Um pássaro canta melhor na sua árvore genealógica.
JEAN COCTEAU
Dedicado a Ricardo Branco e Marcelo Backes.
Você olha para o teclado de seu computador ou para a velha máquina de escrever de seu avô e lê, no alto, à esquerda, abaixo dos dos atuais F1, F2… e dos números, a sequência QWERTY.
Até poucos dias, o americano Robert Qwerty estava esquecido. Seu estranho sobrenome é uma corruptela do alemão Kuerten que, por coincidência, é também o sobrenome de nosso mais notável tenista, Gustavo Kuerten, o Guga. Em 1874, Qwerty era um simples funcionário da Remington quando foi realizado um concurso interno para se saber como deveriam ser colocadas as teclas das máquinas de escrever que a fábrica pretendia produzir. Era importante criar um padrão. Resolvido a vencê-lo, Qwerty quis imortalizar seu nome pondo-o em posição de destaque. Fez mais, montou uma verdadeira árvore genealógica em seu teclado. Sim, a maioria das pessoas que teclam diariamente em seus computadores nem imaginam que homenageiam a família de Robert, passando delicadamente suas digitais sobre ele e sua ancestralidade. Analisando seus nomes, concluiremos tratar-se de uma família que perambulou muito pela Europa, principalmente a oriental e pela Escandinávia.
Vejamos: sob o nome Qwerty, vemos, à esquerda, as letras A e S, que são, coincidentemente, as iniciais de seu pai, Arne Saknussemm Kuerten, e de sua mãe, Anna Kuerten, née Seghers. Importante saber que o sobrenome Kuerten tornou-se Qwerty devido a um americano brincalhão, que ria do pai de Robert no guichê de imigração do porto de Nova Iorque no ano de 1857. O casal viera de Marselha após longa espera nesta cidade.
Mais abaixo, temos os nomes de apenas três de seus avós, pois seu avô por parte de mãe, Peter Schlemihl Seghers, ficou à sombra, para não repetir o S; ou seja estava atrapalhando seu neto. Ironicamente – fato que é hoje piada familiar -, Qwerty deixou o P de vovô Schlemihl lá do outro lado do teclado, bem longe dele. Mas desçamos um pouco no teclado a fim de conhecermos mais sobre seus avós.
A família Qwerty chega aos EUA. Robert está à direita, com o cão.
Os avós por parte de pai chamavam-se Zoltán Xzéperécki Kuerten (ZX) e Crysantemus Vrschtztwitsch Kuerten (CV). Pode ser que o nome polaco Xzéperécki soe algo rude a nossos ouvidos latinos, mas assevero que é extremamente belo naquela língua. Porém, para se pronunciar corretamente o primeiro sobrenome de vovó Crys, é necessário quase espirrar, coisa comum na fungante e fria Varsóvia de seu nascimento. O avô por parte de mãe era o já citado Schlemihl e sua mulher era Betina Nezvanova Schlemihl (BN), a preferida de Robert.
Observem a comprovação abaixo e comparem-na com seus teclados:
Qwerty………P
AS
ZX CV BN
É a árvore genealógica da família Qwerty!
Pois bem, houve o concurso na Remington e Qwerty não ganhou o primeiro prêmio. Este ficou com outro Robert, Robert Wise, o qual não deve ser confundido com o cineasta. Wise propôs um teclado alfabético, começando no A, indo deste para o B e daí para o C; uma coisa simples e, quem sabe, lógica. Qwerty argumentou contra este teclado com crassas mentiras. Dizia que uma nova ciência, a ergonometria, assegurava que sua ideia de distribuição de teclas era a mais confortável. Também disse que o afastamento entre as teclas mais utilizadas fariam com que o mecanismo emperrasse menos. Porém, na verdade, ficou furibundo ao ver contestada a tentativa de imortalizar sua família e passou a utilizar argumentos baseados na numerologia e na seção áurea (ou série de Fibonacci). A briga foi tão violenta que a direção da Remington colocou os dois querelantes juntos, a trabalharem numa mesma sala, até chegarem a um acordo. Um dia, Robert escreveu em sua máquina Qwerty:
Eu tenho uma mentalidade pacífica. Meus desejos são: uma cabana modesta, telhado de palha, uma boa cama, boa comida, leite e manteiga; em frente à janela, flores; em frente à porta, algumas belas árvores. E, se o bom Deus quiser me fazer completamente feliz, me permitirá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos nelas pendurados. De coração comovido eu haverei, antes de suas mortes, de perdoar todas as iniquidades que em vida me infligiram – sim, temos de perdoar nossos inimigos, jamais antes, porém, de eles serem enforcados.
Este parágrafo, roubado a Heine, obviamente não deve ser interpretado como a fumaça branca vinda do recinto onde os dois homens deveriam buscar um entendimento; este parágrafo, isto sim, abre-nos as portas para um terrível crime. O delito, conhecido agora como “O Crime da Remington”, acaba de ser revelado pela revista Newsweek, em sua edição de fevereiro de 2017: Robert, ao falecer, em 1957, declarou, em seu testamento, que apenas permitiria ter revelados fatos relativos a sua vida 60 anos após sua morte. E agora temos a explicação. Não, Robert Wise não morreu engasgado por um sanduíche após tentar dizer o segundo nome da avó paterna de Qwerty enquanto mastigava. Foi assassinado, conforme confessa Qwerty nos papéis de seu espólio.
Não vou incomodar meus leitores com narrativas sanguinárias e escatológicas. Procurem por mais detalhes na Newsweek.
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