Porque hoje é sábado, Sharon Tate

Porque hoje é sábado, Sharon Tate

Hoje, 9 de agosto de 2014, faz 45 anos do assassinato de Sharon Tate.

Em 1969, eu tinha de onze para doze anos, havia alguns nomes de pessoas que eram tratadas com notável cuidado e que faziam muita gente abrir a boca de susto ou admiração. A primeira delas era indiscutivelmente Che Guevara. Devido ao “Tchê” eu pensava que se tratava de um gaúcho. Por influência de alguém — quem seria? –, nós gritávamos seu nome quando fazíamos gols, mas essa é outra história. Com maior liberdade circulava o nome de João Saldanha, o técnico comunista da seleção brasileira. Mas era inadequado admirá-lo demais. Porém, se eu quisesse que as mulheres pusessem as mãos na boca, dizendo “que barbaridade”, bastaria citar o nome de Sharon Tate.

Claro que eu demorei muito para saber que Sharon era uma bela mulher, na época esposa do diretor Roman Polanski, e que fora assassinada em agosto de 69 grávida de oito meses, num ritual ordenado por Charles Manson. Manson estava simplesmente iniciando uma guerra — denominada de Helter Skelter, como a música dos Beatles. Seria uma guerra entre negros e brancos, onde os brancos seriam exterminados. Ele acreditava que algum negro logo seria acusado dos assassinatos e os confrontos explodiriam com derrota final da raça branca. Ele e sua “família” (ele assim chamava seu grupo de lunáticos) eram brancos e planejavam esconder-se dentro de um poço no deserto para fugir da guerra. Era apenas mais um norte-americano doido varrido.

Ao procurar fotos de Sharon Tate, acabei vendo algumas imagens de seu assassinato. Não terei o mau gosto de mostrá-las aqui, mas posso compreender as caras assustadas de minha mãe e tias. Charles queria que os assassinatos fossem realizados com a maior crueldade e gratuidade possíveis — por isto, a escolha de Tate grávida, com parto previsto para dali a duas semanas –, com suas vítimas sendo espancadas, esfaqueadas e baleadas até a morte. Manson matou seis pessoas e, depois de preso, reafirmou seu ódio profundo pela humanidade.

Polanski salvou-se por estar trabalhando em Londres, mas três amigos de Sharon foram assassinados junto com ela. Ela era linda, com uma cara típica dos anos 60, de que foi símbolo.

.oOo.

A curta vida de Sharon Tate foi cheia de som, filmes, fotos e fúria.

Bem anos 60, aí está uma das fotos do rumoroso casamento da atriz…

…com o cineasta polonês Roman Polanski. Tudo começou em A Dança dos…

… Vampiros (1967), comédia de humor negro (mesmo!) do futuro maridinho.

Sharon nasceu em 1943 e, seis meses depois, vencia um concurso de beleza.

É, seus pais deviam ser uns chatos. Depois Sharon tornou-se isso aí.

Era linda, famosa e sua imagem tomava conta das revistas da época.

Sua atuação em O Vale das Bonecas ameaçava torná-la uma grande estrela…

…quando foi assassinada cruelmente pelo psicopata hippie Charles Manson,…

… preso até hoje na Califórnia. Para piorar, Sharon estava grávida de oito meses.

sharon tate

Como confirmou o psicanalista e blogueiro Cláudio Costa, o caso Sharon Tate…

… provocava associações de erotismo, nojo e medo em nossas tias.

Um assassinato desses era uma novidade. Nunca se divulgara algo deste gênero…

… em uma mídia recém planetária. Foi uma comoção, um ato repulsivo, inaceitável.

Para falar de Manson e mesmo de Sharon, baixávamos o tom de voz.

Era vergonhoso. As pessoas todas começavam a se verem refletidas na mídia.

Consequentemente, tapava-se pudicamente a boca.

Eram tempos em que crimes ainda nos chocavam.

