Um breve momento entre deuses: Hobsbawn, Bolaño e Pasolini

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A causa a que devotei boa parte da minha vida não prosperou. Eu espero que isto me tenha transformado em um historiador melhor, já que a melhor história é escrita por aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam que a história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam por que tudo foi diferente, e esta é uma questão muito mais relevante.

ERIC HOBSBAWN na contracapa do livro “Pessoas Extraordinárias”

Então, o que é um texto de qualidade? É o que sempre foi: ou seja, enfiar a cabeça no escuro, saber saltar no vazio, sabendo que a literatura é basicamente uma profissão perigosa. É correr ao longo da beira do precipício: de um lado do abismo sem fundo, de outro, os rostos que você ama, os rostos sorridentes que você quer ver, e livros, e amigos, e comida. É aceitar essa evidência, embora, por vezes, pese mais a laje que cobre os restos dos escritores mortos. A literatura, como diria um andaluz, é um perigo.

ROBERTO BOLAÑO

O futebol é a última representação sacra de nosso tempo. No fundo é um ritual, mesmo que seja um passatempo. Enquanto outras representações sacras, até a missa, estão em declínio, o futebol é a única que nos restou. O futebol é o espetáculo que substituiu o teatro.

PIER PAOLO PASOLINI

Abaixo, um “.gif” de Pasolini jogando futebol e uma foto de sua squadra:

Pasolini é o primeiro em pé, à esquerda. O time é o do Casarta, de sua cidade natal, de mesmo nome, na região Friuli.

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11 comments / Add your comment below

  1. A que uma possível pretensão de vida espiritual se reduziu em nós, ditos muito apropriadamente de “homens modernos”, com o futebol como “a última representação sacra de nosso tempo”. Que mundo desgostoso de se viver onde as opções de culto restantes a um menino numa manjedoura ou um homem desnudo pregado numa cruz se restringe a um exercício de macheza tribal cujo mérito a ser alcançado é atirar uma esfera de couro numa rede, para desconcerto enfurecido do exército oposto. Um novo livro sagrado onde se lerá a repaginação do conformismo, “dai a Miranda o que for de Miranda”, e que numa época de crise o time de Kaká seja abençoado com a bonança para contratar nosso predestinado por milhões de dólares.

    E o cérebro privilegiado do velho Hobsbawn, do alto de suas oito décadas de existência, anunciando os tempos negros que temos pela frente no capítulo final de sua grande biografia do século XX. E Jared Diamond, em seu Colapso (que deveria ser uma cartilha para colegiais superinteligentes), fazendo um contraponto geográfico ao vaticínio de Hobsbawn, dizendo que a única preocupação dos abastados é se isolarem em condomínios de luxo do resto da gentalha comum, o que conseguirão o tributo duvidoso de serem apenas os últimos a morrerem.

    Eu dispensaria o carinho. Um soco no estômago ou um tapa na cara é muito mais efetivo na reanimação do anestesiado.

  2. Há uma velha história. Certa vez, perguntaram a Louis Armstrong porque ele gostava de jazz. Ele deu a mais genial das respostas:

    — If you gotta ask, you`ll never know.

    Se você precisa perguntar, jamais saberá. É isso mesmo. O mesmo vale para o futebol. Quem não participa, jamais saberá.

    É absolutamente inútil combatê-lo, Charlles. Ele é enorme e é claramente uma representação de todos nós para os que o amam com alguma reflexão. E nele há todo o conformismo e o inconformismo do mundo. Simples assim.

  3. Mais: falar em macheza no caso de Pasolini? Falar em macheza quando 25% dos assistentes de jogos no Beira-Rio já são mulheres? Falar de macheza quando Richarlyson segue desfilando — e jogando bem — no SP?

    Olha que não é bem isso…

    1. Eu sei, paixão é paixão! Não é meu objetivo combatê-lo, quem sou eu. Só acho que algo se perdeu há muito e os sinceros aficcionados se apegam a uma nostalgia romântica como se não fosse nostalgia, mas verdade. Achei corajoso e esclarecedor um post recente do Grijó sobre isso. É, macheza talvez não seja o termo correto: também tem os travestis do ronaldo, e aquela famosa cena de comemoração de jogadores se jogando uns sobre os outros, e um dedinho flagrado entrando onde não devia.

