Indo à Bombonera

A decisão de ir à Bombonera ver Boca Juniors x São Paulo foi tomada na própria quarta-feira, 19 de setembro. Meu amigo Dario e seu filho Frederico chegariam aquele dia para que o guri (10 anos) participasse de um campeonato infantil de futebol. O Fred acabou a competição como campeão, foi escolhido o melhor jogador e ainda foi o goleador. Conhecendo o Dario há anos e tendo jogado futebol com ele, nunca imaginaria que seu filho pudesse ser um craque. Às vezes, até o Barão de Itararé erra: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Saiu. O garoto joga, teve a sorte de nascer canhoto – quem joga futebol sabe das vantagens disso – e já há até fotos do Fred dando entrevistas. O Dario é um bom pai e não se ufana para todo mundo das habilidades do filho e nem pressiona o guri. Apenas dá o acesso, dando vazão ao possível talento do menino.

Mas, voltemos a meu assunto: o Dario deixou um comentário aqui no blog “mandando” eu comprar os ingressos. Comprei três na platéia superior ao preço de 70 pesos cada (algo em torno de R$ 52,00 por ingresso). Antes, tomamos precauções para não sermos confundidos com bambis. Eu comprei uma camiseta com o símbolo do Boca e com a famosa inscrição “La mitad más uno”, indicando que a torcida do Boca é formada pela “metade mais um” dos argentinos. Mais quatro, provavelmente, porque meus três acompanhantes também trataram de comprar camiseta, boné, etc.

Todo brasileiro acha que os argentinos costumam divertir-se linchando alguns torcedores por jogo, servindo-os depois em animadas parrillas. Temíamos que nosso sotaque nos denunciasse não apenas como brasileiros, mas como autênticos bambis potenciais candidatos ao fogo (bambi significa torcedor do São Paulo FC). Queríamos ser identificados como xeneizes e fomos para a lendária Bombonera.

O estádio com formato de caixa de bombons tem uma curiosa história. Nos anos 30, o Boca Juniors quis ampliá-lo, mas desejava mantê-lo no mesmo local. Pediu à prefeitura um espaço maior, porém só obtiveram negativas. Havia trilhos de trens circundando as paredes do estádio – aliás, circundam até hoje – e a Ferrocarril Buenos Aires não aceitava desviar a rota. Depois de muita discussão, um arquiteto que esqueci o nome, apareceu com a solução: crescer para cima. No Museu do Boca, há desenhos de cortes laterais das arquibancadas. O que se vê são arquibancadas notavelmente íngremes, uma sobre a outra, formando três andares altíssimos. A analogia que posso fazer é a de que a disposição de tais arquibancadas parece uma basculante semi aberta. Das arquibancadas inferiores – plateias baixa e média – não se vê o céu, vê-se apenas o campo e na platéia alta, atrás do gol, onde estávamos, temos que levantar e olhar para baixo se quisermos ver uma cobrança de escanteio batida em nosso lado. A bandeira de escanteio está quase sob nossa arquibancada, só isso. É muito alto, não há elevadores e mesmo eu, acostumado com escadas, cheguei cansado lá em cima.

Quando se entra, vê-se que as plateias formam uma ferradura, completada por um edifício que a tapa. O edifício, uns vinte metros mais baixo que a ferradura, é onde ficam os camarotes e Diego Maradona, quando vai ver seu time. É um estádio antigo, velho, gasto, quase tacanho não fosse sua enorme altura. Não há local para os jogadores fazerem aquecimento; acaba o campo e já temos as paredes da caixa de bombons. Ou seja, é uma autêntica arena, tal como o Coliseu de Roma e sua irmã menor, mais bela e ainda em funcionamento pleno: a Arena de Verona. Eu e a Claudia fizemos um teste em Verona: ela desceu até o meio da arena – hoje palco de muitas óperas – enquanto eu permanecia lá cima, na última arquibancada. Ela falou baixo, mas eu a ouvi; ou seja, a Arena de Verona, ao lado da Piazza Bra, na cidade tão amada por mim, por ela e pelo Ubiratan Leal do Balípodo e da Trivela, tem incrível acústica.

Quando o jogo começou, houve momentos de silêncio da torcida e o Dario me disse uma coisa meio maluca, que pude comprovar logo depois: ouvíamos os gritos dos jogadores! Sim, todos os “Porra”, “Vai”, “Chuta” dos brasileiros e, de repente, um berro do goleiro do Boca (“Leandro!!!”), chamando seu companheiro, o número 10 Gracián. Quando a torcida grita, a amplificação do som é algo impressionante, mesmo considerando-se que o estadinho recebia só 20 mil pessoas aquela noite; é algo atemorizante, muito alto e que, pior, ecoa.

Ah, outra coisa inacreditável: o estádio não treme como os nossos, ele balança mesmo. O balanço é sentido nas pernas, no pescoço – temos que impedir que a cabeça caia, certo? – e é visualizado claramente. Pensei que minha cadeira balançasse por obra de algum “hincha de Boca” nervoso em nossa fila, mas não. Olhamos para a frente e observamos que toda a arquibancada balançava contra um gramado parado. Não sei como La Bombonera está em pé, mas está e… balança como se fosse articulada. O Dario sentiu-se tonto e eu pensei que, se os argentinos estavam tranquilos, não seria adequado sair correndo histericamente.

Todo o nosso receio quanto ao comportamento da torcida foi infundado. Lá fora, bom número de policiais; dentro do estádio, bom comportamento e nenhuma provocação aos brasileiros que torciam contra o São Paulo e que gritavam e faziam suas piadas em português. Sei que os barras bravas têm que ser evitados, mas só os vi dentro do estádio, em seus lugares, atrás das duas goleiras, assistindo o jogo em pé (ali não há arquibancadas ou cadeiras). A surpresa é que a torcida do Boca faz menos cantoria e grita menos que a colorada e que seus barras se mexem menos do que a Alma Castelhana do Grêmio. Prova de que não os copiamos, apenas achamos que os copiamos. Todos assistem ao jogo parados, inclusive a barra. O resto é lenda trazida por brasileiros exagerados. O que eles não fazem em hipótese alguma é vaiar seu time. A tranquilidade na torcida era como a de qualquer partida realizada no Brasil quando há torcedores de apenas um time. Mas quando gritam é aquilo…

Talvez o jogo tenha sido fácil demais e por isso estavam tão quietos, mas não sei não.