-=-=-=-=-

Um dia, o Ramiro Conceição comentou aqui no blog:

Quando aconteceu o assassinato, eu era um tenro adolescente; contudo, lembro-me ainda do olhar esquizóide de Manson… Milton, aquele olhar ficou em mim! Muito mais tarde, compreendi que aquele olhar esquizóide, na realidade, era o verdadeiro olhar da América! Explicando ainda muito melhor: foi quando compreendi o bombardeio de Dresden, já com a Alemanha vencida; quando compreendi a tragédia de Hiroxima e Nagasaki; as guerras da Coréia e Vietnã; as intervenções militares na Guatemala, Cuba; o apoio logístico ao assassinado de Allende; o apoio ao golpe de 64, no Brasil; o fomento, em todas as partes do Mundo, de elites sanguinárias; a guerra no Iraque, Afeganistão etc., etc.: sempre, sempre, sempre aquele olhar esquizoide! Em poucas palavras: o olhar de Manson está na estátua da Liberdade; aliás, somente na América a Liberdade é rígida; na minha rua, a Liberdade é música!

Domingo, com Maria Bethânia

Meu caro Ramiro Conceição.

Li teu comentário — que transcrevo abaixo — e tenho reparos a ele. Poucos, é verdade; e os que há são relativos à isonomia e à lastimável postura da sobrinha Belô Velloso, filha de Mabel Velloso, irmã de Caetano e Bethânia, e cuja única boa referência foi a de ter vindo ao mundo num 19 de agosto. Ela, na minha opinião, prestou severo desserviço para sua tia famosa.

Mas hoje é DOMINGO e, apesar das imagens, a música e a letra são esplêndidas! (Quase ninguém conhece esta música, mas ela faz parte dos dois últimos CDs de Bethânia — Tua e Encantería — , lançados juntos. A boa MPB é ouvida apenas do exterior. Por que o MinC não age também neste ponto, o qual é muito mais importante: o de proteger a música brasileira de qualidade? Não dá para fazer? Ah, dá, sim. Assim como o cinema e a literatura.).


Ou clique aqui.

MERDA, POESIA!
by Ramiro Conceição

Até onde compreendi, a cantora baiana está autorizada somente a batalhar no mercado recursos que, se obtidos, fomentarão concretamente, durante um ano, vídeos diários sobre poesia (não estou a par do conteúdo proposto para tais vídeos), mas acredito que, por toda a obra artística de Bethânia, tal iniciativa não tenha qualquer característica de amadorismo.

Até onde compreendi também, as empresas que endossarem livremente tal projeto terão a sua marca associada ao empreendimento cultural bem como um incentivo fiscal, um desconto, em seu imposto de renda.

Até onde compreendi também, tudo se dará sob a total transparência da lei. Até o momento, não percebi, em tudo que li, qualquer falcatrua porventura escondida na decisão do MinC.

Bem, se não há nada ilegal, então resta analisar se houve, ou há, alguma falta ética no acontecido, ou seja, qual a falta ética de Bethânia ou do MinC no episódio em questão?

Até onde compreendo, haveria uma falta ética se, e somente se, algum outro projeto de caráter semelhante não tivesse sido autorizado antes ou tivesse sido indeferido por favorecimento claro ao aprovado agora pelo MinC. E, por outro lado, se Bethânia tivesse claramente se utilizado de tráfico de influência em detrimento de outro projeto superior ao seu.

Vive-se no Brasil um regime democrático, portanto, que os injustiçados apareçam, se pronunciem competentemente!

Mas, por favor, não me venham com argumentos do tipo: “Ah, Bethânia é rica” ou “Ah, 50.000 por mês, que absurdo!” ou “Ah, eu faria o mesmo ‘di gratis’” ou “Filha da puta da Bethânia” ou “Tal grana poderia ser destinada à educação”.

