Certa vez, em Pelotas, eu ia dar uma palestra para um grupo de alunos junto com um professor da Unisinos. Ele fora dirigente do PCB, viajara para a URSS várias vezes, estudara lá, etc. Quando ele soube que minha mulher era bielorrussa e não viera “através da internet”, mas concursada e aprovada por sua competência como musicista, logo me disse: “Nossa, deve ser dureza”. Eu logo entendi que ele estava se referindo ao fato dos russos serem diretos diretíssimos, de dizerem o que acham na lata. Às vezes, no começo, a Elena me assustava. É incrível que nossa sociedade, tão violenta, tenha dificuldades para ouvir opiniões francas. As pessoas, eu incluído, parecem não reconhecer o bom espírito por trás da franqueza. Por exemplo, ela foi a única pessoa que criticou minha palestra no StudioClio, tão elogiada pelo restante das pessoas. Ela disse que o conteúdo fora ótimo, mas eu estava fora inteiramente do meu normal, sério demais, destituído de humor. E disse isso logo após a apresentação, sem preparação ou delongas. Agora já me acostumei. Aprendi a gostar disso e também de apreciar o pasmo dos outros quando ela emite uma opinião daquelas, dizendo BEM o que acha, sem políticas nem voltinhas.
É. Eu adoro ela.
Q u e r i d o, não sabia que te assustava tanto…você engana bem, hein! ??
Eu lembro daquela cena de Leviatã na qual o homem diz para sua mulher:
— Eu te amo.
E ela responde:
— Eu sei.
🙂
Resolvi compartilhar o texto do Milton Ribeiro (com a permissão dele, lógico) sobre a absoluta franqueza com que sua amada Elena, bielorrussa, lhe diz as coisas na lata, sem subterfúgios. Isso, pra mim, tem um nome – aliás, vários: franqueza, honestidade, respeito pela pessoa com quem conversamos e espera uma opinião verdadeira de nós – supostamente fala-se assim para ADULTOS. Até hoje, fico me sentindo mal com a reação a algumas respostas que dou a pessoas muitas vezes muito chegadas, que me conhecem há décadas, privam da minha intimidade – inclusive dentro de casa – e sinto que esperavam de mim ouvir outra coisa: seja sobre música, filmes, até o comportamento delas mesmo. Não sou dono da verdade, nem juiz de ninguém, tenho milhões de defeitos e falhas etc. etc., mas se gosto, respeito a pessoa e ela me pergunta uma coisa, digo o que eu acho, com honestidade – o que pra mim é uma prova do respeito (e amor em alguns casos) que sinto por ela. Não consigo, simplesmente, dar ‘migué’, falar o que não acho só pra agradar, até porque sou terrivelmente transparente, minha cara me contradiz – e acho que o contrário disso é tratar o interlocutor como criança, e aí então não contribuo em nada, tô prestando um desserviço à pessoa que confia em mim. But anyway, vivemos em uma sociedade muito melindrada e as pessoas se magoam com facilidade. Paciência. Eu juro que só pretendo ser honesto e quero, de fato, o melhor pras pessoas. Sem julgamentos, mas com franqueza. Love You all, people.
Sinto que a franqueza ali descrita pode ser acariciada pela desculpa cultural. Isso não deixa de ser uma benevolência que as brasileiras francas e diretas não têm. Sorte a dela! Não é fácil para uma mulher brasileira falar o que pensa sem ser repreendida, ainda que veladamente e até mesmo no seio familiar.
Subjacente a tudo há um problema cultural quase crônico. A escala axiológica do brasileiro gradua a hipocrisia acima da franqueza, por mais cordial que esta se apresente.
Pois então! Sou simpática ao levante da franqueza, se trabalharmos na assertividade e praticidade, quando blá-blá-blá seria evitado, de consequência o tempo e assim vivemos mais 🙂
Não há nada melhor do que uma pessoa que se acha possuidora de juízo crítico ser esculhambada por outra que de fato possui juízo crítico…
O Veríssimo nem conhecia a Elena e já tinha escrito um poema em que descrevia a ela e a ti.
“Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo.”
(Tu e eu – Veríssimo )