Ospa, o mau humor, o frio e a reconciliação

Ospa, o mau humor, o frio e a reconciliação
Albrechtsberger, o Cléo Kühn da música
Albrechtsberger, o Cléo Kuhn da música

Fui de mau humor ao concerto da Ospa de ontem. Tinha uma certeza: seria péssimo. E me enganei totalmente. Acontece que o programa não era nada estimulante…

R. Schumann: Abertura Manfred
J. G. Albrechtsberger: Concerto para Trombone Alto e Cordas
L. v. Beethoven: Sinfonia nº 6 “Pastoral”
Regente: Guilherme Mannis
Solista: José Milton Vieira (trombone)

… e vou tentar explicar o motivo. A conhecida Abertura Manfred, de Schumann, é verdadeiramente um horror. Ela não melhorou ontem à noite e só fez com que eu afundasse ainda mais em minha cadeira. Mas ali, ouvindo aquela mediocridade vinda de um Schumann cheio de alucinações em seu caminho para a loucura, pude notar que — coisa de luteranos — a Igreja da Reconciliação tem boa acústica. Outra óbvia observação que pude fazer, enquanto esperava que acabasse a tortura, foi de que tínhamos pouco mais de meia casa de lotação, o que, naquele momento, achei justificado em razão do programa e do frio.

Bem, quando finalmente Schumann despediu-se e foi para o sanatório, entrou Albrechtsberger. Este sujeito de nome longo, ao qual doravante chamaremos de A. foi professor de Beethoven. Pois é, Ludwig van chegou em 1792 a Viena recomendado por Haydn para procurar aulas com seu amigo Albrechtsberger (OK, eu escrevo). Com ele, Beethoven estudou harmonia e contraponto. Alguns anos mais tarde, Albrechtsberger fez questão de entrar na história da música com uma das maiores bobagens já proferidas por um professor: “Beethoven não aprendeu absolutamente nada e nunca vai conseguir compor nada decente”… Isso é que é uma previsão! Sim, foi o que ele disse, demonstrando confiança e dando feedback positivo a seu pupilo. Para completar minha desconfiança, certa vez um CD de A. ganhou o prêmio de um dos 3 piores publicados pelo PQP Bach, dentre mais de 3 mil.

E, dizia eu, entrou o compositor com José Milton Vieira seu trombone de vara. Senti o drama. Ele vinha para enfiar-nos Albrechtsberger com todas as letras. Só que eu gostei. A música era surpreendentemente boa, tinha um lindo Andante e um Finale muito divertido. Miltinho, para variar, tocou demais. Diego Biasibetti mostrou-se um belo cravista, fazendo um baixo-contínuo seguro e discreto, como deve ser. Foi muito animador receber aquela ducha de boa música após (argh!) Manfred.

Sem intervalo, fomos para a programática Pastoral com seus 5 movimentos divididos em 3 seções. Já dera para sentir nas primeiras peças do programa que o regente Guilherme Mannis tirara as cordas da letargia. E elas dominaram bem a trabalhosa sinfonia do mestre de Bonn, pois se o flautim toca 6 notas, elas tocam milhares naquele tagatagatagataga beethoveniano que a gente adora. Aliás, mantive meu olho atento às cordas.

O tranquilo spalla Omar Aguirre era bem acompanhado, mas The Usual Suspects estavam lá, dando cruéis desformatadas a golpes de arco. Nem tudo é perfeito. No terceiro movimento também houve uma trompa que derrubou alguns obstáculos e caiu na pista, mas nada grave — a concepção de Mannis e o núcleo duro da orquestra seguraram bem a coisa. Chamo de núcleo duro as duas linhas de excelentes músicos que ontem estavam formadas por Marcelo Piraíno (clarinete), Diego Grendene (idem) e Adolfo Almeida Jr. (fagote), tendo mais à frente Klaus Volkmann (flauta e chorinho especial para moças no pós-concerto), Viktoria Tatour (oboé) e Paulo Calloni (corne inglês). Eram as duas linhas de três do técnico Mannis.

No final, só me sobrava rir de meu engano. O concerto fora muito bom.

Londres, 15 de fevereiro (sábado): na Saint-Martin-in-the-fields

Londres, 15 de fevereiro (sábado): na Saint-Martin-in-the-fields

Nos dia 15, saímos às ruas. Fizemos o passeio até o cartão postal do Parlamento + Tâmisa + London Eye, fomos até Trafalgar Square e entramos na National Gallery. E só hoje notei que não tiramos fotos neste primeiro dia, prova de que Londres é uma cidade que mais se vive do que se vê. As primeiras fotos foram tiradas à noite, quando fomos assistir a um concerto na Saint-Martin-in-the-fields, do outro lado da Trafalgar.