Não, o buraco é muito, muito, mais em baixo e, minhas senhoras e senhores, não se trata aqui de nenhuma baixeza.

Minhas companheiras e companheiros de história, gostaria de lembrá-los de um fato. Amyr Klink, quando do seu projeto de hibernação na Antártica, a duras penas, conseguiu o patrocínio à construção de seu barco por meio da “AÇOS VILLARES”, à época importantíssima empresa brasileira do setor SIDERÚGICO, isto é, da metalurgia do FERRO!!!!. Detalhe, importantíssimo, seu barco foi construído totalmente em ALUMÍNIO!!!!!!

Por que a AÇOS VILLARES não poderia ter obtido qualquer benefício fiscal – como não obteve!!!! – ao financiar tal empreendimento histórico?! Com terrível angústia, Amyr descreve em seu livro de relatos que, sem a VILLARES, seu projeto não teria existido. Outro detalhe: Amyr fora o único ser humano a atravessar a remo o Atlântico Sul.

Diante disso, brota em mim, infelizmente, a seguinte constatação histórica:

o padecer crônico do Brasil não se constitui essencialmente de seus milhões de miseráveis, mas, ao contrário, de sua maligna, insignificante elite miserável!

Diante disso, só posso clamar à Maria Bethânia:

MERDA, POESIA!

(À merda, hipocrisia)!

José e Pilar e os outros

Foi um belo fim-de-semana. Começou lá na sexta-feira com o jantar com a dupla Nikelen Witter e Luís Augusto Farinatti e terminou com o esplêndido documentário José e Pilar. Os dois casais foram entremeados por um filme notável: Código Desconhecido, de Michael Haneke, que, se não é o maior diretor de cinema vivo, merece figurar em qualquer lista que utilize a contundência como critério. Este Código e A Fita Branca são filmes de qualidade indiscutível, penso.

Mas voltemos à sexta-feira. Eu estava exausto de um dia de ar condicionado estragado no Sul21, porém a conversa inteligente, o vinho e a gentileza novamente viraram o jogo a favor de todos. Foi tudo muito agradável e civilizado. Minha filha Bárbara fez o resumo da noite dizendo que achava muito bom ouvir pessoas cultas conversarem. OK, só que acho que a sedução que exercemos sobre ela (já me incluí no “exercemos”, né?) é a de que falamos sobre política e temos posições que já são as dela. De certa forma, nós — apesar de não sermos nada grandiosos — mais ou menos justificamos aquilo uma forma de pensar o mundo. Fico me sentindo culpado por não ter feito referência nenhuma à visita do Ramiro Conceição lá no início do ano, mas aquela era uma fase triste de minha história recente…

José e Pilar não é um filme que fale muito da obra de Saramago, fala mais da repercussão dela, da rotina de um Nobel famoso e de seu relacionamento com a mulher amada, Pilar del Río. Olha, é um documentário estupendo como cinema. Resultado de quatro anos de filmagens — entre 2006 e 2009 — tem como pano de fundo a criação da romance A Viagem do Elefante e a doença do escritor. Saramago, absolutamente inteligente e erudito em suas palestras e livros, mostra uma face mais relaxada e íntima no excelente filme de Miguel Gonçalves Mendes. O filme me foi 100% satisfatório, mas tenho a impressão de que o diretor considerou que o público tivesse conhecimento prévio da vida do autor. Fica inexplicada a forma peculiar que tomaram com Saramago as eternas restrições portuguesas e brasileiras àqueles que se distinguem, fica inexplicado o justificado ódio com que Pilar del Río trata um jornalista português — merecia muito mais — , assim como a natureza de certo silêncio que o “Portugal oficial” tratou de cercar Saramago.

A mim isto não fez falta nenhuma, mas talvez um observador inexperiente ou marciano não entenda bem o gênero da estupidez envolvida. O fato é que “minhas mulheres” resumem muito bem tudo. Na saída do cinema, a Claudia, encantada com o filme, disse: “Como é bom a gente ouvir alguém brilhante que pensa parecido com a gente!”.

