A triste operação de encaixotar sua biblioteca na França inspirou uma das obras mais pessoais de Alberto Manguel. Este é daqueles livros deliciosos, para os quais a gente sempre terá um belo lugar em nossa memória. O que ele diz é óbvio para nós, devotos da leitura, e dá até pena de abandoná-lo após a leitura, tantos são os bons motivos e razões que ele apresenta para sermos como somos. O livro nos explica, eleva e é maravilhosamente informativo, além de demonstrar que, bem, não somos loucos.
Alberto Manguel é um daqueles argentinos geniais que não dá para desconhecer, ainda mais que foi amigo de Borges e — como Borges — também diretor da Biblioteca Nacional da Argentina. Encaixotando minha biblioteca (Cia. das Letras, 175 páginas, R$ 44,90) fala sobre a importância dos livros em nossa vida e conta como o autor se preparou para a mudança: ele sairia de sua casa medieval no Loire para morar em um apartamento em Nova York. Sua biblioteca pessoal, com cerca de 35 mil volumes, teria que ser guardada. Nesse momento, em apaixonada elegia, o escritor começa a relembrar sua relação com os livros e com as bibliotecas (públicas e privadas) que já passaram por sua vida. Suas reflexões variam amplamente, indo desde as adoráveis idiossincrasias dos bibliófilos a análises mais profundas de eventos históricos, como o incêndio da antiga Biblioteca de Alexandria.
O livro me causou alguma angústia. Desde que me separei em 2013, não vi mais meus livros. Os 3 mil livros que reuni até aquele ano estão em um guarda-móveis. É certo que nestes 8 anos, outra bela biblioteca começou a se formar e, quando li o livro de Manguel, percebi que havia pelo menos outra pessoa no mundo (snif) que entendia minha dor e angústia de separação. A obra tem o subtítulo “Uma elegia e dez digressões”. Ou seja, há muita coisa além da mudança e alguns trechos ecoaram demais em minha experiência pessoal. Depois de falar sobre a “geografia” de sua biblioteca (como ele organizou seu acervo), ele afirma que seus livros faziam parte de quem ele era e que a biblioteca o explicava. Sua coleção seria uma “espécie de autobiografia em várias camadas” e sua própria memória estaria “menos interessada em mim do que em meus livros”.
Voltando a Milton Ribeiro, digo que, ao entregar minha biblioteca para o guarda-móveis, estive em próximo contato com minha mortalidade. Manguel capta isso à perfeição: “Se toda biblioteca é autobiográfica, sua colocação em caixas numeradas parece uma espécie de obituário”. O livro traz palavras de sabedoria de sua avó: “Com o tempo, você aprende a desfrutar não o que você tem, mas o que você lembra” e, de forma semelhante, Manguel também dá a Dom Quixote — o herói que perdeu sua biblioteca — o crédito por ajudá-lo a compreender melhor a perda: “A perda ajuda você a se lembrar e a perda de uma biblioteca ajuda a lembrar quem você realmente é. A biblioteca segue existindo na mente do leitor na forma de associações e memórias”.
Espero arrumar minha biblioteca em poucos anos. Um livro que certamente estará lá é este Encaixotando minha biblioteca. Será parte de minha coleção e espero que permaneça valioso quando eu não estiver mais por perto.
Encaixotando minha biblioteca, como já disse, talvez seja a mais pessoal de Alberto Manguel. Ela se conclui com sua posse no cargo de seu admirado Jorge Luis Borges, o de diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.
Existem leitores — grandes leitores — que não desejam formar bibliotecas e que possuem relativamente poucos livros. Borges, como lembra Manguel, seria o exemplo definitivo. Alguém poderia imaginá-lo rodeado de livros em casa, mas não era o caso. Ele doava quase tudo. Eu admiro tal despojamento, mas o quero para mim. Talvez o leitor mais sábio seja aquele que lê muitos livros (ou, melhor ainda, poucos, mas profundamente) e que não se importa em possuir nenhum, porque sabe que os verdadeiramente importantes foram incorporados ao seu ser. Talvez seja um sinal de fraqueza e até mania de colecionar livros que não necessariamente nos tornarão melhores ou mais inteligentes. Aceito totalmente essa possibilidade. Mas, foda-se, vou seguir armazenando livros.
Não li ainda. Mas penso que deve ser uma leitura para ser realizada em par com “A Biblioteca à Noite”, do mesmo Manguel, em que ele conta justamente a MONTAGEM dessa biblioteca no galpão da aldeia francesa. E daí deriva para várias outras coisas – inclusive a própria Biblioteca de Alexandria, então vou ler esse torcendo para que ele não tenha muitas passagens que soem repetitivas em comparação com o outro livro.
Oi, CA. Não li o outro, só este ‘Encaixotando’. Então, fica impossível comparar.
Vou comprar o livro. Gostei do seu texto.