Chegando lá, fomos direto ao elevador que nos levaria à cripta, onde há um belo café. Na porta deste, há o seguinte cartaz.

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Mesmo após horas de caminhadas pela cidade, pegamos as escadas, claro.

Se a Saint-Martin começa a valer a pena desde a porta do elevador, melhora na descida até a cripta. Ali, há séculos, temos religiosos enterrados no chão, mas, sobre eles, também temos um excelente e charmosíssimo restaurante-café. A homenagem aos túmulos é radical. A fragrância do café, dos chás e das iguarias certamente não fazem com que os féretros se ergam, mas certamente tornam mais leve e menos tediosa a eternidade.

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Elena manda bala na salada.
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Elena reflete sobre o motivo de haver tantos carecas numa mesma foto.

Vocês, meus sete inteligentes leitores, já notaram que o local também é uma igreja, mas que hoje é mais uma casa de concertos e restaurante. É uma tendência.

Bem, fôramos lá mais para conhecer a Saint-Martin do que para ver o concerto, de bom repertório, apesar de batidíssimo, conforme vocês podem conferir agora:

Baroque Extravaganza by Candlelight
Bach – Concerto for Two Violins in D minor
Vivaldi – Spring from Four Seasons
Bach – Air on the G String
Vivaldi – Concerto for Two Violins in A minor
Bach – Brandenburg Concerto No 4
Pachelbel – Canon and Gigue in D
Mozart – Divertimento No 3 in F
Vivaldi – Concerto for Four Violins in B minor

Festive Orchestra of London
Miki Takahashi Violin
Martin Feinstein Recorder (flauta)

Mas ocorreu um fato curioso: a excelente violinista Miki Takahashi, solista e primeiro violino da Festive Orchestra of London, em vez aquecer e ganhar corpo durante o concerto, sentiu o efeito da maratona ao final da função. Ela foi minguando. Depois do Brandenburguês Nº 4, passou a rodar em ponto morto, deixando espaço para os outros ótimos instrumentistas da orquestra.

De todos os muitos concertos que assistimos em nosso “turismo sinfônico” (expressão da Elena), este disputa o posto de mais fraco com o confuso Quarteto Elias, mas isso é papo para depois.

Um idiota no palco
Milton Ribeiro, um idiota no palco. Alguém sabe o que significa aquele ovo nos vitrais?
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A partitura sobre o cravo.
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E o mesmo, só que para o violoncelo.
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Fim de concerto na Saint-Martin-in-the-fields.

Notas sobre o Música na UFCSPA desta quarta-feira

O Quarteto Instrumental formado Artur Elias (flauta), Elena Romanov (violino), Vladimir Romanov (viola) e Rodrigo Alquati (violoncelo) deu um excelente recital na universidade de nome difícil de pronunciar. Contrapartida que todos os cursos mais ricos deveriam dar ao público por levarem boa parte da grana que deveria ir para a área das Humanas  — dia desses o IA, por exemplo, vai abaixo –, o Música na UFCSPA merece todos os elogios. A série mantém-se impecavelmente afastada da mediocridade. Toda a programação é de primeira linha e hoje não apenas os músicos eram excelentes como também o repertório consistia de obras raramente executadas entre nós. O ingresso é sempre gratuito.

Gostaria de fazer duas pequenas críticas à organização: a primeira é que a função estava marcada para às 12h30 e a portaria deixou todo mundo lá fora até às 12h29. Teve um senhor idoso que disse “Já que é assim vou almoçar”. E foi embora. A segunda é que as pessoas que vão a concertos, neste horário, normalmente deram uma fugidinha do trabalho e têm horário apertado. Ou seja, tem que começar na hora, nunca com atraso.

Mas o concerto era consolo para quaisquer males. Após o conjunto iniciar de forma um pouco hesitante o Allegro do Quarteto em Ré maior, K. 285, de Mozart, a coisa simplesmente engrenou e foi perfeita até o final. Com a costumeira segurança, Artur Elias comandou o Mozart de forma esplêndida. Ele, “cantou” o Adagio como poucas vezes ouvi. Impossível não ficar feliz com o que ouvimos.

Em seguida, no Tchaikovsky, passou o bastão à Elena Romanov, que solou brilhantemente um arranjo do Andante Cantabile do Quarteto de Cordas op. 11 nº1. O concerto foi finalizado com a curiosa e muito boa 15 minutes, do contemporâneo Jean-Michel Damase, obra complicada, cheia de episódios contrastantes. Ia conferir se a duração seria de exatos 15 minutos, mas esqueci…

Com justiça, a plateia aplaudiu de pé. O bis veio com Carinhoso de Pixinguinha. Também foi ótimo, mas a plateia estava tão satisfeita com o que vira que, se eles fizessem uma exibição amadora de sapateado, seriam igualmente ovacionados.

