Apenas dois parágrafos sobre os 40 anos do primeiro título brasileiro do Inter (com os melhores lances da decisão)

Apenas dois parágrafos sobre os 40 anos do primeiro título brasileiro do Inter (com os melhores lances da decisão)
O chamado gol iluminado de Figueroa. Iluminado e decisivo
O chamado gol iluminado de Figueroa. Iluminado e decisivo

Meu pai me fez colorado, mas logo eu passei a amar o futebol muito mais do que ele. E nós, eu e o Sylvio, marido de minha irmã — fizemos com que ele voltasse aos estádios de forma tão cabal que ele assistiu à final do Brasileiro de 1975 e eu não, pois estava estudando para o vestibular. Acho que eu não precisava me punir daquela forma — passei fácil no exame, glória juvenil —, mas ele me contou que, quando Figueroa fez o gol que nos deu o título, ele se sentou com as mãos na cabeça na arquibancada do Beira-Rio, enquanto todos comemoravam. Naquele momento, ele me culpava por tê-lo tornado aquele fanático que quase morreria com cada chute de Nelinho — e defesa de Manga — nos minutos seguintes. Foi o que ele me disse quando voltou para casa.

Faz tempo, né? Mesmo antes de 1975, o Inter tinha um time muito bom. Elias Figueroa e Paulo César Carpegiani já estavam aqui desde 1971 e o time foi pouco a pouco recebendo reforços, mas foi a chegada de Lula em 74 que mudou tudo. Ele foi o cara que dizia a todos — interna e externamente — que tínhamos um tremendo time e que podíamos ser campeões brasileiros. Naquela época, éramos uns provincianos. Achávamos impossível vencer as equipes de Rio e São Paulo. Uma vez ouvi Lula afirmar: “Eu falava que seríamos campeões e o pessoal ria”. Outro grande campeão foi o técnico Rubens Minelli. Ele foi o cara viu a Holanda de 1974 e tropicalizou um pouco daquela “loucura”. Fez do jeito que dava. Nosso time corria como nenhum outro e até os atacantes marcavam! Havia outros craques, claro, como esquecer de Falcão? Mas Lula e Minelli foram os dois pioneiros.

Abaixo, os melhores lances daquele jogo sofridíssimo:

https://youtu.be/1i4yD6f41lc

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Dmitri Shostakovich (VIII – Final)

Na primeira parte do último texto, escreverei uma pequena introdução sobre meu diletantismo radical de escolher um compositor para passar centenas de horas a lê-lo e ouvi-lo. Há muita coisa boa e muita porcaria publicada. Já as gravações são quase todas boas. Ele não é compositor para músicos diletantes…

Os piores textos vêm daquelas alas que atribuem ou buscam descobrir alguma posição política no homem e na obra. Tais posturas, encontráveis tanto à direita quanto à esquerda, com predominância daquela, servem apenas para mostrar a ideologia de quem escreve, o que, convenhamos, pouco interessa neste caso. Depois de muito ler, fica clara a grande e falsa exposição que Shostakovich obteve durante da Guerra Fria, no Oriente e no Ocidente. Ambos os lados o utilizaram como exemplo de suas teses. Ele e outros intelectuais soviéticos foram espécies de caixas pretas nas quais se podia adesivar as mais diversas opiniões e posições. Não, Shostakovich nem representava o governo soviético, nem esteve ao lado dos dissidentes Soljenítsin e Sakharov. Se teve inúmeras oportunidades de permanecer no Ocidente e não o fez (argumento da esquerda), também sofreu horrores com Jdanov, Stálin e mesmo depois (argumento da direita); se escreveu ironias ao estado soviético (Cantata Rayok, argumento da direita), também cantou o heroísmo da revolução em obras não encomendadas. Shostakovich parece-me ter sido alguém cujo pensamento político possuía pouca relevância e que agia sempre como artista e ponto. Só isso? Não, em minha opinião, ele era um comunista muito crítico e reto, com uma complexa relação de amor e ódio ao poder da URSS. Apenas Stálin era cem por cento abominado. Era um artista, não um político; não seguia as linhas tortuosas, às vezes indefensáveis, que os partidos frequentemente defendem. Utilizou-se de temas de sua época, porém a perspectiva sob a qual via o mundo era, curiosamente, sempre foi a dos mortos. Dos mortos pelos nazistas, pelos anti-semitas, pelos soviéticos, por Stálin ou pelo passar do tempo, como em toda sua obra final. Como escreveu Fernando Monteiro, toda grande obra gira em torno de três temas: Amor, Deus e Morte. Acho que Shostakovich, teve muito a dizer sobre todos, principalmente sobre os dois últimos temas; o primeiro pela inexistência, o segundo pela onipresença.

