Entre luzes e sombras

Por Francisco Viana

Em meio à chamada intelectualidade, três teses ganham corpo na medida em que se aproximam as eleições. A primeira diz respeito ao presidente Lula, com frequência acusado de tramar a implantação de um regime autoritário no país. A segunda, relacionadas à primeira, coloca em foco a ministra Dilma Rousseff, apresentada como ex-terrorista ou guerrilheira. E a terceira, que se transformou num lugar comum, está relacionada com a liberdade de imprensa que estaria sendo ameaçada. As três teses são falsas.

Vamos ao teste da realidade. Primeiro, não há sequer um átimo de autoritarismo no governo Lula. Pelo contrário, está criando condições para que o país se transforme numa grande democracia de massas, a exemplo do que aconteceu na América dos anos 20 e 30. É a participação popular que constrói a democracia, não os desígnios de um grupo de supostos iluminados. Mesmo Platão, que advogava uma república aristocrática, jamais imaginou tal contra-senso. Na sua República, os sábios se dedicavam ao bem comum. Mas quem melhor retratou a imagem de uma república mista foi o historiador Políbios ao descrever na História a explicitação dos conflitos de Roma antes da era cristã com a participação dos aristocratas, da burocracia e do povo. A Revolução Americana reeditou o modelo polibiano, fazendo da participação popular o verdadeiro espírito revolucionário. Estamos chegando atrasado em cena, mas o processo é irreversível.

A segunda tese, a Dilma guerrilheira-terrorista, é oca como um anel. A ministra Dilma não foi uma vilã, mas um dos símbolos de uma geração corajosa e generosa que dedicou os seus melhores anos a mudar o país. Foi o oxigênio que nutriu a liberdade que hoje usufruímos. Foi presa, torturada, em nome de um ideal libertário. Como o tema é tratado fora do contexto pela intelectualidade crassa, passa a impressão de que aconteceu justamente o contrário. A verdade, porém, é outra e a história está aí para demonstrar. Há por fim a questão da liberdade de imprensa. Em lugar de sufocada, está sendo cada vez mais ampliada. Por uma questão simples: a sociedade é cada vez mais livre. E se a sociedade é livre, a imprensa é livre. Não o contrário. Não existe liberdade de imprensa: a liberdade é da sociedade. Não existe um único exemplo de país onde o povo seja amordaçado e a imprensa seja livre.

Na realidade a ofensiva ultraconservadora tem uma razão de existir. Se a história da humanidade é a história da luta de classes, como diagnosticou Marx, a história brasileira é a história da luta contra os privilégios. E pode ser sintetizada, desde o alvorecer da República, nesse conflito entre uma democracia com povo participante e uma democracia com povo como mero espectador. Os países que prosperaram ao longo da história seguiram o caminho inverso do Brasil. Roma foi um exemplo florescente de República participativa. Era fruto daquilo que Políbios definou como virtù – um termo filosófico que significa a capacidade de mudar a vida. A América sempre teve esse valor maior, a participação, como alicerce. Atenas encarna a sua grandeza também na democracia, mas esta iluminou apenas um pequeno período da história e era uma democracia com escravos. No Brasil seguimos por muito tempo na contra-mão. Agora que estamos tomando o caminho certo vem o grande problema dos interesses prejudicados.

É em defesa dos privilégios do Brasil fossilizado que se que erguem as vozes roucas e os rostos ensombrecidos dos conservadores, Iagos de província. Na falta de bandeiras tentam semear o medo, pois se sentem ameaçados. Como são individualistas, antissociais, perdem acesso fácil às verbas públicas, que dilapidam, se sentem intimidados pela ascensão dos movimentos populares, temem o embate vivo e transparente pelo direito à igualdade. Estão historicamente condenados a desaparecer. Pregam no deserto. Contra a voz dos Iagos de província, há o coro polifônico da sociedade que aprova as mudanças, com índices de 8 para cada dez brasileiros. O tempo da caça as bruxas passou. Restaram apenas as suas tristes viúvas envoltas no mando opaco das trevas.

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