Ainda bem que a temperatura caiu nos últimos dias em Porto Alegre. Na semana passada, quase todas as pessoas com as quais eu mantive contato estavam irritadas, muito irritadas e cansadas. Vivíamos sob 37 graus e sensação térmica de 46. Os antigos narradores de futebol falavam em “temperatura senegalesca”, o que revela que os narradores de antes eram tão desinformados quanto os de hoje, pois, se a temperatura do Senegal chegasse aqui, seria uma dádiva a ser saudada por qualquer porto-alegrense.
Saibam que o Senegal é um país de clima muito agradável. Tem, basicamente, duas estações. Uma estação seca de novembro a maio, quando nunca chove e as máximas ficam entre os 23 e 25 graus. A outra estação é úmida e mais quente: de junho a outubro há alguma chuva, principalmente no sul do país. A média das máximas fica em 29, 30 graus.
Então, meus filhos, quando a coisa estiver insuportável por aqui, não fale em temperatura senegalesca e pense em Dakar como um bom destino. Ah, prepare algumas frases em francês. Ou em uolofe.
A 100m de onde eu trabalho há um camelô sempre lendo o mesmo livro. Em árabe. Desconfiei que era o Alcorão, mas levou meses até minha curiosidade vencer a inibição e eu decidir perguntar. O livro é mesmo o Alcorão. Ele é senegalês. A maioria do país é muçulmana. Está há cinco anos no Brasil. Fala mal o português. As pessoas o tratam “mais ou menos”. E não, no Senegal não é quente assim. Não. Não mesmo.
Ele sumiu do mapa durante os dias de sensação térmica superior a 40°. Temi que tivesse derretido, mas ontem estava de novo a postos, com seu livro e seus produtos quase originais. Ainda não perguntei, mas ele deve estar sonhando com o verão senegalês.
Sendo o único lugar do mundo a ter essas temperaturas em uma latitude tão alta, a depressão central do Rio Grande do Sul talvez seja a mítica porta do inferno. Pelo menos isso explicaria a concentração de demônios com orgulho de ser gaúcho.
Pelo menos isso explicaria a concentração de demônios com orgulho de ser gaúcho. Perfeito.