Quando publiquei este post pela primeira vez, em 2 de dezembro de 2003, em outro blog que eu possuía, houve uma confusão inédita. Alguém o repassou para os e-mails internos da UFRGS e o que se viu foi uma enorme briga. Infelizmente, perdi os comentários. A Rádio mudou muito desde então. Para melhor. Imodestamente, digo que mudou exatamente na direção apontada por mim. Devo ter influenciado um pouquinho. Deste modo, não houve a “Morte”.
A Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul existe há 46 anos. Ouço esta rádio diariamente há mais de trinta, sou íntimo. Se não costumamos expor os podres das pessoas que nos são íntimas, isto não é válido para uma estação de rádio, ainda mais quando ela nos trai. Sinto-me à vontade para falar bem ou mal dela. Não fui ouvinte por ódio e sim por admiração acompanhada de amor à música. São de meu conhecimento as dificuldades pelas quais a rádio passou e o heroísmo de seus antigos funcionários para mantê-la viva dentro do estilo a que se propunha. Ambos, eu e ela, nascemos em 1957 e sempre fantasiei que alguma coisa ligava minha vida ao esforço de sobrevivência da RU. Em seu site, ela se auto-define da seguinte forma: Somos uma emissora especializada em música erudita, oferecendo “aos” nossos ouvintes, cultura e entretenimento. Isto já foi verdade, porém desde que a jornalista e professora Sandra de Deus – que não conheço – assumiu o comando da emissora, ela virou coisa do diabo.
Meus 7 leitores podem não acreditar, mas sofro com a agonia dos propósitos definidos na missão-devaneio transcrita acima.
Meus amigos, minha querida rádio, que já foi escolhida a melhor do Rio Grande do Sul por nossos escritores e artistas, que foi tão citada nas obras de Erico, Dyonélio e outros, que era ouvida por Vasco e Iberê enquanto criavam, esta rádio está hoje invadida pelo pior jornalismo. Quando ela faz programas sobre negócios, sentimos saudades do superficialismo mais consistente da Globo; quando ela toca música brasileira, sentimos vontade de ouvir a FM Cultura, que faz isto com muito mais talento e repertório; quando ela apresenta programas étnicos, ficamos nos perguntando se há algum profissional por perto para ajudar o pobre amador responsável pelo espaço; e quando as matérias são produzidas pelos alunos, temos de aceitar, afinal a Rádio pertence a uma Universidade, o que fazer?
Esta grande emissora possui uma das maiores discotecas e cedetecas do país. Durante alguns períodos difíceis a rádio solicitava doações de obras em CDs. Vários conhecidos, including me, fizeram doações de discos, famílias deram e dão para a rádio o acervo de seus melômanos mortos e o diabo trai a todos, certamente irritado pelo fato dos mesmos estarem no céu, gozando das duvidosas delícias castas oferecidas nestes casos. E a Magnífica Reitora Wrana Panizzi, que certamente não se interessa um nadinha por música, fica cantando “tô nem aí”, enquanto penso sobre onde estão Flávio Oliveira, Rubem Prates e outros conhecedores de música neste momento. Alguém deveria dizer à diabólica Sandra que, se há um noticiário de uma em uma hora, só é possível executar as sinfonias Nº 1 e 4 de Mahler ou as Nº 4, 7 e 9 de Bruckner e nunca as outras obras destes autores, pois somente as citadas têm menos de uma hora de duração… Mas tentarei refrear a indignação e ir por partes:
1. Os horários:
Repetindo, como tocar uma sinfonia de Bruckner, Mahler, a West Side Story inteira ou uma ópera se de hora em hora há um programa de notícias? A programação da RU fica limitada e empobrecida devido a estas interrupções.
