Nosso terceiro dia em Berlim teve o grande auxílio do Bernardo como guia. Meu filho, que mora há um ano e meio na cidade, está mais do que ambientado na capital alemã. Foi um dia de voltas e mais voltas na neve. Ainda com algum sol, fomos até a Potsdammer Platz, importante bairro e interseção de tráfego no centro de Berlim. Fica a um quilômetro do Portão de Brandenburgo e do Reichtag, ao lado do Tiergarten. Para o lado do Tiergarten, temos os prédios da Filarmônica de Berlim.
A sala à esquerda é a chamada Kammermusiksaal, onde se apresentam os conjuntos menores de Música de Câmara. A da direita é Großer Saal, onde normalmente se apresenta a Filarmônica de Berlim. Nos dias seguintes, assistiremos concertos em ambas as salas. Tirei fotos do interior. Achei o prédio bem feio por fora, mas lindo por dentro. É um ousado e polêmico projeto de Hans Scharoun que já está na história da arquitetura moderna. O exterior lhe valeu apelidos como “Circo Karajan”, mas sua acústica e ambiente interno o tornam disputado por artistas e fãs da música. Sua construção foi finalizada em 1963, auge do igualmente polêmico titular da orquestra.
Depois, caminhando ao lado do Tiergarten, no maior frio, saímos em direção ao Memorial do Holocausto e do Portão de Brandenburgo.
No caminho, o nome de uma ídola nossa.
O Memorial do Holocausto (Holocaust-Mahnmal) é um memorial em Berlim dedicado às vítimas Holocausto, projetado por Peter Eisenman. Consiste numa enorme área coberta por 2.711 blocos de concreto. De fora, vê-se um campo ondulado de pedras retangulares com nada escrito. Os blocos são de 2,38 m por 0,95 m — parecendo caixões — e a altura varia desde 20 cm até 4,8 m.
De acordo com o texto do projeto de Eisenman, os blocos são desenhados com a finalidade de produzir intranquilidade, confusão e para que as pessoas se percam entre os blocos. É comum você ouvir uma pessoa chamando outra de seu grupo. Se você for com o filho pequeno pegue sua mão. Ele vai querer correr e… A escultura toda representa um sistema supostamente ordenado que perdeu o contato com a razão humana. O notável é que Eisenman não usou nenhum simbolismo explícito sobre o Holocausto.
Na segunda foto acima, Elena e Bernardo na parte mais profunda do chão ondulado do Memorial. Claro que eles sumiram por alguns momentos.
A foto acima e as duas abaixo,
mostram o Memorial visto da altura da rua.
É um monumento enorme e perturbador, impressionante e nada bonito. Parece simétrico, mas não é. Não é nem mesmo perfeitamente horizontal, apesar de que supõe-se que gostaria de sê-lo… Não creio que um judeu vá chorar vendo aquilo. Mas a sensação de erro é total. Trata-se de um original convite à reflexão.
Muito mais convencional é o Portão de Brandenburgo, ali ao lado.
Acima, a foto clássica do turista com cara de idiota.
Logo depois, o tempo fechou de vez. Começou a nevar e fomos nos abrigar nos cafés próximos. Depois, fizemos o caminho de volta ao hotel através da Ilha dos Museus
até chegar na Alexanderplatz, com sua enorme torre de TV construída pela DDR. Vejam como o tempo é maluco na cidade. Já limpou.
Fomos até a Alexanderplatz não para homenagear Alfred Döblin ou Fassbinder, mas para pegar o metrô de volta ao nosso hotel a fim de tomarmos um banho e nos preparar para a noite, quando conheceríamos o Piano Salon Christophori.
Como se pode descrever este lugar? O Piano Salon Christophori é uma espécie de garagem, na verdade uma ex-fábrica de pianos. Imagine uma garagem semi-abandonada. Imagine que ele seja utilizado como sala de concertos e centro cultural, decorada com parte de pianos penduradas nas paredes, quadros, cadeiras, velhos sofás e lustres pendurados por correntes.
A entrada era gratuita, hoje é paga. A sala dá espaço a nomes consagrados, mas também a jovens músicos. A curiosidade é que a bebida — vinho, cerveja e água — é livre. Com a copa livre, você pega sua garrafa, copo e vai ouvir música bebendo. Ninguém controla nada.
O fotógrafo ficou meio bêbado, apesar da linda modelo.
Naquele dia, assistimos um dos melhores concerto de toda a viagem, o do violinista suíço Sebastian Bohren — que tocava um Stradivarius — e do pianista Eric Schneider. O programa tinha:
Messiaen: Theme et variations
Bach: Partita II BWV 1004 für Violine solo
Busoni: Violinsonate Nr.2
Messiaen: louange à l’immortalité de jésus, aus dem Quatuor pour la fin du temps.
Para nossa decepção (ou não), Bohren deletou o Messiaen final, trocando-o por outro Bach. A peça substituta foi realmente linda, mas queríamos ouvir o movimento para piano e violino do Quarteto para O Fim dos Tempos. Fazer o que se violinista argumentou que era uma peça muito lenta para ser a última do recital?
Foi um grande recital. Bohren mostrou-se um notável, sensível e compreensivo intérprete, só que as fotos não eram permitidas durante a função…
Depois, mais um belo e animado jantar com o Bernardo num restaurante turco.
Boa noite,
Muito bom.