La hermana menor, de Mariana Enriquez

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La hermana menor é um tremendo livro. Seu subtítulo é Un retrato de Silvina Ocampo e, obviamente, trata-se exatamente disso, de uma biografia. E esta é contada com extremo virtuosismo pela grande escritora e ficcionista Mariana Enriquez, que também é jornalista das boas, sendo subeditora do ótimo Página/12. A propósito, é claro que Silvina é o grande modelo literário de Enriquez. Aqui, ela alterna narrativa, entrevistas e citações de outros trabalhos sobre Ocampo, tornando a leitura do livro realmente vertiginosa. Suas aspas e os trechos das entrevistas jamais parecem excessivos, tudo contribuindo para a faceta de Silvina descrita em cada capítulo (e estes têm títulos memoráveis). As facetas são muitas: a tímida, a original, a sarcástica, a que se compraz com o absurdo ou o nojento (às vezes, com o sofrimento alheio), a endinheirada, a que sofre traições por parte do marido Bioy Casares, a que trai, a amiga de Borges, a péssima cozinheira, a muito excêntrica, a medrosa, a paranóica, a grandíssima contista e poeta.

Tudo inicia com a menina Silvina encarapitada sobre uma árvore esperando os mendigos. Sim! E é da infância que parece vir a maioria de suas histórias, com crianças cruéis, crianças assassinas, crianças suicidas, crianças maltratadas, crianças incendiárias, crianças perversas, crianças que não querem crescer, crianças que nascem velhas, meninas bruxas, meninas videntes. Seu primeiro livro de contos, Viaje olvidado (1937), traz uma infância deformada e recriada. Sua irmã mais velha, a autoritária e quase inimiga Victoria, diz que este livro é um similacro do que foi a infância de Silvina, seria a “aparição de uma pessoa disfarçada de si mesma”. O último, publicado postumamente em 2006, é uma autobiografia infantil. Não há época que a fascine mais, não há tempo que lhe interesse tanto.

A primeira coisa que pensamos é que a criança Silvina poderia dialogar muito bem com as crianças que habitam as histórias de horror de Mariana Enríquez… Mas deixemos isto de lado. Enríquez escreve seu retrato deixando que a própria escritora conte a história, com sua própria voz. E simultaneamente, com grande precisão, disseca e escolhe citações entre montes de testemunhos, biografias, estudos críticos, entrevistas, cartas, para reconstruir uma vida marcada pelo estranhamento, criadora de uma obra selvagem, escrita numa época em que Silvina não encontrou o lugar que desejava, pois nos anos 50 aos 70 havia que ser realista e político… Só nossa época trouxe luz para Silvina Ocampo.

Enriquez iguala as vozes autorizadas de escritores e críticos com outras, como a do homem que engraxava os sapatos de Bioy Casares ou o dono do armazém que vendia coisas para ela. É uma heterogênea biografia-coral que funciona maravilhosamente.

A princípio, Silvina ficou obscurecida pela fama de Bioy Casares e Jorge Luis Borges. O trio jantou  junto por anos e anos. Reza a lenda que a maioria absoluta dos jantares consumidos por Borges em toda sua vida aconteceram na casa dos Bioy. Ou seja, eles se encontravam praticamente todas as noites para comer a mesma comida ruim, e isto não é uma metáfora. Hoje, Silvina Ocampo ressurgiu e está mais próxima do lugar que merece. Enriquez não cita, mas é claro que Silvina — irmã menor de seis irmãs — é sua irmã literária mais velha, sendo a autora da biografia a menor. Ou a mais nova.

Importante: A editora Relicário está traduzindo a obra para o português e o livro deve ser lançado ainda em 2022. 

Mariana Enriquez (1973)

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