Parte I – Ascensão
Desejo fazer um registro histórico do que aconteceu com o Internacional desde julho de 2004 até sua atual decadência. Minha intenção é tentar entender e explicar como o Inter chegou a Campeão da Libertadores – seu auge como time de futebol -, a Campeão Mundial – já em decadência técnica -, até chegar à situação superavitária e sem perspectivas futebolísticas de hoje, apenas vinte meses após sua maior conquista. Escolho a data de julho de 2004 para iniciar minha análise e, especificamente, o Gre-Nal do primeiro turno do Brasileiro daquele ano, pois foi ali que Fernandão estreou, marcando o Gol 1000 em Gre-Nais.
Até 2005, o Inter passou mais de quinze anos como o nono ou décimo time do país. Chegamos ao segundo lugar em 1997 e quase caímos para a segunda divisão em 1999 e em 2002, mas, em média, sempre ficávamos por detalhe fora dos oito classificados para as finais do Campeonato Brasileiro. Lembram que os gremistas diziam – com razão – que nadávamos, nadávamos e morríamos na praia? Foram muitos anos nesta situação de décimo time brasileiro. Tinha para mim que, apesar de nossa colocação do ranking da CBF, era torcedor de um time mediano. Hoje, não por coincidência, estamos na 11ª colocação.
Porém, naquele ano de 2004, o presidente Fernando Carvalho – maior criador e vilão desta história – iniciou uma pequena revolução. Tendo recebido em 2002 um clube com R$ 50 milhões em dívidas e sem jogadores, ele finalmente estava conseguindo manter os credores tranqüilos e começava a tomar atitudes anormais em uma instituição tão pacata como a nossa (e não por desejo da torcida!). Sem grande alarde, Fernando Carvalho seguiu vendendo nossas revelações jovens (Nilmar, Daniel Carvalho, etc), porém, do outro lado, principiou a montagem de uma equipe com jogadores de mais de 25 anos, com experiência na Europa e que, afinal, eram diferenciados ou, no mínimo, experientes.
A equipe que recebeu a contratação de Fernandão naquele Gre-Nal de julho de 2004 não era nada extraordinária: Clemer; Sangaletti, Wilson (Fernandão, int.) e Vinícius; Bolívar, Edinho, Marabá, Élder Granja e Alex; Rafael Sobis (Dauri, 43/2) e Danilo.
Os colorados sabem o quanto é curioso ver Bolívar na ala direita, Elder Granja no meio de campo e Alex na ala esquerda, mas era assim. Fernandão, fato hoje esquecido por muitos gaúchos, fracassara na Europa, rolando de um time francês para outro (Olimpique, Toulouse, Paris St. Germain…), mas chegou jogando demais em Porto Alegre. Seu segundo semestre de 2004 foi espetacular.
Mesmo assim, no Brasileiro de 2004, o Inter manteve sua característica de ficar lá pelo 8º e 10º lugares. Porém, ao final da temporada, quando foi desclassificado pelo Boca Juniors na Copa Sul-americana, o time-base já tinha uma cara mais reconhecível: Clemer; Wilson, Edinho e Sangaletti; Élder Granja, Marabá, Gavilán, Fernandão e Chiquinho; Rafael Sobis e Diego (Fernandão, lesionado, não jogou contra o Boca, mas era o titular; jogou Wellington).
O começo de 2005 foi o momento mais marcante para a formação do campeão da Libertadores do ano seguinte. Após complicadas negociações, trouxemos Jorge Wagner, Tinga e Índio. Seus perfis? Ora, os mesmos de Fernandão: Tinga, de 27 anos, voltava do Sporting de Lisboa onde era reserva; Jorge Wagner, também de 27 anos, fugia do gelado Lokomotiv de Moscou e Índio era o único não “europeu”, mas chegava aqui com 30 anos e com um invejável currículo no Juventude de Caxias. Naquele início daquele ano, o time mudava sua fotografia para melhor. Em maio daquele ano, vencemos – como costumávamos fazer – o Atlético-PR em Curitiba por 3 x 1 e o time já era este: Clemer; Élder Granja, Índio, Wilson e Jorge Wagner; Edinho, Gavilán, Tinga e Fernandão; Rafael Sóbis e Gustavo.
