Em carta, Einstein e Arendt denunciaram o fascismo sionista de Israel em 1948

Em carta, Einstein e Arendt denunciaram o fascismo sionista de Israel em 1948

No dia 2 de dezembro de 1948, o jornal americano The New York Times publicou uma carta, assinada por Albert Einstein, Hannah Arendt e Sidney Hook, entre outros, condenando as ações de Menachem Begin. líder do novo Partido da Liberdade, em visita aos Estados Unidos — Begin que depois tornou-se primeiro-ministro de Israel (1977-1983) e Prêmio Nobel da “Paz”

Aos Editores do New York Times:

Entre os fenômenos políticos perturbadores de nossos tempos está a emergência no recém criado Estado de Israel do ”Partido da Liberdade” (Tenuat Haherut), um partido político estreitamente assemelhado em sua organização, métodos, filosofia política e apelo social aos partidos Nazista e Fascista.

Ele foi formado a partir de membros e seguidores do antigo Irgun Zvai Leumi, uma organização terrorista, facção direitista e organização chauvinista na Palestina.

A visita atual de Menachem Begin, líder deste partido, aos Estados Unidos é, obviamente, calculada no sentido de dar a impressão de apoio americano ao seu partido, por ocasião do advento das eleições israelitas e para cimentar laços políticos com os elementos Sionistas conservadores dos Estados Unidos.

Vários americanos de reputação nacional têm emprestado seu nome para dar boas vindas a sua visita. É inconcebível que aqueles que se opõem ao fascismo no mundo, se corretamente informados sobre a história política e perspectivas de Mr. Begin, possam acrescentar seus nomes e apoio ao movimento que ele representa.

Embora esse irreparável perigo ocorra pela forma de contribuições financeiras, manifestações públicas a favor de Begin ou pela criação na Palestina da impressão de que um grande segmento da América apóia os elementos fascistas em Israel, o público americano deve ser informado sobre a historia e os objetivos do Sr. Begin e do seu movimento.

As promessas públicas do Partido de Begin não correspondem, quaisquer que sejam, ao seu caráter real. Hoje falam de liberdade, democracia e antiimperialismo, enquanto até recentemente pregavam abertamente a doutrina do Estado Fascista. É em suas ações que o partido terrorista denuncia o seu caráter real; de suas ações do passado podemos julgar o que dele pode ser esperado fazer no futuro.

Ataque sobre Deir Iassin

Um exemplo chocante foi seu comportamento na vila árabe de Deir Iassin. Esta vila, distante das principais estradas e circundada por terras judaicas, não tomou nenhuma parte na guerra e chegou a contrariar o lado árabe que queria usar a vila como sua base.

Em 9 de abril (The New York Times) bandos terroristas atacaram esta vila pacifista, que não era um objetivo militar na luta, matando a maioria de seus habitantes — 240 homens, mulheres e crianças — e mantiveram alguns deles vivos para desfilarem como cativos através das ruas de Jerusalém.

A maior parte da comunidade judaica ficou horrorizada com aquela ação e a Agência Judaica mandou um telegrama de pesar ao Rei Abdulah da Trans-Jordânia. Contudo, os terroristas, longe de se envergonharem de seu ato, ficaram orgulhosos com aquele massacre, divulgado amplamente e convidaram os correspondentes estrangeiros no país para testemunharem os cadáveres amontoados e a devastação geral em Deir Iassin.

O acontecimento de Deir Iassin exemplifica o caráter e as ações do Partido da Liberdade.

No interior da comunidade judaica eles têm propugnado uma mistura de ultra nacionalismo, misticismo religioso e superioridade racial. Como outros partidos fascistas eles têm sido usados para esmagar as greves e têm-se dedicado à destruição de sindicatos livres. Em seu lugar eles têm proposto sindicatos corporativistas no modelo fascista italiano.

Durante os últimos anos da esporádica violência antibritânica, os grupos IZL e Stern inauguraram um reino de terror na comunidade Judaica Palestina. Professores foram espancados por se pronunciarem contra eles, adultos foram alvejados por não deixarem suas crianças juntar-se a eles. Por métodos de gangsterismo, açoites, quebra-vidraças e roubos em larga escala, os terroristas intimidavam a população e exigia-lhe pesado tributo.

Os membros do Partido da Liberdade não têm nenhuma participação nos logros construtivos na Palestina. Eles não reivindicam nenhuma terra, nenhuma construção de habitações e apenas depreciam a atividade defensiva judaica. Seus esforços de imigração muito propagandeado foram diminutos e devotados principalmente para atraírem compatriotas fascistas.