Olho no Música na UFCSPA. O público ainda não se deu conta de sua existência.

P.S. — Deveria ser normal, rotineiro, mas não é. Este quarteto, todo saído da Ospa, ensaia e toca música de câmara. Assim fazendo, apenas demonstram de forma inequívoca seu amor e dedicação à música. Não ficarão ricos por isso.

O quarteto no palco da UFCSPA
Em primeiro plano, a mulher e o filho do flautista Artur Elias (ao fundo).
Elena Romanov. de muito longe, a criatura mais bonita do palco.
Seu marido Vladimir.
E o violoncelista Rodrigo Alquati.

Ospa: coisas vivas e outras apenas perfeitas na danação acústica da Igreja da Ressurreição

Ontem o concerto da Ospa previa um Festival Mozart. O programa era o que segue, copiado site da Ospa:

W. A. Mozart: La Clemenza di Tito – Overture
W. A. Mozart: Concerto para Flauta nº 1, em Sol Maior
W. A. Mozart: Andante para Flauta e Orquestra, em Dó Maior
W. A. Mozart: Sinfonia nº 41, em Dó Maior

 

SOLISTA: Leonardo Winter (flauta)
REGENTE: Ricardo Sciammarella

A acústica da Igreja da Ressurreição é uma coisa, o blog é uma coisa pessoal e Mozart é um coisa pessoal problemática. Há muitas obras de Mozart que estão no meu panteão, mas não sou um admirador incondicional de sua música assim como sou da de Bach, Beethoven, Brahms ou Mahler. Grosso modo, a qualidade da música de Mozart eleva-se juntamente com o número do Koechel. Explico: Ludwig Alois Friedrich Ritter von Köchel (1800-1877) foi um musicólogo, escritor, compositor, botânico e editor austríaco, mas imortalizou-se como musicólogo ao catalogar toda a obra de Mozart, originando os números de Koechel, pelas quais as obras de Mozart são conhecidas. Desta forma, a belíssima Sinfonia concertante de dois posts atrás é a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, K. 364. Estranhamente, o programa da Ospa falhou ao não incluir “os Ks”, mas a gente informa pra vocês sem problemas.

Como o catálogo Koechel é cronológico, fica fácil de notar que a música da juventude de Mozart era gentil, perfeita, bonita e equilibrada. Depois, a vida, as dívidas e o contratos começaram a influenciar e sua música ganhou drama, sangue e agressividade. Melhorou muito. A abertura La Clemenza di Tito, K. 621 e a Sinfonia Nº 41, Júpiter. K. 551, são obras da maturidade do compositor. Já o Concerto para Flauta Nº 1 tem K. 313, e o Andante para Flauta e Orquestra, K. 315, são obras que se encaixam naquele mundo inodoro e perfeito do Mozart inicial. Como disse lá no início, o blog é uma coisa pessoal e eu não gosto destas obras para flauta. É muita limpeza e pouco drama.

A execução valeu pelo excelente solista Leonardo Winter que, como sempre, fez um trabalho notável, apesar do Andante arrastado demais do regente Ricardo Sciammarella, que, pelo ouvido, o desejava Adagio.

Já a qualidade musical, o pulso e a veemência da Júpiter e de La Clemenza di Tito trazem tanto interesse a um concerto que a gente consegue ignorar o fato da acústica da Igreja da Ressurreição ser tão ruim. A Júpiter é tão boa que até o minueto — terceiro movimento da forma sinfônica clássica — é legal. Por motivos certamente ligados à inadequação acústica da sala, Sciammarella fez uma virou a Ospa de cabeça para baixo, colocando, a partir da esquerda, os primeiros violinos (com os contrabaixos atrás), os violoncelos, as violas e os segundos violinos. Boa tentativa, mas a sala é incontrolavelmente demoníaca.

P.S. — Um fato desagradável que pode ser evitado: o programa indicava que haveria um  intervalo antes da Júpiter. Por isso todos levantaram enquanto os alto-falantes mandavam a plateia sentar. Chato, né?

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)

Rimsky-Korsakov: Quinteto para flauta, clarinete, trompa, fagote e piano

Gosto muito deste primeiro movimento do curioso quinteto de R-K. As gravações são poucas, raras e boas em CD, mas no Youtube não tem quase nada. Encontrei este aqui, ó, de filmagem amadora, som mais ou menos e grande entusiasmo da moçada. Vale a pena dar uma olhadinha.