… penso que antes temos que reabrir nossa bela Biblioteca Pública da Riachuelo, sob pena de criarmos uma segunda Ospa, com sua sede sempre futura.
Eu sei bem da situação da Cultura no RS, faço parte da diretoria da Amaospa (Associação de Amigos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) e nada do que está escrito no folder ao lado me é estranho. Também não vejo problema em planejar uma Biblioteca Pública maior, mas desconfio que estes longos 6 anos — há previsão de ficar fechada por mais dois, ou seja, toda uma geração passará sua juventude sem conhecê-la — em que nossa Biblioteca Pública do Estado esteve fechada, fizeram com que as pessoas esquecessem um pouco de como ela era e de suas funções. E da urgência de sua reabertura. Ontem, Dia do Livro, houve uma caminhada desde o Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega, até a centenária BPE. Estavam convidados “os que torcem e defendem um novo prédio para os livros e a cultura”. Também foi criada uma Petição Pública que assinei: Eu também quero uma NOVA Biblioteca Pública pro RS, JÁ.
Mas, sabem, acho que há um problema de prioridades. Primeiro uma coisa e depois outra. Dentro do governo, os processos tem de ser acompanhados detidamente para que não parem em algum gabinete. Há que ter a sociedade e ao menos um bom deputado empurrando e cobrando. Abrir canais, ter foco e dar visibilidade é tudo. O documento acima diz-se desolado com a demoradíssima restauração da velha e querida Biblioteca, e não a descarta de modo algum, mas vai logo pedindo uma nova, uma que possa abrigar um acervo que tornou-se grande demais. Mas há um fato muito importante: uma biblioteca não é apenas um monte de livros organizados, uma biblioteca é um lugar de convivência e… Posso lembrá-los de como era a nossa?
Eu, por exemplo, fui centenas de vezes até a velha biblioteca, passei lá milhares de horas — não há nenhum exagero nesta afirmativa — e jamais retirei ou abri um livro de seu acervo. Ou seja, a BPE era utilizada de outra forma por mim. Eu ia lá para baixo e ficava na sala mais frequentada e uma das mais silenciosas, um local bonito com um jardim ao lado. Chamava-se Sala de Leitura ou algo análogo. Era onde podíamos entrar com nossos livros e pertences. Eu ia lá simplesmente estudar, ler jornais ou os livros que trouxera. Era tranquilo, era bom de ficar lá, era um ambiente de concentração, sofisticado, onde a gente tinha a impressão de absorver as coisas mais rapidamente. A maioria das pessoas lia os jornais disponíveis; outros faziam como eu, mudando de atividade a cada meia hora. Como ganho secundário, digo que era um bom lugar para conhecer pessoas, talvez namorar. As bibliotecas públicas, meus amigos, são formadas por outras coisas além de livros: há cadeiras e mesas, idealmente há conforto e silêncio e, em nosso caso havia tudo isso e mais beleza. Atualmente, toda a biblioteca tem uma coisa barata e fundamental: wireless. Na minha época de BPE, não havia internet e a gente lia jornais. Hoje há coisa melhor e as pessoas frequentam as bibliotecas entre papéis e tablets ou notebooks. As pessoas falam muito no acervo, no acervo, no acervo hoje colocado num porão da Casa de Cultura Mario Quintana, mas este obsessivo leitor e amante dos livros que vos escreve, repete: uma biblioteca pública não é feita apenas de livros. O acervo é um material de pesquisa fundamental, é o que dá nome e justifica a instituição, mas, convenhamos, poderia ficar temporariamente organizado em outro local, como está hoje, até que o nova sede ficasse pronta. O grande acervo é o que impede a reabertura da velha BPE? Penso que não.
E o que também parece estar longe da memória das pessoas é que a BPE/RS possuía o Salão Mourisco, que era uma das melhores salas de concerto da cidade. Quantos concertos de música de câmara assisti no Mourisco nos finais de tarde? Por motivos bem diferentes, lembro especialmente de dois: um onde Marcello Guerchfeld e uma pianista (Cristina Capparelli?) interpretaram as duas Sonatas para Violino e Piano de Béla Bartók. A temperatura emocional da coisa foi tão alta que, ao aplaudir, olhei para o lado e vi que metade da minha fila tinha estado chorando. Eu? Desmilinguido, claro. Outra vez foi cômico. Meu pai tinha um daqueles chaveiros que respondiam a determinado tom. Isto é, quando ele queria encontrar suas chaves, largava um Si Menor e o troço apitava. E ele, inteiramente esquecido de seu chaveiro, foi ao concerto. Ora, cada vez que o pianista esbarrava na nota, a engenhoca berrava, glu, glu, glu, glu, glu (5x). A princípio olhamos para todos os lados a fim de descobrir quem era o imbecil que fazia aquilo. Quando meu pai se deu conta que era ele, levantou cuidadosamente, foi ao banheiro e fez submergir o chaveiro na privada. A BPE/RS era um local vivo.
Então, entre o ideal e o imediato, entre o quase-pronto e o projetão, desculpem, fico primeiramente com o imediato e quase-pronto. E aconselho: a pressão deve ser feita primeiro pela reabertura daquilo que é lindo e que nos foi roubado para só depois vir o projeto. Até parece que já estou ouvindo as respostas que a Ospa ouviu: “O que vocês querem não é factível. Onde seria a nova BPE? Vocês já têm local?”. E todo o périplo percorrido pela Ospa será percorrido pela BPE. Lembrem que a orquestra está há anos sem o Teatro da Ospa e sem a Sala Sinfônica. Então aconselho: nada de atropelar as coisas.
Abaixo, mostro para vocês algumas fotos tiradas por Ramiro Furquim para o Sul21 em 5 de maio de 2012. Hoje, ela não está mais cercada, mas, em compensação, a pintura já está lascada. Afinal, são anos de restauração… São quinze fotos para que vocês vejam o crime que é deixar a velha e querida BPE/RS fechada. Quem sabe uma pressão e petições para reabri-la o quanto antes, hein?