Discrepâncias Observadas

As discrepâncias entre os bravos clamores que estão sendo feitos agora por Begin e seu partido e a história de sua performance no passado da Palestina não portam a marca de um partido qualquer. Este é o selo de um Partido fascista, pelo qual o terrorismo e o embuste são os meios e o ”Estado Regente” é o objetivo.

À luz das considerações anteriores, é imperativo que a verdade sobre o Sr. Begin e seu movimento seja tornado conhecido neste país. É de toda maneira trágico que a liderança maior do Sionismo Americano tenha se recusado a participar da campanha contra os esforços de Begin, ou mesmo de expor aos seus constituintes os perigos para Israel do apoio a Begin.

Os abaixo assinados, portanto, através deste meio de publicidade apresentam alguns fatos salientes que dizem respeito a Begin e seu Partido; e recomendam a todos os interessados a não apoiarem esta última manifestação do fascismo.

Nova York, 2 de dezembro de 1948

Isidore Abramowitz,
Albert Eistein,
Hannah Arendt,
Abraham Brick,
Rabino Jessurun Cardozo,
Herman Eisen,
Hayim Fineman,
M. Gallen,
HH. Harris,
Zelig S. Harris,
Sidney Hook,
Fred Karush,
Bruria Kaufman,
Irma L. Lindheim,
Nachman Maisel,
Seymour Melmam,
Myer D. Mendelson,
Harry M. Oslinsky,
Samuel Pitlick,
Fritz Rohrlich,
Louis P. Rocker,
Ruth Sagis,
Itzhak Sankowsky,
I.J. Shoenberg,
Samuel Shuman,
M. Singer,
Irma Wolfe,
Stefan Wolfe.

A versão deste documento online foi copiada de um microfilme da edição impressa do The New York Times, pesquisada pela professora universitária Laura Nader e outros acadêmicos na Universidade de Berkeley, Califórnia. Uma versão escaneada pode ser vista, em formato .pdf, em Proquest: University Microfilms.

Fonte: Einstein Internet Archive (marxists.org)

Os manuscritos secretos de Kafka serão afinal conhecidos

Os manuscritos secretos de Kafka serão afinal conhecidos

Há oito anos que se arrastava uma disputa legal que chegou a parecer estar resolvida em 2012 e que tem uma história descrita como… “kafkiana”. A Biblioteca Nacional de Israel vai mesmo receber o espólio de documentos do escritor.

Franz Kafka

Do Publico.pt

A decisão final foi do Supremo Tribunal de Israel: depois de oito anos de disputa, confirmou-se que os manuscritos que Franz Kafka deixou ao seu amigo Max Brod e que foram herdados pela sua secretária vão mesmo ficar na Biblioteca Nacional de Israel. “Um dia de celebração para qualquer pessoa da cultura, em Israel e fora”, disse David Blumberg, o presidente da instituição que fica com a guarda de um espólio ainda praticamente desconhecido, prometendo mostrá-lo ao público de forma exaustiva.

Poucos viram até agora o conteúdo dos cofres onde as herdeiras de Esther Hoffe, a secretária a quem Brod legou o espólio, mantiveram os disputados documentos, e que incluem cadernos e cartas – podem também conter o manuscrito original de um romance incompleto, segundo referia um artigo da BBC datado de 2010. Inequivocamente está confirmada a existência, entre os papéis de correspondência trocada entre os dois amigos, dos diários de Kafka em Paris, de muitas obras de Brod, também ele escritor, e de desenhos e cartas de Kafka, informa a biblioteca em comunicado.

“É previsível que muitos outros tesouros estejam escondidos no material pessoal de Max Brod, que será exposto e catalogado pela Biblioteca Nacional”, lê-se no mesmo comunicado.

A sua importância, e o respectivo valor, estimado em milhões, justificam que há oito anos as herdeiras de Hoffe e o Estado de Israel estejam envoltos numa batalha legal – agora, o Supremo Tribunal tomou a decisão de última instância de ordenar que a família israelita transfira os documentos para a Biblioteca Nacional. O processo legal tem sido descrito por muitos como “kafkiano”.

A família Hoffe defendia que era a legítima proprietária dos documentos e em 2012 argumentara também que a Biblioteca Nacional não tinha meios para garantir a preservação do espólio. Mas “o Supremo Tribunal pediu à Biblioteca Nacional que faça o máximo para revelar o espólio Brod ao público” e  esta “vai seguir a decisão do tribunal e preservar os bens culturais, mantendo-os no país e tornando-os acessíveis ao grande público”, garantiu David Blumberg, citado pela BBC.

