Como se roubam livros em Portugal

Como se roubam livros em Portugal

Uma vez, publiquei um rumoroso post chamado Ensinando a roubar livros. Tive que retirar do ar este que talvez seja meu post mais comentado até hoje, após receber uma comunicação extra-judicial da Livraria Saraiva. Tenho o texto e garanto-lhes que o melhor são os comentários. São antológicos, maravilhosos, cheios de experiência. O post me granjeou uma fama tão planetária que fui entrevistado pela Folha de São Paulo… Para minha alegria, poucos livreiros parecem ter lido meus sábios ensinamentos e ainda posso entrar e sair de seus estabelecimentos com o título de bom cliente honesto.

Pois dia desses, meu amigo Fernando Guimarães veio tentar me seduzir me provocar para mais um post. É que jornais portugueses estavam novamente tocando neste assunto tão caro à humanidade pós-Gutenberg. Procurem não ler o texto que segue com o pobre olhar do moralismo, mas sim com o horizonte largo da profunda sede de cultura.

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Criminosos improváveis: Como se roubam livros em Portugal

Há de tudo: até padres e coxos atacam nas livrarias portuguesas

A Renault Express não chegou. Foi preciso uma Ford Transit — com uma bagageira que consegue transportar quatro pessoas deitadas — para Antero Braga, ex-administrador da Bertrand, recuperar os livros que o professor disfarçado de cliente fiel lhe roubara durante vinte anos. Um mês depois de a livraria do Chiado ter instalado o sistema de alarmes, este disparou à passagem do insuspeito professor da Escola de Belas Artes, com conta corrente na loja. Mal sabia Antero Braga que acabaria por ganhar o dia: quando a caminhonete estacionou à porta, carregada com mais de mil livros roubados, percebeu que tinha recuperado o dinheiro investido nos alarmes.

Um milhar de livros roubados nem sequer chega a ser recorde. Nos anos 70, o mais famoso ladrão entre os livreiros do Chiado, conseguiu construir uma biblioteca ainda maior: 30 mil volumes. Só precisou de se disfarçar de padre e de uma batina com um forro falso.

As carreiras dos livreiros estão recheadas de flagrantes improváveis: um disfarçado de padre, um padre a sério, um disfarçado de coxo, munido de muletas.

Antero Braga, atual proprietário da livraria Lello, adianta que por ano são roubados “uma centena de livros” na livraria portuense. José Pinho, da Ler Devagar, aponta para 20 livros roubados por mês. A Bertrand do Chiado só num fim-de-semana viu desaparecer 18 exemplares do mesmo livro. A Almedina suspeita que a taxa de furtos seja semelhante à dos EUA — onde os roubos representam “1,7% do volume de vendas”. Jaime Bulhosa (Pó dos Livros) explica a quebra aos leigos dos números: “Por cada livro roubado, tem de se vender três livros iguais só para cobrir o prejuízo.”

Há os ladrões profissionais — que roubam para vender –, e os amadores — que roubam um livrinho por ano — e até os VIP. “É muito comum apanhar figuras públicas. E o mais vergonhoso ainda é o que roubam. Já vi de tudo, até as anedotas do Herman”, conta Jaime Bulhosa.

O volume dos livros nem intimida os ladrões. Pelo contrário: os calhamaços até são os preferidos: 2666, o mais roubado na Bertrand em 2009, tem mais de mil páginas. Na mesma loja, já roubaram o dicionário Houaiss — três volumes que pesam 11 quilos. A Bíblia — pecado dos pecados — é um dos mais roubados de sempre. José Pinho (Ler Devagar) perseguiu “um ladrão pela baixa de Lisboa durante uma hora”, até dar com os cinco volumes das obras completas de Jorge Luís Borges no caixote do lixo.

Os bestsellers lideram a lista de roubos. Os livros mais caros também são apetecíveis e os livreiros optam por tê-los debaixo de olho — atrás ou à frente do balcão. Mas há quem roube os títulos mais improváveis. Jaime Bulhosa diverte-se a contar no blogue da Pó dos Livros a sua investigação não finalizada sobre um misterioso ladrão culto. “Desconfiamos que seja a mesma pessoa, porque só rouba poesia e música erudita.”

Por Sheila Bastos, no Lagoinha.com


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