Li este livro após enorme insistência do meu amigo de Fortaleza Heitor de Lima, o Rei do Inbox Literário, que só conheço das teclas. É claro que, após a grande propaganda, minha expectativa era muito elevada. Oz não negou fogo, pelo contrário. No início, achei que estava lendo um Dickens moderno, um escritor dedicado a contar uma autobiografia detalhada, uma história familiar que acabaria — isto não é spoiler, está na contracapa e o autor reafirma a cada momento o que acontecerá no final — com o suicídio da mãe de Oz. Os avós, os tios, suas vidas na Europa, a nova diáspora ocorrida antes e durante a 2ª Guerra Mundial, tudo é contado com riqueza de detalhes.
A prosa de Oz é tão viva e humana que o desespero explícito dos filmes de judeus de Hollywood é um item menor em relação à vida interior dos personagens. A tristeza, mesmo o suicídio da mãe, vem digna, sem exageros. O sofrimento é autenticamente judeu, contado sempre com um humor levemente auto-depreciativo. O livro é um sinfonia. Tem momentos de enorme pesar e outros hilariantes. Oz é um mestre. Humor, drama e fatos familiares de então e de agora estão misturados de tal forma que tudo me pareceu potencializado, muito sensível e vivo, mas sem jamais cair na pieguice de um Dickens.
O livro foca a relação de Oz com os pais e as famílias paterna e materna. Vista pelos olhos da criança, as decepções da mãe — uma mulher linda e brilhante do ponto de vista intelectual — e a figura do pai — um erudito árido e chato, espécie de fracassado dentro de uma família com meia dúzia de escritores de peso em Israel — são descritas em pinceladas incompletas, de uma forma onde o leitor compreende o todo por sua própria vivência. Como pano de fundo, está a formação do estado de Israel, fato que encanta o pai de Amós e é visto com indiferença pela mãe.
A autobiografia de Oz é interessante também porque sua vida é muito distinta do comum. Dois anos após a morte da mãe, com apenas 16 anos, Oz saiu de Jerusalém, abandonou a futura carreira de escritor que todos os Klausner — família do pai — previam e foi viver em um kibutz, largando de vez o pai para tornar-se um “um homem do campo”. Mesmo que Oz não fale muito mal do pai, fica claro o motivo pelo qual ele muda o seu sobrenome de Klausner para Oz.
As desajeitadas aventuras sexuais do adolescente também são contadas com especial cuidado e talento. As coisas dos meninos estão lá.
(Já comecei a ler um outro livro hoje, de um escritor gaúcho. Ele logo dá duas opiniões políticas gratuitas e faz uma mal disfarçada autopromoção. Acho melhor voltar a um escritor de virtuosismo arrebatador como Oz. Após mais de 600 páginas de prosa inteligente, bela e modesta, é triste voltar a nossa realidade. E que elegância Oz demonstra em suas considerações políticas sobre Israel!).
Mas Oz é filho de pai e mãe. Afinal, tornou-se o grande escritor que os Klausner prognosticavam e sua relação com a mãe é fundamental. Sua morte marcou as escolhas de Amós de uma forma decisiva. Se numa primeira fase a revolta fez com ele fugisse da literatura, o tempo encaixou os ensinamentos de uma família que se entregava à cultura com intensidade. Também é sugerido que a mãe virou suas opiniões políticas para a esquerda.
A elegância e o perfeito senso de estilo de Oz estão por todo lado. Aqui vou dizer, ali omitir.
O final, que não contarei, é de extrema simplicidade, é comovente, curto e exato. Oz escolhe um lamento, um apelo, um rogo inútil e impotente que torna complicada a leitura das últimas linhas com aquelas letras dançando enquanto a gente tenta se controlar.
De Amor e Trevas é grande literatura. Recomendo fortemente.
Livro comprado na Bamboletras.
Terminei Judas, pela recomendação do teu amigo (obrigada!). Também gostei muito e agora estou na dúvida se sigo uma cruzada Oz até o fim dos 4 que baixei ou se dou chance a outros.
Então foi o Heitor! Esse cara vem fazendo um verdadeiro terrorismo nas contas de seus amigos inbox em favor de escritores como Oz. Fez-me ler tudo do Nabokov e depois me fez tanta tortura psicológica que eu tive que ler Oz. E valeu a pena. Oz é o escritor mais soberbo que eu descobri na última década. Recomendo fortemente que você leia Judas, a meu ver superior à autobiografia, e depois Fima, que também é uma aula de escrita sofisticada sem igual. Você falou uma palavra aí em sua resenha que desde o início eu identifiquei em Oz_e comentei largamente com o Heitor: a modéstia de Oz. Ele escreve como se fosse para si mesmo, sem exuberância, sem que nos jogue em cima o peso de sua inteligência. Em muito se compara a Bellow _ falo de seus romances serem romances ensaios_, mas ele não nos faz sentir incomodado pela virtuosidade enciclopedista de Bellow. Só não gostei de Caixa Preta, que, pelo que Heitor disse, eu sou o único no mundo que afirma isso. A Caixa Preta me pareceu bem menor e fraco. Estou com mais uns cinco dele engatilhado para ler até o final do ano.
E o terrorismo continua! Charlles, trate de ler Uma certa paz. E Milton, Judas tem de ser seu próximo Oz. Fico realmente feliz em trazer grandes leitores como vocês para um escritor tão querido. Oz é um poema de Whitman, uma casa firme nos dias turbulentos. Tratar de conflitos como os de Israel/Palestina de forma tão terna e singular. Escrever sobre o ser humano com uma poetica tão verdadeira. Oz é um gigante mesmo.
E não esquecer do admirável “O Mesmo Mar”, que me despertou atenção pela sonoridade do titulo (em portugues e ingles) e me conquistou pela pungência do texto poético.