Na metade do ano, Fernando Carvalho seguiu em sua política e trouxe do México Iarley, também na faixa dos 30 anos e ex-jogador do Boca Juniors. Recebeu Perdigão e Ediglê que, se não são craques, chegaram aqui com 28 anos e muitos times da bagagem e Ricardinho, vindo do Paulista de Jundiaí, aos 29 anos. Todos experientes. Havia um projeto claro. Nossas contratações não eram de garotos, era de gente com rodagem, de jogadores que não se apavorariam com vaias ou ambientes hostis.
Observem pela escalação como a formação de nosso grande time veio não através de atletas formados no Beira-rio, mas por gente vinda de fora. Na partida em que Márcio Resende de Freitas nos roubou – e depois desculpou-se… – em São Paulo, contra o Corinthians, a formação de nossa equipe era a seguinte: Clemer; Élder Granja, Edinho, Ediglê e Alex; Gavilán, Perdigão (Márcio Mossoró), Tinga e Ricardinho (Wellington); Fernandão (Iarley) e Rafael Sobis. Jorge Wagner não jogou esta partida por estar punido.
Na virada do ano de 2005 para 2006, não precisávamos de quase nada. Era só impedir que o grupo se desfizesse. Perdemos apenas um jogador: Gavilán, para o Newell`s Old Boys de Rosário. Mesmo assim, contratamos um que mostrou-se fundamental – Fabiano Eller, 28 anos -, um que foi útil – Fabinho, 30 anos -, e o mais importante, Adriano Gabiru… Estava pronto o time.
Quando, no dia 16 de agosto de 2006, vencemos a Libertadores da América, a equipe era esta: Clemer; Índio, Bolívar e Fabiano Eller; Ceará, Edinho, Alex, Tinga e Jorge Wagner; Fernandão e Rafael Sóbis.
Ou seja, éramos uma equipe formada por
– Dois ex-juniores: Edinho e Sóbis;
– Sete jogadores muito bem pagos em razão de suas biografias, Clemer, Índio, Eller, Alex, Tinga, Jorge Wagner e Fernandão; e
– Dois jogadores baratos, “apostas” mesmo: Bolívar e Ceará.
Quais eram, então, os principais pontos da política de formação de grupo de Fernando Carvalho:
1. Contratações de jogadores experientes, baseadas em seu enorme conhecimento de mercado e de futebol.
2. Poucas contratações caras de jogadores jovens. E a maioria das que foram feitas não deram certo. Principais casos: Márcio Mossoró, Rentería e Leo. Apenas uma funcionou: Alex, contratado em 2003.
3. Contratos longos para lucrar na venda de jogadores. Tal política deu certo para os melhores jogadores, mas revelou-se catastrófica ao incluir um monte de “promessas” em contratos que durariam quatro ou cinco anos. Estamos pagando um monturo de ruindades até hoje. Por quê? Porque ninguém os quer, claro, e porque as multas rescisórias, que existem para beneficiar o clube, neste caso o prejudica. São contratos que serão cumpridos sem resultados até seu último dia.
4. Investimentos num Inter B e tentativas de formar jogadores no clube. Nada disso funcionou. Em média, formamos apenas um bom jogador por ano. 2004 foi o ano em que conhecemos Sóbis; 2005 foi o ano de não conhecer ninguém; em 2006 apareceu Renan como goleiro confiável; em 2007, os novos dirigentes passaram o papel de “grande estrela” a um menino de 17 anos e neste ano, novamente nada.
Ou seja, o Inter vencedor foi formado convencionalmente pela contratação jogadores bons e experientes que haviam fracassado na Europa ou que estavam em clubes menores e não através de suas divisões inferiores, cuja contribuição, ao menos recentemente, é uma espécie de mito. Quando paramos de contratar bem e seguimos vendendo, o time acabou, mesmo com um grupo de 66 profissionais que tínhamos em maio de 2007. Sim, sessenta e seis atletas contratados em maio de 2007.
Mas estou antecipando fatos. A decadência começou na gestão do próprio Fernando Carvalho, no dia 17 de agosto de 2006, um dia após a conquista da América. Faltavam 4 meses e meio para seu mandato acabar e, apesar de haver o Campeonato Mundial em dezembro, havia a necessidade de realizar lucros. Na semana que vem, veremos como pode ser rápida a destruição de uma grande equipe de futebol.
Publicado no Impedimento em 4 de setembro de 2008.