O fim do homem soviético, de Svetlana Aleksiévitch

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Nestes dias, falar em homem — mesmo que em sentido geral — talvez seja inadequado para o título de um livro narrado em sua maioria por mulheres, mas OK. Aleksiévitch é uma jornalista que se dedica a compilar entrevistas de pessoas, formando romances-corais. Os depoimentos de sucedem, sendo maravilhosamente tratados como literatura pela autora. O resultado aqui é de uma cacofonia viva e profundamente comovente de vozes russas para quem a era soviética era tão essencial quanto sua natureza.

O fim do homem soviético é um mosaico de vozes de todas as regiões da antiga União Soviética que revelam, através de longos e tortuosos monólogos, como era realmente viver sob o comunismo. Para uma nova geração de russos nascidos após a Segunda Guerra Mundial, a era de Mikhail Gorbachev, perestroika e glasnost, a tentativa de golpe, o colapso da União Soviética e as subsequentes crises econômicas sob Boris Yeltsin anunciavam uma sensação de liberdade, mas muitos russos ficaram desiludidos e zangados. O que o socialismo agora deveria significar para o antigo Homo sovieticus, agora pejorativamente chamado de sovok? (“lata de lixo”)? Em segmentos que ela chama de “Sobre o ruído das ruas e as conversas na cozinha”, Aleksiévitch transcreve esses monólogos e conversas gravadas em uma prosa sinuosa de fluxo de consciência. Pessoas de todas as idades delineiam eventos com perplexidade e fúria, terminando em um novo mundo assustador onde o capitalismo de repente era bom com o “dinheiro tornando-se sinônimo de liberdade”. Os suicídios que Alexievich narra são de cortar o coração, assim como o sentimento reiterado de “ingenuidade” do povo diante da decepção, a resistência do anti-semitismo, a guerra nas ex-repúblicas soviéticas, a fome e as terríveis condições de vida. A autora captura essas vozes formando um documento de valor inestimável. É literatura profundamente significativa como história.

Você pode abrir O fim do homem soviético em qualquer lugar. As histórias vêm de uma enxurrada de vozes: médicos, escritores, trabalhadores, ex-funcionários, soldados, vêm de todos. Fazendo poucas intervenções, a autora dá espaço a essas pessoas. Quando ela insere um comentário, está entre colchetes e muitas vezes são muito comoventes. Uma carga de catarse está em exibição. As pessoa realmente falam para Aleksiévitch.

A maioria das histórias são sobre as promessas das eras Gorbachev e Yeltsin. Em vez de tolerância e oportunidades, as pessoas foram apresentadas a uma forma brutal de capitalismo, que dividia as pessoas em vencedoras e perdedoras. Em vez de paz, após o desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1991 em estados independentes, ressurgiram ódios raciais cruéis. Este livro está cheio de saudade dos velhos tempos, por mais terríveis que possam ter sido. Parte do anseio é pela antiga vida intelectual da Rússia. “Os livros eram a vida para nós. Eles eram todo o nosso mundo. Agora tudo é o dinheiro”.

Um homem comenta: “Saímos de nossas cozinhas e fomos para as ruas, onde logo descobrimos que, afinal, não tínhamos nada – o tempo todo estávamos apenas conversando. Pessoas completamente novas apareceram, esses jovens de anéis de ouro e blazers magenta. Havia novas regras: se você tem dinheiro, você conta — sem dinheiro, você não conta. Quem se importa se você leu tudo de Hegel? ‘Humanidades’ começou a soar como uma doença.”

Aleksiévitch nos leva a muitas cozinhas que já foram a alma da vida dissidente russa. “Para nós, a cozinha não é apenas onde cozinhamos, é a sala de jantar, o quarto de hóspedes, o escritório”, diz a autora. As cozinhas são onde “podíamos criticar o governo e, o mais importante, não ter medo, porque na cozinha estávamos sempre entre amigos”. Hoje, a cozinha russa são muitas vezes lugares sem alma, cheios apenas de imitações de aparelhos de última geração. Menos conversa acontece. Menos comida sai de lá também.

Na introdução a este livro, Aleksiévitch escreve sobre seu método. “Não pergunto às pessoas sobre socialismo”, diz ela, “quero saber sobre amor, ciúme, infância, velhice. Música, danças, penteados. A miríade de detalhes de um modo de vida desaparecido.”

Recomendo.

Svetlana Aleksiévitch (1948)

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