Aliás, com o passar do tempo — o qual tem o bom costume de fazer aparecer a verdade e o pouco recomendável hábito de fazer desaparecer nossos pobres corpos –, a discussão sobre o pensamento político de Shostakovich tornar-se-á ociosa e ficará o que interessa: o homem e o compositor; e este era um sujeito brilhante e produtivo, deprimido e eufórico, que torcia interminavelmente os dedos, como mostram os filmes soviéticos, sentado num trem olhando a chuva bater na janela; que homenageava a pureza de alguns revolucionários e criticava ou expelia seu amargor e sarcasmo aos governantes; que permanecia parado por horas em silêncio com os amigos de que gostava — e só com eles.

Por falar em gostar, o que gosto em Shostakovich é sua música. Ela é produto de um artista apaixonado e inacreditavelmente produtivo. A forma com que ele se relacionou com seu tempo serviu à sua música e não o contrário. Escrevia para ser compreendido e para expressar-se, mas não tinha ilusões de mudar seu país e o mundo, que é como parece pensar quem só vê política na arte de Shostakovich. Sua música, antiquada para os modernos e moderna para os anacrônicos (sem ofensas, sem ofensas…), consegue ser visceral e cerebral, e concordo com este artigo quando seu autor fala no quanto a audição de Shostakovich demandou-lhe subjetivamente. Não é música para ser assimilada nas primeiras abordagens e nem esquecida facilmente. São experiências oferecidas por alguém disposto a buscar tudo o que estivesse à mão para expressar o que desejava e que produziu uma obra séria, sarcástica, deprimente, divertida, inteligente, lúdica e extraordinária: às vezes, tudo ao mesmo tempo.

A seguir, comento as três últimas grandes obras de Shostakovich.

Quarteto de Cordas Nº 14, Op. 142 (1972-73)

Este é quase um quarteto para violoncelo solo e trio de cordas, tal é a proeminência dada àquele instrumento. É um quarteto inspiradíssimo, escrito em três movimentos (Allegretto – Adagio – Allegretto), e que tem seu centro dramático em um dilacerante adagio de 9 minutos. Não consigo imaginar uma audição deste quarteto sem a audição em seqüência do Nº 15. Eles, que costumam aparecer juntos, seja em vinil ou em CD, formam, em minha imaginação, uma só música.

Quarteto de Cordas Nº 15, Op. 144 (1974)

Este trabalho, assim como a sonata a seguir, são tidas como obras-primas e seriam os dois principais “réquiens privados” de Shostakovich. Concordo.

O que dizer de um obra escrita em seis movimentos, em que quatro deles são adagio e os outros dois são adagio molto, sendo que, destes dois últimos, um é uma marcha funeral e outro um epílogo…? Ora, no mínimo que é lenta. Porém, como estamos falando do Shostakovich final, estamos falando de uma obra que tem como fundo a morte. Há três movimentos realmente notáveis nesta música: a Serenata: Adagio, a Marcha Fúnebre – Adagio Molto e o musicalmente espetacular Epílogo – Adagio Molto. O Epílogo recebeu vários arranjos sinfônicos e costuma aparecer — separadamente ou não do resto do quarteto — em gravações orquestrais.

Sonata para Viola e piano, Op. 147 (1975) – A Última Composição

Esta é a última composição de Shostakovich e uma de minhas preferidas. Ele começou a escrevê-la em 25 de junho de 1975 e, apesar de ter sido hospitalizado por problemas no coração e nos pulmões neste ínterim, terminou a primeira versão rapidamente, em 6 de julho. Para piorar, os problemas ortopédicos voltaram: “Eu tinha dificuldades para escrever com minha mão direita, foi muito complicado, mas consegui terminar a Sonata para Viola e Piano”. Depois, passou um mês revisando o trabalho em meio aos novos episódios de ordem médica que o levaram a falecer em 9 de agosto.