2. Quanto à qualidade das gravações:
As pessoas de mais de 35 anos que têm discotecas há decênios se deparam com um problema: a gravação em vinil ou a gravação em CD? Eu, que possuo mais de 1200 discos em vinil e uns 800 CDs, sei bem o que é isto. Às vezes, a qualidade musical de um CD é inferior ao de uma gravação em vinil. Então, se a RU ainda tem agulhas novas nada, mas nada mesmo, justifica a transmissão das Variações Goldberg de J. S. Bach por Christiane Jaccottet (ainda mais em um sábado de manhã!). Ela é simplesmente medonha. O fato de estarem presentes no acervo da rádio CDs da antiga Movieplay não obriga a emissão de todos eles. Ora, quem possui as Goldberg em gravações de Landowska, Leonhardt, Gould, Richter, Staier e Hantaï estará totalmente certo se esquecer os 12 volumes das obras para teclado de Bach pela Jaccottet. A boa qualidade do som do CD apenas deixa mais expostos os erros dela. Eu mesmo tenho estes CDs e já os esqueci. (Alguém aí na bloguesfera os quer?) Claro que isto não vale para todos os Movieplay, só para alguns.
3. O repertório:
Parece que a rádio está mais e mais acadêmica em seu repertório. Há uma variação muito pequena de autores/estilos/escolas. Ficamos todos os dias repassando os mesmos nomes. Um dia, por exemplo, foram colocadas consecutivamente três gravações da Sinfônica de Washington sob a regência de Rostropovitch. Eram autores diferentes e as gravações são boas, mas para que isto? Ninguém estava comemorando a détente, nem o aniversário de Shostakovitch ou alguma data russa ou soviética, estava? Outro fato que me intriga é que os autores – exceto Gorecki – que estão crescendo na consideração de qualquer publicação de música erudita não são mais repercutidos na RU. Cito os nomes de Spohr, Heinichen, Berwald, Ockeghem, Schnittke e em outros tantos que principalmente a Naxos está trazendo à tona. A atual RU parece ser programada por curiosos.
4. Os programas:
Há um programa sobre cinema que é um toca-cedês de trilhas de filmes. Há um que até não é péssimo mas é um mistério. Ele tem o horário nobre das oito da noite e se extendia primeiramente por meia hora. Hoje tem, no mínimo, uma hora e, às vezes, o apresentador de mente caquética se entusiasma e vai adiante. Nunca sabemos quando estaremos livres dele. O programa é dedicado aos tangos. Parece que a Buenos Aires dos anos 40 ou 50 baixa em Porto Alegre; porém, infelizmente, Borges fica em sua biblioteca enquanto Cortázar viaja e Sábato fica ouvindo seu amado Heifetz em casa. Tudo o que Roque Araújo Vianna apresenta é “maravilhoso” e “genial”, o programa já fez cinco anos e ele nunca encontrou nada “mais ou menos” em sua alentada discoteca. O nome da coisa é “Tangos en la Noche”, mas deveria ser “Tangos Todas las Noches”. Um saco! E há um programa feito por ecologistas que diz 3 frases e passa para alguma música bem alegre e acústica. Somos, pois, informados subliminarmente que aquilo seria música ecológica.
5. Intercâmbio com outras rádios e programas sobre música:
Desapareceram os programas da Deutsche Welle, BBC, etc. Estive em São Paulo e ouvi programas muito interessantes na Cultura. Vinham do Canadá, Suécia, Espanha, Suíça, DW e BBC. Eram todos em português. Desconheço a opinião da RU sobre eles, mas eu os achei ótimos. Serão eles caros? Eu, na minha ignorância, sempre pensei que viessem de graça, através de um serviço de intercâmbio cultural, sei lá. E por que não são criados programas dedicados a um ciclo de composições e a seus principais intérpretes. Exemplos: Sinfonias e Quartetos de Beethoven, Cantatas de Bach, Concertos para piano de Mozart, etc. Discoteca para isto a RU tem de sobra. E bastaria chamar um especialista do Departamento de Música para resolver o problema.
7. As vinhetas e chamadas:
Provando a estranheza da atual equipe com a música erudita, só se ouvem vinhetas e propagandas de programas com músicas populares, normalmente as eletrônicas dos anos 70 e 80.
8. Apenas um elogio:
O programa “A Hora do Jazz” é perfeito. Quem o apresenta sabe do que está falando. Não sei seu nome completo, é Günther mais um sobrenome alemão, é claro. Tal apresentador recebe uma hora semanal da divina Sandra. Por que não reduzir os tangos a este tempo?