Certas pessoas — de direita e da esquerda — encararam Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles como uma advertência ao governo Bolsonaro. Santa patetice! Os cineastas começaram o projeto do filme em 2009 e não têm culpa se a realidade brasileira de hoje se aproxima tanto de uma distopia. É claro que no filme fala do país de hoje como nenhum outro. E que é um filme que prega a resistência à opressão, por meio de uma trama com um pé no fantástico e outro no realismo.
Trata-se de um belo filme que permite muitas abordagens. Muitas mesmo. De um modo superficial, podemos dizer que o filme tem a estrutura típica dos westerns, com os malvados vencendo e vencendo até uma reviravolta surpreendente. Neste neofaroeste, os malvados são um grupo de psicopatas entediados norte-americanos, todos tarados por armas. Na verdade, são gamers que recebem pontos em um jogo ao cercarem a pequenérrima Bacurau. Sua forma de agir tem muito em comum com a gurizada de Violência Gratuita, filme do austríaco Michael Haneke, que também disse que usou os norte-americanos como modelo — isso num período pré-Trump e pré-babação de ovo bolsonarista.
O filme também é descrito por alguns como uma distopia. Mas isso é só por situar-se num futuro próximo, pois toda a tecnologia aplicada pelo invasor está aí, prontinha para ser usada. Só falta a disposição e um prefeito.
A ideia de Bacurau é a defesa contra o invasor e a negação das armas e arminhas. Isso une a todos, até o ladrão da cidade. O invasor cria a dimensão de povo e da reação. Toda arte tem dimensão política, mas o filme de Kléber e Juliano não é só política e também não é simplesmente a luta do bem contra o mal, ele vai fundo nas motivações psicológicas, tanto que o chefe do grupo invasor alveja e mata de graça alguns de seus companheiros por pura sede de sangue. Ele simplesmente odeia e isso basta.
Em Bacurau, só há dois caminhos possíveis: resistir e lutar ou morrer. No final do filme, somos avisados que o projeto gerou mais de 800 empregos, movendo a indústria nacional. Isso serve de aviso àqueles que não enxergam o empenho nem o valor (cultural e econômico) do cinema nacional.
E que cena linda a do velho homem nu que deflagra a reação!
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Ah, o filme foi visto na renovada Sala Eduardo Hirtz da CCMQ. Olha, a sala está um show.