O Presidente está catalogado como um dos “romances sérios” de Georges Simenon. Os do detetive Maigret estariam no escaninho dos não-sérios. E, com efeito, trata-se de um livro ambicioso, um exercício plenamente justificado e bem sucedido.
Em um chalé na Normandia, um homem idoso observa o mar e a passagem do tempo. Ele é Augustin Bouville, ex-presidente do Conselho de Ministros da França (um cargo equivalente ao de primeiro-ministro). Ele foi uma das figuras mais poderosas da França, aquele sujeito que é uma espécie de reserva moral do país, que é sempre consultado e entrevistado durante as crises e tal. Aos 82 anos, debilitado por uma saúde já frágil, blindado por serviçais e enfermeiras, ele remói suas lembranças enquanto acompanha pelo rádio uma grave crise política que ameaça a República. Está perfeitamente lúcido. O contraste entre a grandeza do passado e a fragilidade do presente é o pano de fundo para um mergulho na natureza do poder e na irrelevância final.
É um romance político, mas é principalmente um estudo psicológico muito íntimo sobre o esvaziamento que sucede o poder. Simenon, conhecido por sua prosa econômica, direta e atmosférica, abandona aqui qualquer resquício de suspense policial para se concentrar na mente de quem já comandou uma nação e agora mal comanda seu próprio corpo.
A narrativa alterna-se entre o presente claustrofóbico de Bouville — seus rituais, sua dependência da enfermeira, sua visão embaçada — e as memórias de suas manobras políticas. Não é herói nem vilão, é um pragmático. Relembra as traições, os acordos nos bastidores. A pergunta que Simenon sugere e não faz é: tudo isso valeu a pena? O que sobra de um homem quando o poder o abandona?
A crise do rádio serve como um espelho cruel. Ele vê seus sucessores, outrora seus subordinados, repetindo os mesmos jogos, cometendo os mesmos erros, enquanto ele, que pensa poder contribuir, está reduzido a um espectro irrelevante. O poder foi apenas um empréstimo temporário.
A caracterização do Presidente é uma perfeição. Simenon explora com precisão a vaidade bem escondida, o tédio e a lucidez de um homem no fim da linha. Claro, o livro é uma reflexão desencantada sobre a política. Sugere que os mecanismos são cíclicos e que os homens que os operam são, no fundo, intercambiáveis e vulneráveis. O som do mar, o clima cinzento da Normandia e a quietude da casa refletem o estado interior do protagonista.
É um livro introspectivo para quem aprecia histórias que exploram as complexidades morais e a condição humana. Não tem grande ação nem enredo movimentado. O Presidente é um dos romances mais sérios e ambiciosos de Simenon. É um livro triste e profundamente inteligente.
Recomendo, mas só tem em sebos.

