Hoje pouca gente lembra — às vezes até eu tenho dificuldades de lembrar –, mas por décadas trabalhei como programador, analista de sistemas e líder de desenvolvimento de projetos na área de TI. Foi lá que descobri que há um perfil de pessoa que é muito irritante para quem quer um boa equipe: os que possuem hipersensibilidade para encontrar objeções e baixa iniciativa para propor soluções. Em um primeiro momento, é bom contar com esses chatos; afinal, eles nos auxiliam a corrigir rumos, mas depois, com o processo em andamento, tudo o que queremos são saídas para os eventuais buracos, não gente meio paralisada, reclamando. Chega sempre o momento em que apenas se resolve.
Penso nisso quando vejo a esquerda — trincheira a qual pertenço — ostentando faixas de “Nenhum direito a menos”. Todos os governos, inclusive os do PT, sempre se referiram à Previdência como uma bomba-relógio. Então tomo como premissa a obviedade que hoje alguns negam, ou seja, de que há um rombo crescente na Previdência. E aí é que entram os Reis da Simples Objeção. Esses objetantes não se dão nem ao trabalho de propor alguma alternativa, só de opor o argumento de “não quero, não aceito perder meus direitos”.
E há muita coisa que a esquerda poderia trabalhar no caso: por que não criar uma proposta alternativa que combata, por exemplo, as desigualdades que permitem que ricas entidades religiosas não paguem impostos, as castas de super-aposentados como juízes, milicos, políticos e… funcionários públicos, a falta de taxação de grandes fortunas, a moleza na recuperação de débitos de empresas com o fisco, as pensões incríveis associadas às filhas de militares (4 bilhões de reais só em 2015), etc.?
Não, nada de criar nada. Na Reforma Trabalhista, também não existe nenhuma contraproposta consolidada para, por exemplo, diminuir a desigualdade que só vai aumentar com a Reforma. Só o “Nenhum direito a menos”. Gente, o governo, ilegítimo ou não, está aí fazendo a festa de seus financiadores. Há que fazer política.
Bertrand Russell ficaria apavorado com o Brasil. Ele dizia que a política era o “conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados”. Aqui, o meio que a esquerda quer usar é o de bater o pé no chão. Acho que estamos é fodidos.
Bem, a Dilma tinha colocado propostas para uma Reforma da Previdência sem as maldades que aí estão, mas… a direita não quais nem saber, talvez porque a achasse tímida demais e quisesse impor o que está aí agora, que afunda ainda mais a Previdência e prepara o caminho para a privatização completa do sistema.
Li um texto do Delfim Neto em que ele afirmou não haver como receber as dívidas previdenciárias, pois tratar-se-iam (obrigado, Temer!) de dívidas incobráveis, por falidas as empresas. Vendo, porém, a relação de devedores da Previdências, temos Bradesco, Vale, Caixa e muitas outras longe, bem longe da falência. Então por que não se recebe desse pessoal? Há algum mistério profundo, um queira ou não queira nisso aí?
Reforma trabalhista, quando se fala, nunca é para incorporar o resultado das experiências nas tensionadas relações capital-trabalho no cotidiano. Ora se propõe acabar pura e simplesmente com a Justiça Trabalhista, ora um regime semi-socialista que não incorpora os trabalhadores na gestão enquanto dever, só na gestão enquanto direito à participação nos lucros.
Sou de esquerda e vejo que as relações entre capital e trabalho só tem uma solução: a extinção das relações entre capital e trabalho… pela via revolucionária. O que quer dizer na prática: não tem solução.
Chegamos então nesse ponto: como a esquerda de fato pode propor algo em meio às relações de poder do capitalismo globalizado quando o que ela pretenderia de fato seria a extinção do modus operandi do capitalismo globalizado? Resta então propor a Revolução Mundial. Por irrealizável, consagra-se a esquerda na defesa dos direitos dos trabalhadores, mitigando-lhes as misérias. Realpoliticismo, né?
Por fim, ouvir a Cantata do Café ajuda a acabar, por uns minutinhos, nosso sofrimento, não só pelo fato de viver no Brasil, mas nesse planeta, sistema solar, galáxia e infinito que não nos cabe, somente a morte e viver vidas carentes de propósito e sentido. Vidas carentes de propósito e sentido? Oba!