Há umas quatro décadas, literalmente, li este livro na versão Nove Estórias, da Editora do Autor. Tinha uma bonita lembrança dele, principalmente do conto Um dia perfeito para peixes-banana.
A estreia de J. D. Salinger na literatura ocorreu com o clássico O Apanhador no Campo de Centeio em 1951. 9 Histórias, que li agora na nova e bela tradução de Caetano Galindo para a Todavia, foi seu segundo livro, publicado em 1953. Sete dos nove contos haviam sido antes publicados na revista The New Yorker e eles guardam alguns pontos de contato com o romance de estreia ao retratar uma boa galeria de jovens entre o inteligente e o desajustado. Trata-se de uma reunião de contos não planejada para formar um livro, mas o todo funciona muito bem ao apresentar uma corrente comum de bem humorado descontentamento.
Eu cultivo uma mania quando leio livros de contos. Costumo atribuir-lhes notas de 0 a 5. 9 Histórias alcançou a média de 4 e não lembro de outro que recentemente tenha chegado a tanto. Adorei o livro, claro.
Cada uma das histórias é um relato impreciso sobre a maneira de como os personagens se movem no mundo e interagem entre si. São basicamente diálogos e ligações telefônicas onde são articulados sentimentos e posturas. Não há divagações do autor e muito menos longas descrições. Os personagens de Salinger têm enorme capacidade para desencadearem bons diálogos. Isso geralmente toma a forma de uma criança em conversa com um adulto recém-encontrado, como Sybil e Seymour nos Peixes-banana, Esmé e o Sargento X em Para Esmé, com amor e sordidez, Teddy e Nicholson em Teddy. Os adultos costumam ser bem mais chatos, mas se surpreendem com a sabedoria despretensiosa dos mais jovens. Mas jamais podemos esquecer do sensacional diálogo adulto entre os “amigos” de Linda a boca, e verdes meus olhos.
Em algumas histórias, como em O Gargalhada e em partes dos Peixes-banana e em Lá no bote, a narrativa é angulada em perspectiva oblíqua — o personagem principal está sendo descrito por outros através dos quais o leitor o vê. Mais: em todas as histórias, independentemente da perspectiva, a narrativa é cercada por fatos de significado dúbio. Nada é gritado de forma deselegante. Tudo é sugerido ou parece enfiado ali casualmente. No entanto, o leitor atento que consegue sintonizar com a frequência peculiar de Salinger, verá o que é fundamental — a inocência, o arrependimento, a esperança, a saudade, o amor e a loucura.
Isto é, 9 Histórias tem histórias simples com um leque de significados que vão variar conforme a experiência do leitor. Li o livro há muitos anos e esta leitura de agora foi muito diferente, talvez mais rica. Cada conto é digno de ser lido, relido e trêslido. Há neles sutis menções a uma crescente cultura do ego e a uma imensa e gloriosa sugestão de que falta algo no mundo de todos nós.
Um grande livro.