O Ataque do Presente ao Restante do Tempo (*)

Não vogando já na doce ilusão de uma sociedade sem classes, concordei em viver numa sociedade sem classe.

Do extinto blog português BOMBYX MORI

O cinema é, atualmente, nosso único bem cultural comum, aquele que pode mais facilmente tornar-se assunto de conversa. Se você, por exemplo, desejar discutir um livro, só conseguirá fazê-lo se for um daqueles bem clássicos e olhe lá; se for um livro novo ou um que poucos leram, esqueça, você terá de “discutir” com um crítico ou procurar uma alma gêmea, como o Charlles Campos. Porém, é muito mais fácil trocar idéias sobre cinema, já que quase todos vêem os principais filmes. Por isso, tenho a opinião de que a crítica cinematográfica profissional é a atividade que hoje requer a maior das competências, pois é certamente a mais contestada. E temos excelentes críticos de cinema, seja em blogs, seja em jornais, mas há outros autenticamente ridículos.

Conheci um desses na última sexta-feira à noite. O autor, bastante lido, me assustou. É  análogo a certa casta de meninos que era obrigado a suportar na minha infância e adolescência: os que adoravam jogar futebol, não obstante serem irremediáveis pernas-de-pau. O pior é que, tal como o citado (ou não citado) blogueiro, aqueles meninos eram realmente fanáticos pelo jogo, eram os primeiros a chegar à nossa pracinha e muitas vezes eram os donos das melhores bolas. Estratégia.

Esse perna-de-pau — cujo nome não vou revelar e que não é o único — simplesmente não compreende o que vê na tela, possivelmente por falta de conhecimento e de bordel. Para escrever a respeito de determinados filmes são necessárias algumas interpretações e para tanto é imprescindível o conhecimento e/ou vivências e/ou referências e/ou esperteza; ou seja, cultura e algo mais.

Chutando para todo lado e pontificando sobre conceitos fundamentais suspeitos, usa uma arma que costuma ser sedutora aos crédulos: a arrogância sem justificativa. Este novo candidato a representante da ignorântzia escreve frases curtas e definitivas sobre todos filmes e é capaz de emitir involuntariamente os juízos mais cômicos. Patético. O único mérito que vejo neste blog de casa nova é o fato do homem realmente gostar de cinema; ele vê quase todos os filmes, dedica-se comovedoramente a correr de sala em sala, bem como fazia o menino perna-de-pau de minha infância — aquele que nos esperava para correr atrás da bola, raramente logrando tocá-la… Outro mérito, este mais duvidoso, é que ele parece ter o sério compromisso de resenhar todos os filmes. Aliás, é instado a isso por seus leitores nos comentários. Ou seja, há toda uma leva de jovens prontos para serem “orientados”.

Gostaria MESMO de explicitar algumas pérolas que andei lendo lá, mas tenho certeza que não devo fazer isso. O Google funciona muito bem e chega de confusões. Mas digo-lhes ao pé do ouvido que há coisas engraçadíssimas, se não fossem antes tristes. O que me deixa desconcertado é que um sujeito desses possa ter muitos leitores e que auxilie, sob aplausos, a confundir. Mas por que estou tão preocupado com isso quando há a Veja fazendo coisas piores em todas as áreas? Puff!

(*) Título copiado de outro título: o do filme de Alexander Kluge.

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