Sentindo a proximidade da morte, Shostakovich escreveu que procurava repetir a postura estóica de Mussorgsky, que teria enfrentado o inevitável sem auto-comiseração. E, ao ouvirmos esta Sonata, parece que temos mesmo de volta alguma luz dentro da tristeza das últimas obras. A intenção era a de que o primeiro movimento fosse uma espécie de conto, o segundo um scherzo e o terceiro um adágio em homenagem a Beethoven. O resultado é arrasadoramente belo com o som encorpado da viola dominando a sonata.

Os primeiros compassos da Sonata ao Luar, de Beethoven, uma obra que Shostakovich frequentemente executava quando jovem pianista, é citada repetidamente no terceiro movimento, sempre de forma levemente transformada e arrepiante, ao menos no meu caso… O scherzo possui uma marcha e vários motivos dançantes, retirados de uma outra ópera baseada em Gógol — seria sua segunda ópera composta sobre histórias do ucraniano, pois, na sua juventude ele já escrevera O Nariz (1929) — que tinha sido abandonada há mais de trinta anos. Outras alusões são feitas nesta sonata. Há pequenas citações da 9ª Sinfonia (de Shostakovich), da 4ª de Tchaikovski, da 5ª de Beethoven, da Sonata Op.110 de Beethoven, de Stravinsky, Mahler e Brahms. E a abertura da Sonata utiliza trecho do Concerto para Violino de Alban Berg, também conhecido pelo nome de “À memória de um anjo”, o qual é dedicado à filha de Alma Mahler, Manon, morta aos 18 anos, com poliomielite.

Creio não ser apenas invenção deste ouvinte- – há uma constante interferência do inexorável nesta música, talvez sugerida pela intromissão de temas de outros compositores na partitura, talvez sugerida pela atmosfera melancólica da sonata, talvez por meu conhecimento de que ouço um réquiem. O fato é que Shostakovich estava aguardando.

Shostakovich morreu sem ouvir a sonata, que foi estreada num concerto privado no dia 25 de setembro de 1975, data em que faria 69 anos.

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Manga está de volta

Eu sei, são coisas de um louco por futebol: foi sincera minha alegria ao saber que o Inter, hoje, contratou Manga como relações públicas, com a finalidade de buscar novos sócios. Talvez não tenha havido um ícone colorado que tenha criado uma aura de invencibilidade como Manga. Na década de 70, ele foi o mais perfeito, falho, fantástico e problemático dos homens, ganhava tudo o que podia em campo, depois perdia todo o seu salário em torno de uma mesa de jogo. E gostava de uma cerveja como poucos, apesar da forma atlética de guri, mesmo aos 40 anos. A diretoria reclamava dos cobradores. Sei que havia dívidas de jogo que eram pagas pelo presidente Eraldo Hermann em sua loja Hermann — Materiais de Construção, espécie de Tumelero da época. O que fazer? Pagar, ué.

(Vejam os dedos tortos de Manga na foto acima, resultado de fraturas ignoradas pelo grande goleiro). Quando penso nas defesas daquele Inter x Cruzeiro de 1975, feitas bem na minha frente, custo a me dar conta de que aquela partida decidia o primeiro Campeonato Brasileiro de um clube gaúcho. Eu estava na social, próximo à estripolia. Como não tinha levado rádio, ignorava que Manga tinha quebrado um dedo e encarei como uma brincadeira o que mostro abaixo:

Na hora, não achei nada engraçado. Na verdade, fiquei puto com a total irresponsabilidade de nosso goleiro. Lembrei que, em 1966, ele tinha acertado um tiro de meta na cabeça de um russo em pleno Maracanã e que a bola entrara em seu gol. Todos os fantasmas de quem nunca fora campeão passaram pela minha cabeça de 18 anos até que Manga voltou a ser a estrela do jogo. Nelinho ia bater uma falta. Certamente, tentaria dar aquele efeito miraculoso de sempre, só que…

… , caralho, era o dia de Manga. E todas as decisões que o vi jogar no Inter eram dias de Manga. E agora este goleiro monstruoso estará de volta a Porto Alegre. Estará de volta para jogar, vai entrar em campo? Claro que não! Mas a contatação de Manga eleva o clube a outro patamar. É coisa de clube muito grande. Explico.

