Sergio Faraco é o novo patrono da Feira do Livro, Rafael Guimaraens fica na fila

Sergio Faraco é o novo patrono da Feira do Livro, Rafael Guimaraens fica na fila

Desejava que o Rafael Guimaraens fosse o patrono da Feira do Livro, é sempre um reconhecimento. Ele há anos escreve sobre Porto Alegre e seus livros são cada vez melhores. Mas houve uma enchente este ano e ele tem um livro sobre a Enchente de 41. Talvez algumas ôtoridades ficassem de nariz torcido com um sujeito que, além disso, criticou bastante a postura de alguns deles durante os eventos de maio.

Só que escolheram Sergio Faraco, o maior contista brasileiro, um fantástico escritor que jamais tinha sido patrono. A escolha de Faraco evita qualquer protesto. Claro, basta abrir um livro dele para fechar a boca. O cara é genial.

De minha parte, sempre fui meio avesso à feira do livro. Lembro que lá em 2014 ou 15, quando ainda não era dono de livraria — era jornalista do Sul21 –, fui chamado a improvisar algo sobre a Feira para o jornal.

Tenho aquele defeito de ser sincero. É uma droga isso. Parei na frente da câmera pilotada pela querida Roberta Fofonka e, em plena praça, disse algo que era mais ou menos assim, de costas para a Rua da Ladeira.

“Esta é a festa das editoras e das distribuidoras. Fora os sebos, é uma feira de lançamentos, a maioria de autoajuda. Não há grande atenção pelo que está sendo vendido. É meio nauseante passar entre as maiores bancas, pois elas vendem os mesmos livros. Então, se você quiser literatura (e apontei para trás), suba a Ladeira e dobre à esquerda na Riachuelo. Ali está o que você procura”.

A coisa foi ao ar e alguém da organização pediu para falar com minha chefe. Ela deu risada e me chamou. Tomamos um café juntos.

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Bambino a Roma, de Chico Buarque

Bambino a Roma, de Chico Buarque

Bambino a Roma é um livro escrito com leveza, narrando as aventuras do menino Chico Buarque na Itália durante os dois anos em que seu pai deu aulas na Universidade de Roma — entre 1953 e 1955. Sérgio Buarque de Hollanda viajou de navio com a esposa e os sete filhos do Rio de Janeiro até Gênova e de lá para Roma. Eu achei uma delícia ler o livro. O texto tem a dimensão do tema tratado, além de não se desviar de temas espinhosos. Há, por exemplo, alguns abusos, como os cometidos por Mr. Welsh, um professor de inglês que gostava de passar a mão na bunda dos alunos por dentro de suas cuecas, Chico incluído.

Mas o abuso não é o principal, o principal é a amizade com Amadeo (o filho do quitandeiro com o qual jogava futebol), a relação com as meninas, sua paixão por algumas delas, a relação com os irmãos, a apendicite, as fugas da escola, as correrias por Roma de bicicleta e o pai sempre distante como eram os pais do passado — alguns ainda o são, certo? E as coisas de guri… Afinal, levante a mão quem teve uma irmã mais velha e não a observou pelo buraco da fechadura para ver como era! Tive duas.

O humor do relato nos deixa espreitar as fragilidades daquele menino que dançou numa festa com Alida Valli, quase sufocado por seus seios. Ele tinha 10 dez anos. Durante a narrativa, Chico algumas vezes põe em dúvida o que conta, riscando partes daquelas imagens saudosas e nos fazendo abordar certas partes com um olhar oblíquo.

O tom do livro me parece perfeito — sem ser exageradamente nostálgico ou piegas, lemos uma visita compreensiva de um velho a uma parte de sua infância. Os capítulos finais do livro (sem spoilers, apesar de que estou louco para contar) são extremamente sutis e bonitos. E um tanto angustiantes.

É biografia ou autoficção? Certamente é autoficção. Chico modifica detalhes, enrola a gente com humor e perspicácia e… Entrega elegantemente o jogo, mas apenas para os leitores atentos. Ah, o livro tem algumas fotografias de família assim como de alguns bilhetes da época.

Recomendo!

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Compre o livro na Livraria Bamboletras, na Av. Venâncio Aires, 113. Ah, não mora em Porto Alegre? Use o WhatsApp 51 99255 6885. A gente manda!

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Atrás do balcão da Bamboletras (LII)

Atrás do balcão da Bamboletras (LII)

9h de sábado. Desço ainda com sono para a Livraria Bamboletras. O telefone toca. Nem tinha ligado o computador. Atendo e do outro lado está uma voz apressada perguntando se eu tenho o último livro do Chico Buarque. Respondo que sim.

— Então vou mandar um Uber aí AGORA. Quero fazer uma surpresa para o café da manhã da minha esposa. Faz uma embalagem de presente enquanto eu faço o pix.

Ainda estava meio dormindo quando o motoboy chegou.

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Atrás do balcão da Bamboletras (LI)

Eu estava na Livraria Bamboletras e subi correndo para terminar um café. Quando cheguei na cozinha, a Elena me perguntou:

— Quem estava tocando piano lá embaixo? Tocava muito bem.

