. Notem como o estilo torna-se sensivelmente mais grosso e anal…:

— Pomba que come pedra, sabe o cu que tem.
— Não sou lagoa para refrescar cu de pato. (Quando pediam dinheiro para ele).
— Mais perdido que peido em bombacha (Outro clássico).

Eu sou um gaúcho 100% urbano e portoalegrense, que nunca montou num cavalo ou morou no interior e que não gosta de chimarrão. O que faço escrevendo isso, meu caro Analista de Bagé? Seria um ato falho? Mereço um joelhaço?

Colaboraçães de Henrique Bente:

— Cavalo de pinguço sabe onde bolicho dá sombra (se não me engano, é uma das anotações do velho Adão, o pai do Analista de Bagé).
— Más assustado que véia em canoa.
— Más perfumado que mão de barbeiro.

E minha expressão favorita de êxtase:
— Feliz que nem pinto no lixo.

Colaboração de Gustavo Uriartt:

— Mais ligado que rádio de preso.