“Critico uma versão específica da política identitária que é performática em suas demonstrações de consciência social. Não gosto particularmente porque é um grupo muito inclinado a censurar, a atacar em bloco indivíduos. Odeio isso. Ao calar seus inimigos políticos, eles calam também o dissenso dentro da própria esquerda e é este dissenso que sempre fez a esquerda ser vibrante intelectualmente. São os questionadores que evitam que a ideologia se fossilize porque nos obrigam a repensar. Mas suas vozes foram caladas.”
Angela Nagle
E o vento levou… (Gone with the wind) foi banido de um cinema em Memphis (Tennessee) por veementes protestos relacionados a questões raciais. O filme seria racista. Bem, na verdade é mesmo racista. Por outro lado, o site de pesquisas de opinião pública YouGov, fez uma pesquisa em 2014 e chegou à conclusão de que o filme é considerado “muito bom” ou “um dos melhores” por 73% por cento dos negros dos EUA. Outros 14% acharam o filme “legal, bacana” (“fair”). Só 13% desgostaram do filme e 0% disseram que E o vento levou é “um dos piores”. Ou seja, o racismo não chega a chocar ou prejudicar a avaliação do filme. São números.
O fato que me chama muitíssimo a atenção é que — como acontece provavelmente no caso de Memphis — há pouco em comum entre alguns movimentos identitários e as populações que eles buscam representar. Há minorias que gritam estridentemente e são lidas como maioria, só que não são. O som que fazem parece ser audível apenas para seu gueto.
Há muito fanatismo nas redes sociais e o fanático não presta atenção a nenhuma complexidade ou nuance. Ele sai reclamando, se vitimizando e linchando. Como escreveu Amós Oz, “Nunca vi um fanático com senso de humor ou então alguém com senso de humor se tornar um fanático. Humor é a habilidade de rirmos de nós mesmos, e, quando podemos fazer isso, desenvolvemos uma noção de relativismo”. Eu jamais conseguiria imaginar um desses linchadores pró-ativos das redes rindo de seus enganos.
E cada vez mais tenho certeza de que certos movimentos falam só para si mesmos. É como se as pessoas ficassem asseverando e parabenizando uma a outra pelo fato de estarem do lado certo. Como Thomas Bernhard, formam um acúmulo de argumentos imoderados que às vezes fazem rir quem está de fora, mas que são capazes de destruir psicologicamente a vítima. São gritalhões desagradáveis a apontar fatos que podem até ser justos, mas cuja forma de abordagem parece inaceitável ao receptor da mensagem.
Dia desses, ouvi um sujeito dizer que não poderia publicar um elogio a uma carne que comera porque seus amigos veganos poderiam postar vômitos em resposta no Facebook. Ele tinha medo da minoria gritona.
O recente e lamentável fato do estupro de Clara Averbuck nos dá um caminho que não é geral, mas que serve de exemplo de uso de inteligência. Lá no fundo do cenário do caso, ficou bem distinta a dignidade de Clara ao não provocar um linchamento. Conheço Clara desde os tempos de glória dos blogs, ela tinha um muito louco e bom. Ela poderia fazê-lo, mas não divulgou o nome do escroto abusador e nem a placa do carro. Ao contrário, promoveu uma hashtag chamada #MeuMotoristaAbusador fazendo com que muitas mulheres narrassem os abusos sexuais que sofreram em transportes. Infelizmente, é muito comum e violento.
Ou seja, ao não dar o nome, foto e placa de seu agressor, Clara evitou a catarse de um linchamento militante cheio de ofensas e sem nenhuma direção que não seja a aniquilação do inimigo da hora — e onde até ela ficaria mal-vista em razão da batalha — para dar lugar a narrativas onde… Olha, aprendi muita coisa lendo os relatos.
Sobre E o vento levou… Um monte de gente que desconhece o filme deve estar assistindo-o só para procurar racismo nele. Certamente vão encontrá-lo, mas passarão boas horas vendo um filme de narrativa envolvente. No futuro, lembrarão mais dela. Sim, a realidade é cruel, mas cumpre respeitá-la.
Recentemente, estudantes de uma universidade em SC fizeram um abaixo-assinado contra um CURSO de cinema sobre filmes de faroeste. O futuro, aparentemente, é dos censores. Rastejamos por séculos e séculos de censura, em busca de liberdade, para finalmente voltarmos a ela de joelhos.
Está havendo uma revisão histórica da visão que os EUA tem dos confederados.Várias cidades americanas do sul tem a estátua dos soldados confederados em suas praças.São guerreiros valorosos e galantes que se sublevaram sem uma causa muito bem definida.Na verdade eram supremacistas brancos, racistas e escravocratas.Este é o significado da bandeira sulista.O livro e o filme são propaganda dos confederados.É um puta filme, mas é racista. Nosso Pedro II foi um dos primeiros a reconhecer os estados confederados. Acolheu alguns. Foram para acidade de Americana em São Paulo. Rita Lee é descendente deste povo.
“A realidade é cruel, mas cumpre respeitá-la.”
Excelente frase, Milton. Considerar “E o vento levou…” ou “O sítio do pica-pau amarelo” racistas é ignorar o contexto que retratam.