  4. “Os vencedores pensam que a história terminou bem porque eles estavam certos” – acho que não: eles sabem que a história não terminou e eles não estão certos só que, para eles, é melhor vender o peixe desse jeito, porque assim eles continuarão vencendo sobre 80% de perdedores, e é´isso que importa para eles;

    “La literatura básicamente es un oficio peligroso” – mais ainda quando você escreve isso ou “viver é muito perigoso” e ainda te chamam de gênio… Bah, bobagem, para um amador como eu literatura é diversão, mesmo que eu esteja ocupado, por exemplo, a narrar um srime ou um estupro, e para um profissional o risco a correr é perder os leitores, a respeitabilidade e tudo que o permite escrever e viver disso. Às vezes a gente diz umas obviedades e passa por babaca, mas se somos celebridades, periga neguinho repetir infinitamente nossas frases, mas, ó, credita, porque se não creditar passarás por tolo;

    Pasolini: ele entendia como qualquer um que jogou e gosta de ver futebol que este jogo, especialmente, põe em campo um sem número de idéias e potencialidades humanas, como ritualística lúdica que agrega os jogos de guerra (dessa parte eu não gosto), o teatro e a dança (bem melhor) e as especulações do talento acerca do tempo, do espaço e do sentido das coisas.

    Mas falando de Pasolini, vi um filme sobre ele intitulado Um Mundo de Amor, italiano (infelizmente nunca passará no Brasil), abarcando o período em que ele, professor de escola pública, foi jubilado após processo que o acusava (com provas, é claro) de pederastia. Isso terminou por ser uma sorte incrível: sem emprego, mudou-se para Roma com a mãe, e lá arranjou um bico na Cinecittà. O resto a gente já sabe. O que eu não sabia é que ele, além de jogar futebol, demonstrava um certo estilo para a coisa. Não?

  5. Toda vez que me olham de “cima para baixo” (e no meu caso é fácil …) porque gosto (muito) de futebol respondo que Nelson Rodrigues, Chico Buarque e Eduardo Galeano devem ser burros. Bom, agora vou agregar mais um a minha lista, Pier Paolo Pasolini….

    1. Ih, Dario, a lista é GRANDE. A propósito, sabias que Shostakovich gostava de jantar com o goleiro do Dínamo de Moscou, seu time? Sim, Lev Yashin.

      Shosta era “adepto” fanático, como dizem os portugueses.

  6. Sou do tempo de Mané e Pelé. Meu ídolo: Mané. Mas… Mané morreu em vida… E Pelé sempre foi além da morte…
    Meu último grande sofrimento futebolístico: a Copa de 82. Se jogássemos 100 vezes, ganharíamos 99! Mas perdemos justamente aquela que não se podia. Às vezes a vida é assim…
    Embora corintiano, vibrei muito por Telê quando do título mundial pelo tricolor do Morumbi: lavei a alma junto com ele; foi uma bela bofetada na ignorância subdesenvolvida que, infelizmente, ainda habita o Brasil. Vibrei com o Flamengo de Zico e com o Cruzeiro de Tostão. Admirei Falcão e aquele Inter da década de 70. Amei Reinaldo do Atlético.
    Por outro lado, sempre me deu asco a soberba do Renato gaúcho e aquela do Maradona.
    O melhor Corinthians, o de Sócrates; mas não chegou nem perto do sagrado-Santos-de-Pelé. Quando o Peixe foi campeão mundial – batendo o Milan- fiquei feliz, sendo corintiano: coisas da arte milagrosa do futebol.

  7. Neruda também colocava a poesia como algo perigoso, revolucionário, uma paixão e uma obrigação para com a humanidade. Nunca consegui ver a poesia e/ou a literatura dessa maneira. Talvez porque eu veja de fora ou talvez porque o que na verdade ele chamava de poesia era um espírito revolucionário próprio de algumas pessoas, não necessariamente poetas…

    Gostei muito da frase de Hobsbawn. Por algum motivo inconsciente, me fez lembrar de Bourdieu.

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