Da fuga aos nazis à Terra Prometida

Remonte-se ao início do século XX. Kafka, nascido em Praga, morreu de tuberculose em 1924, com 41 anos. O seu amigo Brod, fiel depositário da sua obra inédita e de documentos vários, morreu em 1968 sem ter cumprido parte da promessa que tinha feito ao escritor – queimar todos os romances que deixara por publicar. “O meu último pedido: que tudo o que deixo, sob a forma de diários, manuscritos, cartas (as minhas e de outros), desenhos e afins, seja queimado sem ser lido”, escreveu Franz Kafka numa carta endereçada a Max Brod e deixada na secretária da sua casa na cidade checa.

Franz Kafka com Max Brod em 1907
Franz Kafka com Max Brod em 1907

Mas Max Brod publicou O Processo, O Castelo e Amerika, títulos hoje essenciais na obra do escritor e que foram editados postumamente, entre 1925 e 1927, com um ano de separação entre si. Brod, que considerou que queimá-los seria “um ato criminoso”, como cita o Jerusalem Post, salvou parte da obra inédita de Kafka de outra forma: em 1939, levou os seus manuscritos de Praga, fugindo aos nazis que acabavam de invadir a antiga Checoslováquia e emigrando para a Palestina. O trem em que saiu de Praga com a mala cheia do legado de Kafka passou cinco minutos antes de os soldados alemães fecharem a fronteira.

Antes de morrer, Max Brod confiou os papéis à sua secretária, Esther Hoffe – também descrita por algumas fontes como sua companheira de longa data. Ela guardou-os durante toda a vida num apartamento em Telavive e em cofres em diferentes bancos, não sem que na década de 1970, e de acordo com o Jerusalem Post, Israel tenha tentado ficar com a custódia do espólio para o expor – um tribunal deu-lhe o direito de o manter na sua posse, notando porém que devia doá-lo ao Estado após a sua morte.

Uma longa disputa legal

As duas filhas que Esther Hoffe teve com o marido Otto, Eva Hoffe e Ruth Wiesler, herdaram o espólio após a morte da antiga secretária, em 2007. No ano seguinte, encetaram um processo para serem legalmente reconhecidas como suas proprietárias, mas, em 2009, o Estado israelita processou-as, exigindo os documentos – o testamento de Brod indicava que Esther Hoffe deveria depois legar o seu espólio “à Universidade Hebraica, à Biblioteca Municipal de Telavive ou a qualquer outra instituição pública em Israel ou no estrangeiro”, lembrava a acusação.

Foi então que começou verdadeiramente a disputa legal. Em 2010, escreve a BBC, alguns dos cofres que continham o espólio foram abertos em Zurique (os documentos tinham sido armazenados em cofres na Suíça e em Israel), mas o seu conteúdo só ficou a ser conhecido por um juiz israelita. Um tribunal israelita entregaria o espólio à Biblioteca Nacional do país em 2012. Entretanto, um recurso prolongou o caso, com a herdeira Eva, a última sobrevivente das duas irmãs, a argumentar também que o espólio era a sua única fonte de rendimento – Esther Hoffe já tinha vendido o manuscrito de O Processo por dois milhões de dólares em 1988, num leilão que bateu recordes e em que ficara prometido que o seu novo dono, um livreiro alemão, o doaria a um museu para exposição pública.

À época a venda deixou a sobrinha de Kafka, Marianna Steiner, então com 75 anos, muito satisfeita pelo facto de a obra não “ficar fechada numa gaveta”, reportava o diário New York Times.

Ao longo dos anos, escreve a agência AFP, as irmãs Hoffe venderam alguns outros documentos do espólio a colecionadores. Eva Hoffe, que ao contrário da irmã nunca abandonou o apartamento dos pais e viveu com os documentos que lá se encontravam, recordava em 2010 o New York Times, tinha uma relação “quase biológica” com os manuscritos, segundo o seu advogado, Oded Hacohen. Do destino dado ao espólio, por estar em análise todo o testamento de Esther Hoffe, estaria também dependente a herança de perto de um milhão de dólares respeitante à compensação dada à família pelo Governo alemão por danos relacionados com o Holocausto. Os Hoffe fugiram de Praga já durante a ocupação nazi.

Só esta semana o caso se resolveu definitivamente. Os três juízes do Supremo israelita a escreveram segunda-feira no seu veredicto que “Max Brod não queria que os seus bens fossem vendidos ao melhor preço, mas sim que encontrassem um lugar apropriado num santuário literário e cultural”.