Finalizando: por falar em estupidez, o cinema nacional agora trata de investir na religião. Os trailers pré-José e Pilar foram todos dedicados a espécimes do novo cinema religioso nacional. Comparados aos argentinos, estamos cada vez mais fodidos — saímos da chanchada para a religião. Nada mais próximo. O contraste dos trailers com os 125 minutos seguintes de Saramago foi absolutamente desconcertante. Para sofrer este choque estético, vá ao Arteplex 2 de Porto Alegre antes que mudem.

Manga está de volta

Eu sei, são coisas de um louco por futebol: foi sincera minha alegria ao saber que o Inter, hoje, contratou Manga como relações públicas, com a finalidade de buscar novos sócios. Talvez não tenha havido um ícone colorado que tenha criado uma aura de invencibilidade como Manga. Na década de 70, ele foi o mais perfeito, falho, fantástico e problemático dos homens, ganhava tudo o que podia em campo, depois perdia todo o seu salário em torno de uma mesa de jogo. E gostava de uma cerveja como poucos, apesar da forma atlética de guri, mesmo aos 40 anos. A diretoria reclamava dos cobradores. Sei que havia dívidas de jogo que eram pagas pelo presidente Eraldo Hermann em sua loja Hermann — Materiais de Construção, espécie de Tumelero da época. O que fazer? Pagar, ué.

(Vejam os dedos tortos de Manga na foto acima, resultado de fraturas ignoradas pelo grande goleiro). Quando penso nas defesas daquele Inter x Cruzeiro de 1975, feitas bem na minha frente, custo a me dar conta de que aquela partida decidia o primeiro Campeonato Brasileiro de um clube gaúcho. Eu estava na social, próximo à estripolia. Como não tinha levado rádio, ignorava que Manga tinha quebrado um dedo e encarei como uma brincadeira o que mostro abaixo:

Na hora, não achei nada engraçado. Na verdade, fiquei puto com a total irresponsabilidade de nosso goleiro. Lembrei que, em 1966, ele tinha acertado um tiro de meta na cabeça de um russo em pleno Maracanã e que a bola entrara em seu gol. Todos os fantasmas de quem nunca fora campeão passaram pela minha cabeça de 18 anos até que Manga voltou a ser a estrela do jogo. Nelinho ia bater uma falta. Certamente, tentaria dar aquele efeito miraculoso de sempre, só que…

… , caralho, era o dia de Manga. E todas as decisões que o vi jogar no Inter eram dias de Manga. E agora este goleiro monstruoso estará de volta a Porto Alegre. Estará de volta para jogar, vai entrar em campo? Claro que não! Mas a contatação de Manga eleva o clube a outro patamar. É coisa de clube muito grande. Explico.

Se o Inter trará um perdulário problemático para Porto Alegre tanto se nos dá. O que importa é que é uma honra para o atleta e uma atitude de clube grande e grato as contratações de Clemer e agora a de Manga. Um clube que não reconhece sua história começa cada temporada do zero, é um clube pequeno. Manga não fará Abbondanzieri jogar mais e talvez nem consiga tantos sócios, mas quando os jogadores e torcedores o virem, saberão que há gratidão e respeito no clube que amam. Aquele senhor de 72 anos — que parece nunca ter falado direito nossa língua após sua passagem pelo Nacional de Artime — estará lá para comprovar. Dá-lhe Manguita Fenômeno!

Obs.: O Ramiro Conceição me faz lembrar de um fato que não expliquei no post. Manga estava morando no Equador, onde o Inter joga hoje. Estava desempregado, passando por dificuldades financeiras. O Inter soube e criou um emprego útil para o clube e para um de seus maiores jogadores em todos os tempos, o qual estará agora numa melhor situação de vida.