Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): XXIII — Ao Farol, de Virginia Woolf

Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): XXIII — Ao Farol, de Virginia Woolf

ao_farol_virginia_woolfUm crítico escreveu algo assim: “Li Ao Farol da mesma forma como costumo comer chocolate, pretendendo fazê-lo aos poucos entre outros afazeres, só que logo me deu aquela vontade incontrolável de ler tudo sem parar”. Certamente isso não se deveu a uma trama envolvente, nem a casos românticos para os quais ele precisasse saber do desenlace. E realmente, os livros de Virginia Woolf quase deixam de lado a trama e se fixam nas minúcias humanas, mesmo que a seção central de Ao Farol fale de como uma casa se deteriora. O curioso é que sou um sujeito que pede alguma profundidade dos romances, mas a diluição de VW jamais me incomoda, pois há profundidade de observação — mesmo que seja de coisas secundárias –, assim como qualidade narrativa, clareza estrutural e estupenda criação de personagens.

O livro trata da família Ramsay, casal, oito filhos e agregados em férias. A personagem central é a Sra. Ramsay, uma bela mulher que usa seu charme e trato social para manter a harmonia entre todos. Mas ela parece ser sabotada pelo próprio marido, um homem “do contra” e amargo.

O livro é dividido em 3 capítulos. A janela funciona como uma apresentação dos personagens, temperada pela inteligente e sutil dinâmica de Virginia. Tudo se passa em um só dia na casa de veraneio da família, próxima a um farol que James Ramsay, o filho caçula, deseja muito visitar. Só que a previsão do tempo conspira contra os planos. James alimenta ódio pelo pai, por ele ser tão grosseiro em suas colocações sobre o passeio. O tempo passa, além de mostrar a degradação da casa, revela acontecimentos cruciais na família Ramsay. Já O farol é o momento em que realmente acontece o tão esperado passeio, porém de uma forma muito diferente.

Ao Farol poderia ser um livro denso escrito em insistentes “fluxos de consciência”, mas é leve ao acompanhar o vaivém dos pensamentos, dos medos e vacilações de seus personagens. Estes são mostrados em extrema proximidade no microscópio de Woolf e a compreensão das pessoas é o que vale neste extraordinário romance. Que personagem notável é Lily Briscoe! Que descrições maravilhosas temos do que lhe ocorre enquanto pinta! Não são pensamentos extraordinários ou filosóficos — na verdade, pelo contrário, ela e os outros personagens são intelectuais bastante convencionais, do tipo que se encontra em muitos livros. Pode ser dito que eles não oferecem nada novo, mas um mundo interior muito semelhante ao nosso, com pensamentos completos ou incompletos e livres-associações as mais absurdas.

Excelente tradução de Denise Bottmann para a L&PM.

Recomendo fortemente!

Virginia Woolf

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O caso do blog "Não gosto de plágio"

O excelente e combativo Não gosto de plágio foi processado por ter acusado… mais um plágio. Há um gênero de trapaça pouco conhecida e muito, mas muito sacana. É o plagiador (ou copiador) de traduções alheias. Imaginem que o plagiador, normalmente o próprio editor ou um funcionário, faz a tradução de uma obra de, digamos, Philip Roth; porém, em vez de traduzir a obra, pega uma edição portuguesa, dá uma “tropicalizada” e manda bala.

Denise Bottmann foi processada por denunciar uma tradução suspeita. Trata-se de uma tradutora  profissional que apenas deseja manter o espaço que é dos tradutores autênticos, daqueles que suam para compreender e mimetizar um autor. Minha mulher faz traduções do italiano e já me mostrou livros que continham 10 erros — de todo gênero — por página. Erros incríveis, que talvez fossem herança de um mau tradutor de primeira mão. O que Denise apontou afeta muito a mim: uma versão da editora Landmark para Persuasão, de Jane Austen…

Neste post, Denise nos dá detalhes sobre o que seria um indiscutível crime. O tradutor é o Sr. Fábio Cyrino, um dos proprietários da Landmark; sua versão do clássico apresentaria grandes semelhanças com a tradução portuguesa de Isabel Sequeira, publicada pelas edições Europa-América em 1996. Ao que tudo indica seria mais um caso de editor que rouba mercado de trabalho de quem sabe traduzir — e cobra adequadamente por isto. A Landmark costuma editar principalmente obras sobre maçonaria, mas também gosta de ornamentar seu marasmático catálogo com coisa mais divertidas e inteligentes como A volta do parafuso e O morro dos ventos uivantes. Espero que James e Brontë estejam tranquilos em seus túmulos. Tenho pena de Jane Austen, que deve estar louca por um chá de camomila, preocupada com o destino de nossa heroína Anne Elliot.

Como vocês sabem, tenho alguma vivência nestas coisas de processos contra a blogosfera. Já digo que não vai dar em nada e peço a quem concordar comigo que dê o devido destaque ao caso. Também sugiro à Denise que publique ipsis litteris a inicial em seu blog. Afinal, o juiz declarou o processo como público — contra a posição do advogado do Sr. Cyrino — e penso que as pessoas ainda podem amparar-se em pressupostos morais como este: quem processa outrem deve estar pronto para sustentar e defender os motivos alegados em qualquer lugar e ocasião.

P.S. — A blogueira Raquel Sallaberry, do Jane Austen em Português, também está sendo processada pela editora.

P.P.S. — Sabem o que o Sr. Cyrino pediu? A retirada imediata do blog, além de uma indenização de 400 salários mínimos por calúnia e difamação. 400 mínimos? Retirada do blog do ar? O pior é que Denise vai perder tempo, gastar uma grana em advogado, etc. Tudo para nada.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!