Últimos pedidos, de Graham Swift

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Este livro, meu amigo, você apenas encontrará em sebos. Ele foi lançado em 1999 pela Cia. das Letras e, por ele, seu autor recebeu o Booker Prize de 1996. Merecido? Creio que sim. Mas é um livro bastante complicado, trabalhoso de ler. A história é semelhante a de Enquanto agonizo (As I lay dying), de Faulkner, mas, de resto, o livro de Swift é muito original.

Últimos pedidos (Last Orders) conta a viagem de quatro amigos londrinos que frequentemente se reuniam nos finais da tarde para beber e discutir as novidades num pub. Eles têm entre os 50 e os 60 anos — exceto o filho adotivo de um deles — e viajam até Margate para cumprir um último desejo de um ex-membro do grupo, recém falecido: o de espalhar suas cinzas no mar. É claro que todos conheciam as famílias de todos. E todos eles narram o romance, o que causa certa confusão no leitor mais desatento. Eu, por exemplo, li umas 150 páginas e estava adorando o livro, mas sabia que estava perdendo coisas por estar com a atenção meio vaga. Então, voltei ao início do livro com outra postura, a de me me dedicar seriamente a entender tudo, o que acabou sendo muito prazeroso.

Como curiosidade, digo que é um livro que não pode ser trasposto para a realidade brasileira. Um dos personagens é funcionário público, outro tem uma funerária e é muito bem sucedido, outro tem uma mecânica e também prospera, e ainda temos um feirante e um açougueiro (em cinzas). Não creio que os preconceitos de classe brasileiros pudessem juntar tal fauna. E são amigos de anos, todos conhecem quase todas as fofocas familiares uns dos outros. São como uma família, brigam e se ofendem, se acusam e se amam.

O livro é delicado, discretamente comovente e possui um belo erotismo em sua parte final. (Afinal, ficamos sabendo que o funcionário público tem educada e gentil fissura pela viúva). Tudo se dá durante a viagem — diálogos, risadas, brigas e lembranças individuais e coletivas. Por que fiz questão de relê-lo? Ora, porque me pareceu autêntico e parecido — em suas vidas confusas e emoções não expressas — com as histórias de amigos meus. Há pouca narração de fatos novos e muito fluxo de pensamento, o que torna o texto, como disse, difícil de seguir. A primeira pessoa do singular passa de um a outro alternadamente. Apesar de Swift colocar o nome do narrador como título de cada capítulo não é fácil de se achar. Então, fiz anotações de personagens e relacionamentos…

Na releitura, a história fluiu com suavidade, com cada um dos pontos de vista dos personagens principais girando, intercalados com a narração dos eventos atuais, feita por Ray (o funcionário público). E foi então que se revelou a enorme riqueza de Últimos Pedidos. Muitas referências e insinuações sutis se encaixaram como um quebra-cabeça. O estilo de Graham Swift é perfeito, esboçando imagens vívidas de personagens e ambientes sem descrições supérfluas. Os estratos da sociedade inglesa em que esses homens se enquadram são transmitidos sem esforço por meio do diálogo de seus pensamentos e conversas.

Um esplêndido livro sobre amizade e lealdade.

Graham Swift (1949)

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