Este é um livro que traça perfis de mulheres. É uma compilação de todas as pequenas biografias — de mais ou menos dez páginas cada — que Rosa Montero publicou no suplemento dominical do El País. Como diz a autora:
Sempre tive grande simpatia por biografias, autobiografias, coleções epistolares e diários, sobretudo de personagens (tanto masculinos como femininos) do mundo das letras. Dessa antiga paixão nasceu a série de artigos reunidos neste livro: dezesseis retratos de mulheres originalmente publicados no EL PAÍS Semanal. Quase todos aparecem aqui em versão ampliada, livres que estão da estreita ditadura do espaço.
Não se trata, obviamente, de um trabalho acadêmico, nem mesmo de um trabalho jornalístico no sentido mais tradicional da palavra. Não há, portanto, nenhuma intenção de cobrir campos, sejam eles geográficos, temporais ou profissionais: ou seja, não selecionei as biografadas para que representem a situação da mulher nas diversas etapas da história, nem para que haja um elenco adequado de culturas e países, e nem por serem as mais famosas. Para falar a verdade, mais do que eu as ter escolhido, foram elas que me escolheram: vou falar daquelas mulheres que, em algum momento, falaram comigo. Aquelas cuja biografia ou diários me impactaram por algum motivo em especial, que me fizeram refletir, viver, sentir. Portanto, mais que uma visão horizontal e ordenadora, própria do jornalismo e do trabalho acadêmico, meu intento foi uma visão vertical e desordenada, própria daquela espécie de olhar tão especial com que às vezes (numa noite antes de dormir, num entardecer enquanto dirigimos de volta para casa) pensamos vislumbrar, por um instante, a substância mesma do viver, o coração do caos.
E por que apenas mulheres? Justamente por essa sensação, que já mencionei, de abrir as águas quietas e extrair lá de baixo um monte de surpreendentes criaturas abissais. Além disso, ao ler biografias e diários de mulheres descobrimos perspectivas sociais inimagináveis, como se a vida real, a vida de cada dia, composta de homens e mulheres de carne e osso, tivesse seguido outros roteiros que não os da vida oficial, coligida com todos os preconceitos nos anais. Vejamos, por exemplo, o tema do amor da mulher mais velha por um homem jovem; dir-se-ia que essa relação, durante muito tempo considerada um fato extravagante e escandaloso, foi até agora (e em boa medida parece ser ainda hoje) uma completa exceção à normalidade. No entanto, nada como começar a mergulhar na vida das antepassadas para descobrir uma profusão espantosa de situações similares.
Bem, voltei. Voltei para dizer que achei que poderia ler o livro aos poucos, abordando uma retratada de cada vez e interrompendo a leitura. Mas aconteceu o exato contrário, eu comi Nós, Mulheres de cabo a rabo, rapidamente. Ou seja, Rosa Montero tem uma prosa absolutamente envolvente e eu me obrigava a passar de um texto a outro direto.
A seleção é dominada por artistas e mulheres de letras — George Sand, Simone de Beauvoir, Agatha Christie, Mary Wollstonecraft, Camille Claudel, Frida Kahlo. Das cientistas, a única que pertence ao campo das humanas é a antropóloga Margaret Mead. Há também algumas mulheres guerreiras (de armas e de comando de exércitos) e, sobretudo, aquelas que se dedicam à área de exatas, talvez as mais esquecidas em publicações normais, até porque se moveram em um ambiente tradicionalmente hostil para as mulheres.
Montero esclarece, ao referir-se aos seus critérios de seleção, que não está a tentar fazer uma hagiografia, que não está a tentar apresentar exemplos de “vidas virtuosas”. O despotismo e a crueldade de Irene de Constantinopla, a possessividade maternal doentia de Aurora Rodríguez, culminando no assassinato de sua filha, ou o pernicioso delírio messiânico da poetisa Laura Riding estão longe do que poderíamos considerar laudatório. Montero diz: “Eu sempre disse que teremos alcançado uma verdadeira igualdade social quando pudermos ser tão estúpidos, ineficazes e maus como alguns homens, sem sermos especificamente escolhidos para isso”.
Em qualquer caso, não se pode negar que é um livro informativo, muito bem escrito e planejado e que fornece dados interessantes e pouco conhecidos. Eu curti muito e RECOMENDO.