Se há uma artista que amo e com quem gostaria de passar horas conversando, esta é Carla Bley, que hoje completa injustos 80 anos. Nunca vou esquecer do dia em que ouvi pela primeira vez o som de uma das suas Big Bands. Cheguei tarde. Eu a conheci apenas em 1996, quando comprei o CD The Carla Bley Big Band Goes to Church. E eu tinha comprado aquele disco da ECM só para experimentar, nem sabia direito quem era ela e aquele nem era o melhor de seus discos. Depois, comecei a ouvir todo o resto. Desconheço artista capaz de maior variedade. Ela vai do tradicional ao nunca dantes, do tango ao hip hop, do camerístico ao sinfônico, do clássico ao popular com absoluta naturalidade, classe e humor. A amplitude do que escrevo não é exagerada, é bem calculada, ouça e comprove.
Um dos fatos que garante minha profunda admiração por esta extraordinária artista criativa — e quem a conhece sabe porque faço questão de chamá-la de criativa — ocorreu ontem. Fiquei na rua durante um concerto da Ospa porque Paulo Moreira estava apresentando algumas de suas obras na FM Cultura. Querem mais? Quando eu estava ali, o trombonista Julio Rizzo passou por mim e perguntou o que eu estava fazendo. Depois de informado, ele pôs a mão na boca, contraiu o rosto e disse:
— A Carla é muito foda, cara! Mas 80 anos??? Já?
Pois é, quem ouve a música e as entrevistas de Carla Bley sabe de sua juventude. Hoje é um dia triste para democracia brasileira. Imaginem que acabo de ouvir um discurso 100% filha-da-puta e mentiroso da senadora Ana Amélia, mas vou tentar abrir um espaço para Carla Bley. Pois, como escreveu hoje o Sérgio Karam em seu Facebook:
É provável que hoje seja o dia da institucionalização definitiva (?) do golpe, com uma votação no Senado que tem toda cara de tragédia anunciada. Lamentável, portanto, que esse dia coincida com o aniversário de 80 anos de uma das mentes mais criativas, generosas e libertárias do mundo musical, a querida Carla Bley, compositora inimitável e ser humano especialíssimo. Um brinde carinhoso a ela, apesar de tudo, desejando que possa ainda escrever muitas outras obras-primas, para alegria de seus ouvintes. (A foto, recente, é de Lauren Lancaster neste artigo do NYT.) Cheers!!!