Eu realmente me divirto com essas coisas. Há alguns artigos musicais ingleses e americanos que falam, cada vez com maior seriedade e veemência, na possibilidade e na necessidade do surgimento “da próxima Amy Winehouse”. Li também dois sítios brasileiros falando “na substituta”. Não duvido sobre a necessidade de uma nova Amy para a indústria ou para os fãs, porém as conversas que me intrigam são sobre a formação, a criação e a escolha de nomes, acompanhadas de clipes no YouTube. Mas antes podemos recuar um pouco no tempo?
Em 2007, Gilliam Reagan e James Salon escreveram no New York Observer: Amy Winehouse vai morrer jovem. Parece inevitável, dada a combinação de juventude, ousadia, abuso de drogas, talento e má escolha de homens. Parece que vai ficar em boa companhia no céu do rock ‘n’ roll. Ficará com Janis Joplin, Jimi Hendrix, etc.
Ah, as previsões irresponsáveis da imprensa… Bem, OK, digamos que o cenário já estava pronto e as coisas encaminhadas, apesar da maldade de expor a cantora para a observação e decomposição pública, mas o que me interessa é o lado B dos fatos. Sim, pois tal prognóstico desnuda o enorme apetite de autodestruição de Amy, como também uma postura de entrega absoluta, que é bastante rara nos artistas que são o resultado da maquiagem, do recondicionamento e da hidratação de produtores atrás de grana. Pouco sei de Hendrix, Cobain ou Jim Morrison, mas a existência de Joplin — sabiam que o nome da mãe de Amy é Janis? — também me parece ter sido a de alguém que acelerava em direção ao muro sem procurar vicinais. A tragédia pessoal e a decisão de ir fundo estava plasmada nos rostos e na trajetória das duas cantoras. Por isso, quando leio alguém escrever que esta ou aquela cantora irá substituir uma das duas, procuro logo saber qual é o grau de desvio de comportamento que apresenta.
Se a candidata é bem comportada, esqueça. Pois pensar que alguém possa ter uma carreira semelhante sem um anormal grau de entrega é uma bobagem. Se tiver comportamento convencional pode ser melhor ou pior, mas não será a lenda de que tanto precisa a combalida indústria fonográfica. Winehouse e Joplin foram como foram porque colocaram sua paixão e vida em tudo. Ambas faziam altos investimentos de angústia na música, nos homens, nas drogas, na escolha do vestido, do penteado e também no momento de passar a faca na manteiga e a manteiga no pão. Para que renasçam é necessária uma nova tragédia. Mas isso fica escondido nos textos.
Pois ambas eram um comportamento inteiro, pacotes distintos de uma só sinceridade. Ninguém vai compor boas músicas sobre reabilitação se não estiver envolvido, ninguém vai cantar com aquela garra e franqueza se estiver preocupado com o contrato, com o carro ou o próximo show. Para o gênero de artistas que elas foram, esta inteireza pode ou deve ser autocentrada e em faixa própria. Eram pessoas cujos conceitos e posturas estavam sempre presentes em apoio ao descontrole.
Pois Amy Winehouse não subia ao palco apenas para mostrar seu trabalho. Ela usava a arte para gritar, vivia o que cantava. E seus admiradores sabiam claramente ou intuíam que aquilo sim era unir arte e vida. Suas composições e a expressiva voz de contralto persuadiam que ali não havia apenas o “fazer artístico”. Talvez involuntariamente, talvez por personalidade, Winehouse atirou-se em sua Paixão — no sentido mais exacerbado e patológico do termo — baseada num referencial próprio de dor e entrega.
Então, quando aparece uma gordinha normalzinha ou uma magrinha com cara de modelo como novas Joplins ou Winehouses, esqueçam. A nova Joplin virá arrebentando e será facilmente reconhecida, terá nome e luz próprias como Amy tinha e ninguém vai ter tempo para muitas comparações.