Se o Inter trará um perdulário problemático para Porto Alegre tanto se nos dá. O que importa é que é uma honra para o atleta e uma atitude de clube grande e grato as contratações de Clemer e agora a de Manga. Um clube que não reconhece sua história começa cada temporada do zero, é um clube pequeno. Manga não fará Abbondanzieri jogar mais e talvez nem consiga tantos sócios, mas quando os jogadores e torcedores o virem, saberão que há gratidão e respeito no clube que amam. Aquele senhor de 72 anos — que parece nunca ter falado direito nossa língua após sua passagem pelo Nacional de Artime — estará lá para comprovar. Dá-lhe Manguita Fenômeno!

Obs.: O Ramiro Conceição me faz lembrar de um fato que não expliquei no post. Manga estava morando no Equador, onde o Inter joga hoje. Estava desempregado, passando por dificuldades financeiras. O Inter soube e criou um emprego útil para o clube e para um de seus maiores jogadores em todos os tempos, o qual estará agora numa melhor situação de vida.

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Shostakovich: Sinfonia Nº 10 (2º Mvto: Allegro, 3º Mvto: Fragmento do Allegretto )

A grande imprensa brasileira parece proibida de tecer observações elogiosas a quaisquer aspectos da Venezuela, mas tal preconceito não é de nenhuma forma seguido pelos europeus. Lá, Hugo Chávez é apenas eventualmente o outro nome de Satanás e a Orquestra Jovem Simón Bolivar da Venezuela tem recebido enorme atenção de alemães, ingleses e espanhóis. Por exemplo, a filmagem acima ocorreu no Royal Albert Hall de Londres, no exato dia em que eu completava 50 anos, em 19 de agosto de 2007.

Mas aí você me pergunta: o que é esta orquestra, quem é o rapaz que a rege? A Simón Bolivar é a orquestra líder de outras 120 orquestras de jovens venezuelanos. Trata-se de um programa chamado El Sistema, criado em 1975 pelo maestro José Antonio Abreu e que viabiliza a educação musical às crianças mais pobres do país. Ou seja, há milhares de jovens em torno dos 150 músicos da Simón Bolivar. Mais exatamente 250.000. São pessoas que nunca saberiam da música que trazem em si não fora o El Sistema apoiado pelo diabo. Atualmente, a orquestra grava para a Deutsche Grammophon e já há venezuelanos vencendo concursos na Orquestra Filarmônica de Berlim e em outros conjuntos europeus. E Gustavo Dudamel? É um espetacular talento de 27 anos que Claudio Abbado saúda como o novo Bernstein. Ele acaba de ser contratado como regente titular da Filarmônica de Los Angeles, mas não abandonará a Simón Bolivar.

Ontem, Zero Hora publicou um artigo em seu Caderno de Cultura, porém esqueceu-se de Chávez. É estranho, pois trata-se de um projeto importantíssimo de inclusão cultural que é inteiramente bancado pelo governo da Venezuela. Se é mais antigo que Chávez, este soube avaliá-lo e acelerá-lo. E pasmem: será copiado na Inglaterra. ZH diz que o será também no Rio Grande do Sul… Na Venezuela, ele salva crianças a um custo de 30 milhões de dólares anuais. Uma bagatela. São 120 dólares por criança ao ano, 10 ao mês. Apenas R$ 25,00 por criança.

A música. A Sinfonia Nº 10 é a primeira que Dmitri Shostakovich escreveu logo após a morte de Stálin. O Allegro acima seria um retrato da violência do grande desafeto do compositor. Shosta nunca negou. O furacão Dudamel sai-se maravilhosamente. Já o Alegretto que o sucede (tela abaixo) é gentil e apresenta pela primeira vez uma assinatura do autor. Aos 3min35, há um solo de trompa — que, se não me engano, é repetido mais três vezes — cujas notas, em notação alemã, são D-S-C-H… (em alemão, Dmitri Schostakovich). Ou seja, Stálin morreu, mas eu estou vivo. É música de primeiríssima linha, cheia de alusões e intenções, muito complexa e inteiramente inadequada a uma orquestra despreparada.

Sigam com o início do Allegretto, 3º movimento da décima de Shostakovich. É coisa de gênio. O resto pode-se encontrar no Youtube ou em mp3: aqui na versão de Kondrashin e aqui na de Mravinsky.

Obs.: Quem tiver browsers rebeldes deve clicar aqui para assistir a primeira parte e aqui para a segunda.

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