A L.C.R.
Lembro da história que um grande amigo me contou há pouco tempo. Era a primeira metade de 1994 e seu casamento já estava na crise em que se manteve por mais sete anos quando, finalmente, para gáudio dos amigos, esboroou-se. Sua mulher reclamava da falta de dinheiro em casa e queria abortar o segundo filho do casal, o que não aconteceu. Ele, desesperado e irritado, resolveu vingar-se dela saindo com aquele back-up que alguns homens têm no escritório. Ao final de uma sexta-feira, saiu caminhando pela rua com a colega; viu um cartaz onde estava escrito Jacques Rivette, Michel Piccoli, Jane Birkin e Emmanuelle Béart. Interessou-se. Não podia ser um mau filme. Convidou-a, depois iriam a um bar. OK. Só faltou ler uma coisinha no cartaz além dos atraentes nomes dos artistas: 240 minutos.
O filme tinha aquele ritmo francês que causa engulho e sono aos americanizados espectadores atuais…
… mas meu amigo estava antes colonizado pela tristeza que pelo mau gosto.
Pouco a pouco deixou-se levar pelas belas imagens que narravam…
… a história do pintor em crise criativa que recebia uma nova modelo.
Passou a achar que a crise do personagem de Piccoli tinha tudo a ver com a sua e…
… que alguém como Béart poderia solucionar rapidamente quaisquer problemas. Imagina se não.
Lá pelas tantas, a colega perguntou:
— Que horas são que esta coisa não acaba nunca?
Ele viu que já tinham transcorrido três horas… Porém o filme não parecia estar perto do fim.
Ela queria retirar-se, mas ele desejava ver a modelo até o final do filme.
A colega irritou-se e disse que então ia embora. Foi.
Meu amigo ficou até o final. Sentia, enquanto ia sozinho para casa — a sua casa dos horrores –, aquele tremendo amor ao cinema… Hoje ele freqüenta outra praia, de águas mais calmas e quentes.
E a serenidade retornou àquele amigo que hoje vive com quem, desde o primeiro indício (em ambos os casos), sempre quis.
O filme é La Belle Noiseuse na França, A Bela Intrigante no Brasil, A Bela Impertinente em Portugal e The Beautiful Troblemaker nos EUA. Direção de Jacques Rivette. Asseguro-lhes, é uma obra-prima, não obstante o que diz nosso intrépido navegador.