Pois bem, eu não sei quem estava tocando. Ou melhor, sei muito bem, mas ignoro o nome dela. Era uma senhora de mais de oitenta anos. Sei que ela entrou com sua filha e neto. Olhou para o piano e disse que era pianista. Vi que suas mãos tremiam bastante, só que li Alucinações Musicais, brilhante livro de Oliver Sacks, e sabia que ela deixaria de tremer quando pusesse as mãos no teclado.

Ofereci o piano pra ela tocar. Ela olhou para a filha e perguntou se dava tempo pra ela dar uma experimentada antes do aniversário ao qual iriam.

A filha disse claro mãe, vai. Ela iniciou hesitante, obviamente não conhecia o piano. Na segunda música já estava perfeitamente adaptada e nos fez ouvir um interessante Czardas, de V. Monti.

Ficou tão feliz com o piano que não parava de elogiá-lo e queria dar presentes pra todo mundo, pro neto, pra filha, pro genro que chegou depois, pra todo mundo.

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O Banquete, de Muriel Spark

O Banquete, de Muriel Spark

Um belo divertimento. O Banquete, da escocesa Muriel Spark (1918-2006), começa e termina em um jantar. Os anfitriões ricos servem mousse de salmão e têm criados que não permitem que suas taças de vinho esvaziem.  Conversam sobre um assalto (me senti estuprado!), uma lua de mel em Veneza e um casamento. Margaret Murchie e William Damien se casaram recentemente (eles se conheceram na seção de frutas da Marks & Spencers, como é repetido ironicamente no livro) e se tornaram tema de muitas especulações. A moça é esquisita, mas eles parecem se gostar. O anfitrião não dá um ano para o casamento. Margaret parece atrair incidentes infelizes e Hilda Damien, sua sogra também ricaça, simplesmente não consegue superar um sentimento desconfortável a respeito dela. É instinto maternal ou simplesmente suspeita infundada?

O Banquete é um Spark clássico. Embora use um evento aparentemente despreocupado como ponto de partida, ele traz uma riqueza de situações estranhas, incluindo violências, maldade em um convento, uma clínica de loucos e uma conspiração criminosa. Começa com conversa fiada e de repente revela os pensamentos mais profundos e sombrios de seus personagens. Como em muitos romances de Spark, você tem a sensação de que alguém vai morrer. O que é antecipado sem problemas pela autora. Ela diz ao leitor quais coisas desagradáveis ​​vão acontecer e, em seguida, deixa-o por vários capítulos descobrindo como e quando.

O Banquete tem muitos personagens, mas não está lotado. É um texto inteligente e provocativo, atravessado por uma veia diabólica de humor negro. Como sempre, Spark consegue colocar muita coisa em seus pequenos romances. Durante a narrativa, há roubos, assassinatos, rixas familiares e todo tipo de comportamento desonesto. Conhecemos servos suspeitos, tios loucos e um convento de freiras, uma das quais é muito comuna. Tudo é tratado com a segurança característica. Este é um romance afiado de Muriel Spark, que destaca como as pessoas podem não ser tão inocentes quanto parecem à primeira vista. Um deleite.

Trevor Leighton / National Portrait Gallery, London

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O Burgomestre de Furnes, de Georges Simenon

O Burgomestre de Furnes, de Georges Simenon

Georges Simenon é um clássico. Sempre lhe pediram que escrevesse um grande romance e ele achava graça. “Meu grande romance é o mosaico formado por minhas pequenas novelas”.  Está respondido, não? Para que o grande romance se há 200 deliciosos pequenos romances — seja com ou sem o detetive Maigret? Gosto de seus policiais com Maigret, mas prefiro os “romances sérios” (expressão de Simenon) como O Gato, O homem que via o trem passar, Sangue na Neve e tantos outros. Há estas e mais muitas outras obras perfeitas formando o vaso mosaico do escritor.

Grosso modo, podemos dividir sua obra em duas partes: os romances policiais com ou sem o célebre detetive Maigret e os duros romances psicológicos que lhe valeram o apelido “Balzac de Liége”, recebido de ninguém menos que André Gide. A popularidade destes livros não deixa de impressionar, pois são escritos em tom menor, são nada solares, sendo antes cheios de personagens deprimentes e deprimidos. Com suas ações quase sempre em cidades pequenas, Simenon envolve-nos numa triste realidade provinciana, onde, obviamente, o mal comanda. Parece o Rio Grande do Sul.

O burgomestre de Furnes é de uma crueza e verossimilhança extraordinárias. Parece um estudo sobre o perversidade e o embrutecimento de um homem. Joris Terlink é o burgomestre que comanda a população, a economia e os conselheiros do povoado. Todos o temem e ele é consultado para tudo. Sua vida pessoal está associada a algumas tragédias, recentes e antigas: um jovem funcionário lhe pede dinheiro e diz que se matará se não receber — o moço cumpre a promessa; uma filha doente mental é mantida presa em seu quarto sob o argumento de que não haveria um lugar melhor para ela; ele tem um filho fora do casamento – o qual é apenas suportado por Terlink, que mantém sua mãe como empregada da casa – e a própria gestão de Furnes é… Deixa assim. Há algo menos sedutor? Terlink é um monstro absoluto, circundado de pessoas que têm dificuldade de viver sem ele. A segurança com que Simenon leva sua narrativa também não demonstra compaixão. Por que o livro é tão bom? Ora, por Simenon explorar cada poro e, afinal, mostrar certas vulnerabilidades de seu monstro.

Georges Simenon (1903-1989)

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